Por trás do discurso anticorrupção

Não há vontade real de combater crimes porque movimentos têm como origem o ódio de classe. O ressentimento foi recalcado durante anos e vem à tona sob os “ideais nobres” de fim da roubalheira. Assim todo rancor e violência são justificados…

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Em 4 de março de 2016, Lula foi conduzido coercitivamente a prestar depoimento na 24ª fase da Operação Lava Jato. Uma das principais questões levantadas por esse episódio foi a seguinte: a condução coercitiva de Lula era legal? Diversos juristas responderam taxativamente que não. A condução coercitiva deveria ocorrer somente se Lula já tivesse se recusado a depor após uma intimação. Outros ainda vão além: acusam o Judiciário brasileiro de parcialidade ao adotar critérios e medidas jurídicas distintas para políticos de partidos distintos.

Depois de muita peripécia, a condenação de Lula na Lava Jato foi anulada. Lula não foi descondenado, e sim inocentado. No entanto, sua vitória em 2022 levou os eleitores de seu adversário a se queixarem de que o Brasil havia eleito um presidiário, um corrupto. Em uma sociedade corrupta, a corrupção se tornou o principal mote da ladainha golpista. Nada mais hipócrita, mas nada mais eficaz. Por que no Brasil o combate à corrupção se tornou um argumento tão valiosos, ao mesmo tempo em que um argumento tão sem valor?

Vamos caminhar passo a passo. A indignação com a corrupção é legítima e deve ser dirigida igualmente contra todos aqueles que a praticaram. No entanto, criticar o caráter seletivo das investigações sobre corrupção, afirmando que não são adotados os mesmos critérios para julgar políticos petistas e políticos de outros partidos, é um argumento muito, mas muito fraco. Afirmo isso com base na seguinte tese: não há nem vontade política nem vontade social de se acabar com a corrupção. Há indivíduos isolados que preservam um comportamento ético irrepreensível, mas sua indignação com a corrupção não é suficientemente forte para promover uma transformação estrutural no Brasil. Dito de outro modo: a maior parte da sociedade brasileira está interessada na preservação da corrupção.

Parte da mídia e milhares de brasileiros, no entanto, vêm se movimentando a favor das investigações sobre corrupção do PT. Essa movimentação não seria um indício de que existe uma vontade social e política firme para eliminar de uma vez por todas a corrupção em nosso país? Não, não seria. Como afirmei, indignação com a corrupção é necessária e legítima, mas não é suficientemente forte em nosso país. Visto que a corrupção de outros partidos é francamente tolerada pela grande mídia e por milhares de brasileiros, resta saber qual é a origem da força da indignação contra a corrupção do PT.

O antipetismo é a principal fonte que alimenta os atuais movimentos golpistas. A origem do antipetismo, contudo, é primitiva: ódio de classe, desgosto por ter sido governado por um operário sindicalista e por uma mulher. No entanto, sabemos que um regime republicano abomina qualquer discriminação política baseada em classe social ou em gênero. Por esse motivo, aquele ressentimento de alguns brasileiros teve que ser recalcado durante alguns anos. Com as acusações de corrupção contra o PT, esses brasileiros perceberam, finalmente, que poderiam dar vazão ao seu ódio, mas que deveria ser travestido por uma indignação justa e legítima: a indignação contra a corrupção.

Concluirei com um excesso de didatismo. A acusação de corrupção não é suficientemente forte para promover grandes movimentos sociais, mas é suficientemente legítima para permitir o extravasamento de um ressentimento que, em sua origem, não tem nenhuma nobreza. Esse ressentimento, sim, é forte o bastante para mobilizar os movimentos golpistas. Na verdade, não existe qualquer vontade e interesse em combater a corrupção. Entretanto, é justamente o discurso do combate à corrupção que tem permitido que milhares de brasileiros possam, finalmente, extravasar seu ódio mais violento e excludente. A fina e frágil seda dos ideais mais nobres abriga a monstruosidade mais demoníaca do ódio e do ressentimento.

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