SP: assim se enfrenta a fome na pandemia

Com indisposição da Prefeitura, Comitê Emergencial encontrou na universidade e nos movimentos sociais parceiros ativos. Entre as ações, o diálogo com agricultores e doações de alimentos à população de rua e aos indígenas

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Para mapear a criação dos comitês e compartilhar as experiências em âmbito nacional, a comissão organizadora da Conferência popular organizou a oficina virtual “Fortalecimento dos Comitês Estaduais e Municipais de Emergência”, no dia 25 de junho. Participaram do evento cerca de 100 pessoas de diversas regiões do país. Mais da metade dos inscritos não estavam inseridos em comitês. Na avaliação da comissão, este é um indicativo de que há interesse em criá-lo ou se inserir em espaços que já existem. Foram apresentadas as experiências na Bahia, Rio Grande do Sul e São Paulo. Conheça a experiência do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de São Paulo (Comusan):

Por Juliana Dias

No início da pandemia, os conselheiros do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) de São Paulo se mobilizaram para criar o comitê emergencial. No dia 28 de março, já havia a recomendação para encaminhar ao governo municipal. A preocupação era garantir a SAN no contexto pandêmico, em função dos desmontes de várias políticas de saúde, assistência social e da própria SAN no município.

Além do desmonte, Vera Helena Vilella, representante do sindicato de Nutricionistas do Estado de São Paulo no Comunsan, atenta para a desarticulação entre políticas que podem assegurar o Direito Humano à Alimentação. Mas também ressalta que o poder público tomou medidas para atender a população de rua. Dentre elas, Vera cita o Projeto Rede Cozinha Cidadã, edital lançado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), que contou com apoio do comitê para construção do edital.

José Raimundo, representante da Associação de Geógrafos do Brasil e do Comunsan, destaca que o comitê de São Paulo segue a linha do comitê da Bahia ao priorizar o diálogo com movimentos sociais e universidade junto com os órgãos governamentais. A recomendação para criação do comitê elenca 19 pontos, como acesso ao alimento, produção e disponibilidade na cidade.

“Enviamos essa recomendação para todas as secretarias relacionadas à SAN e recebemos poucas respostas e nenhuma delas nos convidando para trabalhar conjuntamente”, conta Raimundo. Para ele, essa ausência deixou evidente que o Conselho deveria caminhar sem o apoio do poder público. A partir daí os conselheiros deram início a criação do comitê de crise do Comunsan em três frentes de trabalho: agricultura, populações vulneráveis e comunicação.

A frente da agricultura busca um diálogo mais direto entre os produtores do município e as instâncias estaduais. “A prefeitura de São Paulo rompeu com alguns contratos com pequenos agricultores e o impacto que isso causa é que, em alguns casos, eles perdem sua produção, pois não têm para quem vender”, alerta Raimundo.

Na linha de atuação dedicada às populações vulneráveis, promove-se ações com população em situação de rua e indígenas e doação de alimentos. O Conselho municipal de desenvolvimento rural e sustentável, que integra o comitê, articula as regiões da zona sul, zona norte e zona leste para que as populações vulneráveis, povos guaranis e populações indígenas tenham acesso a esses alimentos.

Com a frente de comunicação, o comitê busca articular as informações encaminhadas pelos conselheiros com o objetivo de ampliar os diálogos para além do conselho. Para Raimundo, esta terceira frente é uma das principais ações e pode servir de modelo para os comitês que não têm uma parceria mais próxima com o poder público.

A primeira etapa desta frente foi mapear as instituições, entidades e associações que necessitam auxílio alimentar. Cerca de 180 organizações foram mapeadas com a colaboração dos conselheiros e suas redes. A frente de comunicação tem três objetivos. O primeiro é a rede de escuta popular pelo WhatsApp, que já conta com 62 participantes. Essa estratégia ajuda a montar pedidos de doações pelas redes sociais até a divulgação de canais que estão distribuindo alimentos.

Vera Helena explica que por meio do comitê de crise, busca-se dar visibilidade para entidades e organizações que não estão conseguindo acessar os programas de auxílios emergenciais do governo para que sejam atendidos por outras organizações não governamentais que realizam esse auxílio. Por exemplo, os Bancos de Alimentos que não são da rede pública, mas que têm esse papel, redes de pessoas físicas e coletivos, como o projeto Ponta a Ponta, que identifica quem quer doar e leva para quem precisa, informa a conselheira. O comitê está articulado com o Comitê paulista da Ação da Cidadania, pois várias entidades cadastradas na rede de escuta também estão inseridas nesse movimento.

O segundo objetivo da frente de comunicação foi criar um Mapa de Ações e Vulnerabilidade (MAV) para divulgar os pedidos de auxílio alimentar.  “A ideia desse mapa é distribuir também para sociedade civil, numa tentativa de falar ‘Se você não sabe para quem doar aqui tem um mapa com instituições cadastradas. Procure a que está mais próxima e entre em contato com ela’. O cruzamento dessas informações pode ser uma importante ferramenta para o poder público”, sugere Raimundo. O MAV também inclui os equipamentos de segurança alimentar, de abastecimento, de assistência social pública.

“Esse mapa surgiu porque a nossa preocupação era identificar as regiões de maior vulnerabilidade. Sabemos que o município teria esses dados, mas queríamos poder ter isso. Nós tivemos uma contribuição de uma conselheira do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e de alguns trabalhadores do poder público, que atuam no Observa Sampa, uma organização que traz todas essas informações”, completa Vera.

O Comunsan tem conselheiros do movimento urbano de agroecologia e de vários outros movimentos e que atuam nas periferias e favelas. Com essas articulações, é possível atender essas entidades que não conseguem se cadastrar no banco municipal de alimentos.

O terceiro objetivo da estratégia de comunicação é enviar ofícios para as secretarias do município ou diretamente para prefeitura. “Dessa forma, tentamos pressionar e dizer para o poder público que essas associações estão declarando para o Consea e denunciando, de alguma forma, que o seu Direito Humano à Alimentação Adequada não está sendo garantido. Assim, nós oficializamos o pedido delas por auxílio alimentar”, afirma Raimundo.

Luta por acesso universal ao PNAE

A Alimentação Escolar também está em pauta no comitê de crise de São Paulo. Vera conta que o desafio é articular o Conselho de Alimentação Escolar (CAE), a Comissão gestora da recepção de alimentos orgânicos na AE, o FNDE e o Ministério Público Federal para que o município utilize a verba do PNAE. “O município está usando outras verbas que são próprias e que chegam do estado para o cartão alimentação porque as verbas do PNAE não podem ser usadas para cartão alimentação. A verba do PNAE serve para compra da agricultura familiar e para garantir essa política que é tão virtuosa. Nesse sentido seguimos fazendo um trabalho conjunto”, defende.

Vera também relata a demora do cartão-alimentação para os estudantes matriculados na rede pública municipal de ensino. O Comunsan junto com CAE e a Comissão Gestora elaboraram documentos e fizeram tentativas de conversas com a Secretaria municipal de Educação, mas não obtiveram retorno. Em junho, o cartão foi ampliado de 20% para 70% dos alunos da rede, mas a luta, nas palavras de Vera, é que este atendimento seja universal. O valor do cartão é de acordo com a faixa-etária. As crianças de creche recebem R$ 101 reais; da Educação Infantil, com idade até 6 anos, o valor é R$ 63 reais; e os alunos do Ensino Fundamental, recebem R$ 55 cada. No estado, o valor para os estudantes do Ensino Médio é de $ 55 reais, mas também não é universal.

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