Bukele: a “mão de ferro” que encanta

É preciso analisar como o presidente salvadorenho estrangula a democracia, mas tem 90% de aprovação. Seu trunfo foi apresentar saídas – autoritárias – a uma aspiração real da população: segurança e paz. Com isso, torna-se novo modelo para a ultradireita

Foto: Marvin RECINOS / AFP
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Entender o fenômeno político de Nayib Bukele em El Salvador é fundamental. Apesar de ser o menor país continental da América Latina, se trata do presidente mais popular, com mais de 90% de aprovação.

Bukele é um dos muitos filhos do falecido Armando Bukele, um empresário e intelectual de ascendência palestina. Uma figura importante na comunidade muçulmana de El Salvador, Bukele pai também era um apoiador e financiador de longa data da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN), um grupo marxista que tentava derrotar a oligarquia salvadorenha por meio da luta armada. Depois de abandonar a faculdade, Nayib teve uma curta carreira como empresário, trabalhando em uma agência de publicidade familiar. Em 2012, concorreu à prefeitura de um pequeno subúrbio de Nuevo Cuscatlán, onde construiu sua marca pessoal – incluindo sua cor característica, ciano, uma diferença notável do tradicional vermelho e branco da FMLN. Em 2015 foi eleito prefeito de San Salvador. Em 2017, foi expulso da FMNL. 

Bukele se define como “nem esquerda, nem direita” e diz que a “política tem de ser técnica, e não ideológica”. Em entrevista concedida em 2012, Bukele afirma que pertence “à esquerda radical, pois quer mudanças radicais”. Para ele, tão grave quanto a desigualdade social, onde mais de 40% da população vive na pobreza, é a divisão ideológica: “Agora há uma direita e uma esquerda que discordam em como se deve administrar o Estado, e não uma luta de oprimidos e opressores, como existia antes”. Bukele concorreu às eleições nacionais de 2019 prometendo melhorar a conjuntura econômica, social e especialmente securitária do país. Sua base era composta de salvadorenhos de classe média e trabalhadora, incluindo um grande número de cristãos evangélicos e ex-eleitores da FMLN frustrados. Setores da capital salvadorenha fora da oligarquia tradicional o apoiaram, junto com os interesses representados no bloco conservador. Provou ser uma coalizão imbatível. Bukele venceu com 53% dos votos.

Em 1º de junho de 2019, Bukele assumiu o comando do país. De pronto, lançou uma grande ofensiva contra o crime organizado com o Plano de Controle Territorial, destacando forças policiais e militares para cercar as cidades e conter a atividade das quadrilhas como uma estratégia de segurança abrangente para conter a onda de criminalidade causada por gangues e outros grupos criminosos. Na ação radical de combate à criminalidade, a primeira cidade visada foi Soyapango, no leste da capital, uma das áreas mais assediadas pelo crime e por gangues. As Forças Armadas de El Salvador (FAES) e a Polícia Nacional Civil (PNC) cercaram o município com 8.500 soldados e 1.500 agentes, durante a madrugada do dia 3 de dezembro. Em março de 2022, um grupo de criminosos praticou um massacre que resultou na morte de 87 pessoas. Com tal ocorrência, Bukele conseguiu que a Assembleia Legislativa aprovasse no mesmo dia o Decreto 333, que suspendeu os direitos e garantias individuais previstos na Constituição, entre eles o direito de defesa e inviolabilidade da correspondência e a liberdade de associação e circulação. Também tornou possível o Estado interferir nas telecomunicações sem decisão judicial. O regime de exceção foi reeditado por diversas vezes e os índices de criminalidade despencaram. Segundo o presidente Bukele, em 11 de maio de 2023 completou-se o período de 1 ano sem um único homicídio. Nesse processo, Bukele se aproximou dos militares, colocando-os num rol executivo mais visível e proeminente. Em fevereiro de 2023, começou a funcionar uma mega prisão, chamada de Centro de Confinamento de Terrorismo, com capacidade de abrigar 40 mil presos. É estimado que cada cela terá um número aproximado de 100 detentos. Outra polêmica na estratégia de Bukele no combate às gangues é a prisão de adolescentes. O governo reduziu a maioridade penal de 16 anos para 12 anos, com um período máximo de prisão de 10 anos. 

Além do Plano de Controle Territorial, medidas de natureza econômica e social foram tomadas. El Salvador teve reconhecido pela Organização Mundial da Saúde o fato de ter se livrado da malária, o turismo aumentou e vem crescendo continuamente, o centro histórico, outrora tomado pelas gangues, tornou-se um lugar seguro e quase todos os dias, ao cair da tarde, dezenas de pessoas dançam cumbias e boleros. No campo externo, Bukele desenvolveu uma política de boas relações com os Estados Unidos e com a China. Com a queda da violência, a imigração diminuiu. Com a China, passou a integrar a Rota da Seda. Os chineses estão construindo um novo estádio nacional, a Biblioteca Nacional e um novo cais no Porto de La Liberdad, uma das melhores áreas da costa turística. Existem projetos para construção de um novo aeroporto de classe mundial e uma rota de trem ao largo da Costa do Pacífico.

O sucesso de Bukele mostra o fracasso dos partidos de esquerda e de direita que não conseguem canalizar as exigências dos cidadãos e carecem de ideias, esperanças e de um projeto claro para a sociedade com garantias para todos os setores sociais. O partido de Bukele venceu as eleições legislativas de fevereiro de 2021 e 2024, ganhando uma maioria absoluta no legislativo e a maior parte das prefeituras em todo o país. Críticos apontam que o plano de ação de combate ao crime e a violência suprimiu direitos fundamentais que caracterizam o Estado Democrático de Direito, resultando na prisão de pessoas meramente suspeitas de integrar alguma gangue, não garantindo o devido processo legal, levando ao encarceramento em massa, com 2% da população em presídios. Porém, as medidas autoritárias da administração de Bukele reforçam a democracia popular, ao atender um anseio real da população em resolução desta questão.

Para a esquerda liberal, é preocupante o risco da proliferação da “bukelização”. Candidatos da extrema direita na Colômbia, Equador, Argentina e Brasil vem apresentando propostas de seguir o modelo salvadorenho, sendo uma tendência de este perfil nas próximas eleições. E a esquerda permanece inerte sobre o fenômeno, acusando-a como sendo autoritária e de direita. Não se percebe que esta é uma reação natural diante de décadas com expressivos índices de violência. Mesmo que seja “mãos de ferro”, a perspectiva de viver em países seguros é uma aspiração real e verdadeira da grande maioria dos povos. É a reafirmação da soberania, perdida num estado onde o crime toma conta. As sociedades estão esgotadas pela criminalidade, pela instabilidade econômica e laboral, pelos elevados índices de corrupção e subdesenvolvimento, pela falta de oportunidades e por terem a sua voz tida em conta. 

No atual cenário regional latino-americano, o aumento das economias ilegais e do crime organizado, os altos níveis de violência e homicídios são fatores têm cada vez mais forte influência nos processos eleitorais. A expansão incontrolável do crime organizado, alimentada pela demanda por drogas dos mercados americano e europeu, continua causando estragos. Por isso, cada vez mais, a maioria popular é a favor de governos não democráticos, desde que estes resolvam os principais problemas que assolam seus países. Muitos desejam voltar ao “consenso político democrático normal”, leia-se a “democracia-neoliberal”, mas os povos querem ser protegidos do grande capital predatório e do narcotráfico, não importa qual o custo político para que seja feito. O “novo normal” político visa o restauro da coesão social e da capacidade do Estado diante da ruptura aberta pela globalização econômica-cultural. Se expressa um desejo de estabilidade, proteção, garantias, planejamento e segurança. É aí que estão os fatores de legitimidade nos nossos dias.

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