Cuba: a Revolução saberá reinventar-se?
Em meio a sanções dos EUA e a furacões, novo governo precisa organizar fim do Estado todo-poderoso e da duplicidade de moedas. Mas como fazê-lo sem comprometer igualdade e conquistas sociais?
Publicado 08/06/2018 às 13:40 - Atualizado 15/01/2019 às 18:02

Criatividade em tempos difíceis: grupo de atores de teatro de rua, em Havana Velha
Por Felix Contreras, em Crônicas de Havana, nova coluna de Outras Palavras
Na mesa de trabalho do novo presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, um dos principais problemas é a corrupção administrativa, que ele apontou no fim de maio como “o principal inimigo da Revolução”. E acrescentou: “Não podemos conviver com esse fenômeno”.
Díaz-Canel tem nas costas outros grandes problemas: os sistemas de controle deficientes, ou quase inexistentes; a má seleção dos chefes, que não são feitas por sorteio ou curriculum, mas pela bênção do partido único. Aos grandes obstáculos para o Plano de 2018 somam-se agora os danos materiais das inundações no centro da ilha, logo que passou a tormenta subtropical Alberto.
O turismo, segunda fonte de ingressos de divisas (quatro milhões de visitantes ao ano), tem sido afetado pelo “recrudescimento das medidas do governo norte-americano”, que põe pedras no caminho de seus cidadãos interessados em viajar à ilha.
Mas há que lembrar que Cuba ainda está se recuperando dos danos feitos pelos furacões Irma e Matthew, em 2016 e 2017, e pelos limites à importação de matérias primas para a produção nacional. Um retrato dos problemas do turismo fica registrado neste pequeno detalhe: quase nunca há guardanapos nos restaurantes e, quando há, os garçons levam para casa como papel para o banheiro.
Quais são neste momento os principais investimentos que se fazem? No turismo, na Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel, no transporte ferroviário, em energias renováveis e no Sistema Elétrico Nacional. Há que lembrar que Cuba não tem recursos naturais suficientes: seus rios são muito pequenos, tem pouco petróleo e sem a tecnologia para sua extração. Seus produtos de exportação são charutos, rum e níquel, e há cientistas que acreditam que a ciência e da técnica podem fazer crescer as exportações.
A população não tem senso, costume de poupança, joga e joga água e energia fora como se fossem lixo. O país ficou muitos anos numa economia paternalista, pendurada da União Soviética. Na rua ainda falam: ”Meu pai governo paga”. Lembre-se que hoje o preço do gás, da água e da energia é quase uma brincadeira, um pagamento simbólico, porque o Estado entra com subvenção.

Raúl Castro e o novo presidente cubano, Miguel Díaz-Canel
Obviamente, subvenção usada como ferrramenta política, num país onde a política de salário é um problema – o salário médio é de 672 pesos cubanos, ou seja, 28 dólares. Pior, grande parte das aposentadorias é quase de fome, o que explica a grande população de idosos na rua ou oferecendo refeições.
Em 2016, o país entrou em recessão pela primeira vez em 23 anos, ao ver sua economia decrescer 0,9%. A ilha tem uma grande dependência energética dos combustíveis fósseis, por isso a procura febril de novas alternativas de abastecimento, após a forte redução dos envios de óleo cru que recebe subsidiado da Venezuela.
O problema com a água cresce dia a dia, chove muito pouco, mas já começou o plano de dessalinizar da água do mar, como parte da estratégia para enfrentar o déficit. O crescente problema da água é produto da variabilidade do clima, que vai e vem num galope pelo Caribe.
Reformas
Mas, Cuba tem bons cientistas, bom capital humano (tem 1,3 milhões de graduados universitários e boas instituições, num mundo em que o conhecimento passou de saber a mercadoria). Há muitos técnicos preparados para lidar com as características geográficas do país (o financiamento da ciência é tema prioritário), e com consciência sobre um futuro com menos chuvas, temperaturas mais elevadas e secas frequentes. É preciso imaginar um 2100 com redução de 37% da disponibilidade do potencial de águas.
Disso não sabem nada os turistas: a política informativa a respeito é pouca, quase invisível, os muitos brasileiros que visitam o país só têm a cabeça no mojito. Quando falo dessas coisas com meus amigos paulistas, eles abrem os olhos como se eu falasse um palavrão…
Muita gente acreditava que Raúl Castro, o criador do plano de mudanças, deixaria a presidência depois de acabar com a dualidade monetária – a existência de duas moedas, que causa enormes danos. Foi uma vitória voltar a reconhecer a grande necessidade dos capitais estrangeiros para o desenvolvimento econômico. Outro avanço foi colocar na cabeça das pessoas um socialismo alternativo.
Foram dez anos de governo de Raúl, com seu jeito lento, um pacote de transformações e uma atualização do modelo econômico e social cubano. O programa de reformas aberto pelo ex-presidente começou em 2008, pegou velocidade no começo de 2010 e tornou-se oficial no VI Congresso do Partido Comunista em abril de 2011, com o nome Alinhamentos da política econômica e social do Partido e a Revolução.
Mas a dualidade, a dupla moeda teve, ainda tem e seguirá tendo forte presença no debate político e econômico em todos os espaços da vida nacional. Em Cuba, há duas moedas: o peso cubano (CUP) e o peso conversível em dólares (CUC, que vale 24 CUP). A unificação monetária é a reforma mais importante e ineludível. Foi declarada objetivo nacional em 2013, mas não se definem datas para estabelecer o cronograma da mudança.
A sociedade cubana queixa-se da morosidade. Raúl afirmava, em dezembro do ano passado, que a reforma da moeda “já tomou tempo demais e não pode dilatar-se mais sua solução”. A principal questão é: como mudar a política monetária e não ferir a igualdade social, uma das grandes vitórias da revolução cubana?