Peru: as direitas se digladiam e a sociedade assiste

Em sistema político destroçado, herança do fujimorismo, presidente tenta vender imagem “anticorrupção”. Deputados, impedidos de se reeleger, nada têm a perder. Congresso, dissolvido, “elege” ultracapitalista; sociedade reagirá?

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Por Sergio Pascual e Gisela Brito, no CELAG | Tradução de Simone Paz e Rôney Rodrigues

Novamente, agitam-se as águas da política peruana. A situação de bloqueio entre o Poder Executivo e o Congresso, que tem marcado o ritmo político do país nos últimos anos, parece ter atingido o ponto de não-retorno. O presidente Vizcarra decretou o fechamento do Congresso, fazendo valer o artigo nº 134 da Constituição Nacional, após o Parlamento ter recusado o terceiro pedido de confiança apresentado pelo seu governo. O fechamento do Congresso acarretou na convocação de eleições parlamentares para o dia 26 de janeiro de 2020.

Em vez de aceitar a decisão, o Congresso contra atacou votando pela “suspensão temporária” do presidente e nomeando Mercedes Aráoz como nova presidenta da República. Mercedes é representante do poder econômico que se concentra na Confiep (Confederação Nacional de Instituições Privadas), ex-ministra de economia de Alan García e ex-funcionária do Banco Mundial. Até ontem, ocupava o cargo de vice-presidenta da República.

Abre-se um período de incertezas em que o ritmo entre Executivo e Congresso será resolvido de acordo com a correlação de forças e dos posicionamentos que adotem: a) o poder econômico; b) as Forças Armadas; c) a cidadania mobilizada; d) os atores internacionais (embaixada dos EUA, OEA); e e) o Tribunal Constitucional, que poderia ter que resolver se é constitucional o fechamento do Congresso decretado por Vizcarra ou se prevalece o argumento da maioria parlamentar fujimorista que sustenta que o presidente não estava habilitado para ativar tal mecanismo.

Como chegamos a tal ponto? Para compreender é preciso explicar pelo menos duas características específicas do sistema político peruano. A primeira, e mais importante, aponta para o fato de que o Peru dispõe de um modelo institucional muito exposto a situações de bloqueio entre os poderes Executivo e Legislativo — exatamente como acontece atualmente. Assim, num governo com poderes limitados frente a um Congresso que faz o papel do “cão do jardineiro” (que não come da horta, mas também não deixa os outros comerem), a situação resulta em bloqueio. Nem o Congresso consegue legislar livremente em função de suas maiorias — como no caso dos sistemas parlamentares britânico ou espanhol — nem o presidente pode evitar que o Congresso frustre suas iniciativas.

Por outro lado, há um elemento do ponto de vista da conjuntura: temos um sistema obsoleto de partidos FujiApristas (combinação de Fujimori e APRA – Aliança Popular Revolucionária Americana), corrompido pela corrupção, somado a um deadline estrito para a carreira política dos membros atuais da Assembleia — que foram proibidos de se reeleger pelo referendo de dezembro de 2018 e, portanto, tiveram suas expectativas de carreira política no Congresso aniquiladas. Trata-se de mais uma face do viés vingativo que vem tomando conta da política peruana.

Da mesma forma que no mítico western, alinham-se os ingredientes perfeitos para um “Tiroteio no O.K Corral” [um dos tiroteios mais famosos da história do Velho Oeste, nos Estados Unidos]: um presidente sem partido que precisa de uma reforma do sistema de registro eleitoral e alguns deputados que já não têm mais nada a perder. Só a partir dessa lógica, de jogo de quem morre primeiro, onde dois carros se lançam a toda velocidade um contra o outro para ver quem desvia primeiro, é possível entender os últimos movimentos políticos no Peru. O problema é que, com os carros que se lançam a esse desastre seguro, se vão os últimos vestígios de confiança dos peruanos em suas instituições. Como espectadora do drama, está uma sociedade cansada da classe política que demanda uma mudança profunda em um país que grita “Fechem o Congresso”.

Assistimos, por fim, a mais um capítulo da profunda crise política que atravessa a democracia peruana, com instituições que se mostram profundamente incapazes de dar respostas aos problemas do país. Talvez a resposta esteja nas ruas. 

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2 comentários para "Peru: as direitas se digladiam e a sociedade assiste"

  1. É chegado a hora de guerra civil sanguinolenta

  2. Precisao nas análises. Parabéns

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