Chile: a brutalidade e as cascas de banana

Campanha brutal da direita baseou-se em fake news. Para enfrentá-la, era preciso destacar conquistas como o aumento das aposentadorias e a desprivatização da água. Mas insistiu-se em conceitos ainda incompreensíveis para a maioria

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Há um mês eu estive acompanhando processos de Cultura Viva comunitária por lá e era possível perceber que a rejeição prevaleceria, infelizmente. Os fatores são diversos:

1) O plebiscito foi transformado em avaliação do desempenho do atual governo, é visível a insatisfação, sobretudo pela lentidão nas reformas e não entrega do imaginado dois anos antes. Daí, a forma de expressão foi o voto contrário à Constituição;

2) Muita manipulação e fakenews;

3) O governo foi impedido de se manifestar sobre os termos e conteúdo da Constituição, por conta do MP de lá, em mais um ativismo judicial na América Latina, manipulado por interesses do Império estadunidense. E o governo foi incapaz de se contrapor a essa ação engajada do MP;

4) Inegavelmente as forças pró-Constituição caíram na armadilha de darem enfoque a conceitos e procedimentos, ainda não plenamente compreendido pela população, e falaram pouco sobre as conquistas sociais e econômicas contidas na nova Constituição – e de interesse da maioria

Exemplos: a Previdência, no modelo da Constituição pinochetista, apenas os trabalhadores contribuem em capitalização privada, sem garantia de retorno na aposentadoria (60% dos aposentados do Chile recebem 2/3 do salário mínimo, ou menos, como aposentadoria. Na nova constituição seria adotado o sistema tripartite de previdência solidária (1/3 de contribuição para os trabalhadores, 1/3 para os empregadores, 1/3 para o Estado) elevando em no mínimo 60% o valor das aposentadorias. Praticamente não se falou disso no processo plebiscitário, o mesmo em relação à água que no Chile é totalmente privada, não havendo garantia de um mínimo de abastecimento humano; há regiões inteiras em que a única forma de abastecimento é via compra de galões e carros-pipas.

Temas como esses, assim como o fim do Senado e a descentralização administrativa, têm grande apelo, mas sumiram do debate e os defensores do Apruebo ficaram enredados na defensiva, na pauta de costumes, rebatendo fake news e firulas. Também abriram a guarda na redação ambígua de algumas questões, justas, mas que necessitavam de melhor explicação e aprofundamento, como plurinacionalidade e povos indígenas, gênero e direitos da natureza. Capítulos necessários, avançados e justos, mas que foram mal encaminhados e mal esclarecidos.

A Constituição do Equador reconhece os direitos da natureza desde 2007, sem trauma, mas na proposta chilena entrou-se e insistiu-se em conceitos e termos ainda incompreensíveis para a maioria. Houvessem redigido de maneira mais simples e menos acadêmica (como na Constituição do Equador) não teria havido tanto espaço para manipulações e fake news, o mesmo em outros itens.

Agora é reaprender com os erros e seguir lutando, até porque, no Chile, está em curso uma revolução silenciosa (trato disso no capítulo que escrevi sobre minha viagem ao país) e ela ainda vai brotar, tal qual o Desierto Florido no Atacama!

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