Bancos comunitários, o “chão contra o cifrão”

Em mapa, as instituições não-predatórias que brotam nas periferias do Brasil. São 148 iniciativas — 75% implementadas via políticas públicas. Além de crédito à população local, agora miram as moedas digitais e parcerias com prefeituras

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Por Carolina Gabriel de Paula Pupo, Henrique Pavan e Luiz Arthur Silva de Faria, na coluna Outras Cartografias

Em artigo publicado na Folha de São Paulo no final da década de 1990, Milton Santos nos apontava que as crises e tremores estabelecidas pelas finanças são capazes de criar consciência dos problemas locais e nacionais.

Neste contexto, os bancos comunitários, organizações locais com base solidária, acolhem as demandas dos lugares, fomentando ações próprias – financeiras e não-financeiras – voltadas para atender as necessidades dos lugares onde estão estabelecidos. Primordialmente, estes bancos estão localizados em áreas onde predomina uma população de baixa renda, pouco assistidas pelo poder público (seja em termos de infraestruturas ou de serviços urbanos), situação geográfica “comprovada” também pelos médios e baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) que apresentam.

Ainda que tenham cerca de duas décadas de existência, os bancos comunitários vêm nos últimos anos ganhando capilaridade no território brasileiro, que conta atualmente com 148 iniciativas presentes em 25 unidades federativas, nas cinco regiões brasileiras conforme a classificação do IBGE. O primeiro banco comunitário – o Banco Palmas – foi fundado no Conjunto Palmeiras, na periferia de Fortaleza, e completará 24 anos em 2022. Apresentamos a distribuição dos bancos comunitários no Brasil no mapa.

É importante sublinhar que essas organizações locais só ganham alcance territorial maior no Brasil a partir do momento em que são reconhecidos formalmente, e “institucionalizados” como parte de políticas públicas específicas, implementadas através da Secretaria de Economia Solidária (SENAES) – criada no governo do Partido dos Trabalhadores (PT) no ano de 2003. Das 148 iniciativas de bancos comunitários, aproximadamente 75% foram implementadas via política pública federal. Neste contexto, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a total falta de suporte financeiro e organizacional, por meio da SENAES, é seguramente sentida pelos bancos comunitários locais. 

É importante sublinhar que as atividades dos bancos comunitários locais ocorrem por meio da autogestão, cooperação e relações de solidariedade. Do ponto de vista do atendimento das necessidades financeiras dos lugares, sua atenção se desdobra no fornecimento de linhas de créditos onde há emissão de moedas locais (lastreadas em reais) que são emprestadas a juros zero para atender as necessidades primárias como alimentos e fármacos (crédito de consumo) e fornecimento de microcrédito para a produção de pequenos produtores e comerciantes locais a juros abaixo daqueles praticados no mercado (variando de 1% a 3% a.m.). Os bancos comunitários participam ativamente das atividades dos bairros em que estão, seja através do empoderamento de mulheres ou até mesmo por meio de simples ações como distribuição de álcool em gel e produtos de primeiras necessidades durante o período mais crítico da pandemia de covid-19.

Atualmente, a Rede Brasileira de Bancos Comunitários (RBBC) busca a autossustentabilidade financeira através da plataforma digital (E-dinheiro) e de parcerias com prefeituras. As operações realizadas na plataforma E-dinheiro geram pequenas taxas que alimentam os fundos comunitários de bancos comunitários que aderiram ao uso da plataforma, denominados de “bancos comunitários digitais”. Isso foi possível através de uma norma legal (Lei 12.865/2013) que propõe que “instituições de pagamentos” passem a integrar o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), regularizando o uso da moeda eletrônica, que tenha como função permitir o usuário final de efetuar uma transação de pagamento.

Qualquer pessoa física interessada em contribuir com os fundos comunitários desses bancos locais pode se cadastrar na plataforma E-dinheiro – que pode ser utilizado em praticamente qualquer aparelho celular – e realizar pagamentos em comércios cadastrados nos bancos comunitários e/ou fazer uso dos demais serviços, como recarga de celular e pagamento de boletos. Os comércios cadastrados pagam uma pequena taxa, onde parte se destinará para o banco comunitário onde o comércio tem cadastro e a outra metade para as despesas de manutenção da plataforma.  

Com este movimento, o fluxo financeiro fica retido nas economias locais. Tal arranjo “tecno-jurídico” parece ter contribuído com a recente estratégia da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, de que a plataforma seja vislumbrada por prefeituras como um meio de pagamento para bolsas-auxílio e programas de renda básica, o que traz novas conexões e desafios. Entre as inquietações, coloca-se a possível apropriação de políticas de inclusão financeira por governos locais e empresas. Se por um lado as políticas de renda básica podem propiciar efeitos virtuosos em diversas esferas da vida econômica e social, de outro, os bancos “comunitários” municipais concebidos e geridos por atores não envolvidos na comunidade, podem construir uma dinâmica que ignora as necessidades dos pequenos comerciantes locais e solapa pilares das finanças solidárias, respaldadas no desenvolvimento local.

Assim sendo, trazemos à baila a necessidade de diálogo dos bancos comunitários locais já existentes com os novos bancos “comunitários” municipais, que estão sendo implementados, como é o caso do banco comunitário local do Preventório e o banco municipal Araribóia, ambos no município de Niterói (RJ).

Parece que estamos diante do “chão contra o cifrão”, referência do mesmo artigo de Milton Santos que citamos no início deste pequeno ensaio, pois novas possibilidades financeiras estão cotidianamente se (re)construindo nos territórios e impulsionando força aos lugares. 

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