Eles vão à guerra, nós pagamos o mico

O Brasil do “agro é tech” importa 80% de seus fertilizantes – em parte da Rússia. Parcela do trigo vem da Ucrânia e combustíveis são regulados por interesses externos. Crise expõe vulnerabilidade e pode resultar em alta geral de preços

.

Por Bruno Beaklini

Publicado originalmente no Monitor do Oriente Médio com o título: O conflito russo-ucraniano e as fragilidades econômicas do Brasil

A guerra Russo-Ucraniana e o conjunto de medidas de sanções econômicas contra Moscou vão afetar a capacidade da economia brasileira assim como demais países do planeta. A Europa, por exemplo, é muito dependente do gás natural russo. Este país é responsável também por cerca de 10% do petróleo e derivados produzidos na Terra. Junto com a Ucrânia, formam as maiores safras de trigo do mundo, grão que compõe o padrão alimentar de milhões de brasileiros, brasileiras e latino-americanos, algo que seria inconcebível se não fosse o processo de invasão europeia em nosso continente e o genocídio – em vidas e formações culturais – que seguimos vivendo. O país governado por Kiev também é grande produtor de milho, e em especial o não transgênico, garantindo aporte para produções específicas (como para o mercado chinês e a cadeia de valor cervejeira).

Todos esses mercados são atingidos por fatores de dominação estruturante, tais como: a pressão dos países produtores (através de suas políticas agrícola, fiscal, aduaneira e monetária); a ausência ou presença de indústrias e capacidade de transformação nacional (ao contrário da ladainha neoliberal, a indústria ainda é muito importante para as economias nacionais); pressão de especuladores em índices de mercados de contratos futuros (como através dos índices do barril de petróleo, Brent e WTI, ou a jogatina de contratos agrícolas na Bolsa de Chicago); pelo fator dólar como moeda transacional mundial (como meio de pagamento e fator de troca, o dólar tem ainda um privilégio exorbitante diante de outras moedas) e, não menos importante, pelo sistema de trocas e transferências interbancárias, o Swift, sob governança ocidental e, de fato, obedecendo direto a Washington.

Qualquer conflito direto ou indireto e o emprego da economia como arma de guerra afetam os territórios econômicos, e quanto mais frágeis e dependentes forem os países maiores as possibilidades de aumento da pobreza, pressão inflacionária e escassez de produtos.

As fragilidades da economia brasileira diante do conflito

Dentro das relações comerciais com a Rússia, o grande problema é a importação de fertilizantes. O Brasil comprou da Rússia em 2021 o montante de US$ 3,5 bilhões de fertilizantes; isso equivale a 62% da balança comercial com esse país. De 2020 para 2021 as importações de insumos químicos junto a Moscou cresceram 10%.

Segundo a mesma fonte citada acima, os principais produtos russos vendidos para nosso país são: adubos ou fertilizantes químicos (62%); carvão (8,4%); óleos combustíveis de petróleo (7,6%); produtos semiacabados, lingotes (6,5%); demais produtos/indústria de transformação (4,5%); alumínio (2,5%); prata, platina e outros metais do grupo da platina (2,4%); produtos laminados planos de ferro ou aço (2,1%); borrachas sintéticas (1,2%); preparados, cereais e farinha (1,2%).

Como o bloqueio também atinge ao aliado estratégico da Rússia no Leste Europeu, o acesso de produtos bielorrussos fica também sob as mais restritas sanções.

Segundo o embaixador da Bielorrússia, “seu país foi obrigado a suspender as vendas de fertilizantes para o agronegócio brasileiro porque o escoamento foi proibido pela Lituânia, que fechou as fronteiras”.

Ainda na mesma fonte, 20% de todos os fertilizantes utilizados no Brasil vêm de Belarus. Nos últimos anos, não por acaso após 2016, o preço dos insumos da agricultura de escala encareceram 155%, o que pode implicar uma escalada inflacionária ainda maior, tanto no consumo externo como nos preços internacionais de commodities.

Outro fator importante é a safra ucraniana, que pode estar completamente comprometida para 2022. Segundo o Canal Rural: “A Ucrânia já exportou 42,5 milhões de toneladas de grãos desde o início da temporada 2021/22. O volume é 37,4% superior ao mesmo período da safra anterior. Segundo o Ministério da Agricultura do país, o total inclui 17,85 milhões de toneladas de trigo, 5,57 milhões de toneladas de cevada e 18,68 milhões de toneladas de milho. Em 2021, a Ucrânia colheu 84 milhões de toneladas de grãos, contra 65 milhões um ano antes”.

A Rússia e a Ucrânia são responsáveis por 30% do comércio mundial de trigo. Com a ofensiva militar russa em território ucraniano e as sanções contra o governo de Moscou, a disparada especulativa deste grão já é percebida. O Brasil importa 60% do trigo que consome e no consumo de massas, pães e derivados, nosso padrão alimentar fica dependente desta importação. Ao não termos um espaço de trocas privilegiadas dentro do Mercosul, com ao menos uma moeda aduaneira e relações de complementaridade com países vizinhos produtores – como a Argentina – nossas trocas ficam dolarizadas e a mercê de eventos fora do controle da economia nacional e também alvo de especuladores em pressões de alta para contratos futuros.

Segundo a mesma fonte citada acima: “A Bolsa de Chicago fechou o setor responsável pela negociação do trigo por conta do aumento de preços nos últimos dias. A Rússia é o principal produtor global de trigo e a Ucrânia é o quarto. O preço da saca do trigo, 27,2 quilos, chegou a R$ 47,7 (US$ 9,26) na quinta-feira 24/02.”

O Brasil está longe de ser autossuficiente naquilo que produz para ser, como gosta de afirmar, um dos maiores produtores de alimentos do planeta. Produzimos aqui 6 milhões de toneladas de fertilizantes e intermediários, total seis vezes menor do que o país consome por média anual. Compramos mais de 35,6 milhões de toneladas, o fertilizante usado no Brasil é 80% importado, e obviamente vai sofrer ataque especulativo e escalada inflacionária.

Um país dependente nas suas cadeias de valor estratégicas

Uma parcela importante do complexo de óleo e gás e polos petroquímicos estavam organizados com alto grau de nacionalização em todas as partes da cadeia desde a década de 70. Após o primeiro grande choque do petróleo, como resposta da guerra da entidade sionista contra países árabes e o povo palestino, a ditadura militar fez um uma opção estratégica, intensificada no governo Geisel. A ideia já vinha do primeiro período pós-2ª Guerra e tinha como premissa a autossuficiência na exploração, refino e transformação de combustível fóssil assim como avanço em biocombustível e química fina.

Na era da social-democracia à frente do Poder Executivo, esses fatores foram ampliados, incluindo a participação de transnacionais sem direitos de perfuração no pré-sal e a escolha por um capitalismo familiar nacional, como na montagem dos grupos de “campeões nacionais”. Após o golpe com apelido de impeachment, derrubando um governo eleito que sequer era de esquerda, o Departamento de Estado dos EUA e os colonizados do Brasil disseram que preferiam a dependência e a extrema pobreza a uma presença soberana, altiva e independente no Sistema Internacional. Poucos meses depois os preços da Petrobras começaram a ser ajustados segundo os especuladores do petróleo (Brent e WTI) e a especulação cambial (segundo a valorização do dólar).

Para uma elite que afirma a todo o tempo “agro é tech, agro é pop”, o Brasil carece de produção de fertilizante, de exploração de fosfato e simplesmente os estudos de solos agricultáveis no país não passam de 15%. A invasão lusitana em Pindorama jamais sobreviveria se não aprendesse a domar a mandioca, a roça de aipim e macaxeira. No século XXI, o padrão de dependência, subordinação e ignorância segue o mesmo.

Com planejamento econômico, desenvolvimento e pesquisa e a escolha pela agricultura ecológica nos tornariam mais fortes no setor primário. Com soberania e controle nacional sobre o complexo óleo e gás, não ficaríamos tão frágeis diante deste conflito, assim como dos demais que estão por vir.

Leia Também:

Um comentario para "Eles vão à guerra, nós pagamos o mico"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *