Trump: o Estado sob a (in)cultura dos CEOs

O lucro convertido em valor supremo. Instituições, direitos sociais e natureza vistos como estorvos. Servidores demitidos em massa. Como o presidente impõe sua lógica corporativa e é copiado em outras partes do mundo. Por que não dará certo

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Por Michael Roberts, no blog A próxima recessão | Tradução: Antonio Martins

Trump vê os Estados Unidos como uma grande corporação capitalista da qual ele é o diretor executivo. Assim como fez quando era o chefe no programa de TV O Aprendiz, ele acha que está administrando um negócio e, portanto, pode contratar e demitir pessoas conforme sua vontade. Tem um conselho de diretores que o aconselha e/ou executa suas ordens (os oligarcas americanos e ex-apresentadores de TV). Mas as instituições do Estado são um obstáculo. Por isso, o Congresso, os tribunais, os governos estaduais etc. devem ser ignorados e/ou instruídos a cumprir as ordens do executivo-chefe.

Como um bom (sic) capitalista, Trump quer libertar a empresa norte-americana de qualquer restrição à geração de lucros. Para Trump, a corporação e seus acionistas têm como único objetivo os lucros, não as necessidades da sociedade em geral, nem salários mais altos para os funcionários da corporação. Isso significa o fim dos gastos “desperdiçados” com a mitigação do aquecimento global e a prevenção de danos ao meio ambiente. A corporação dos EUA deve apenas gerar mais lucros e não se preocupar com essas “externalidades”.

Como o agente imobiliário que é, Trump acha que a maneira de aumentar os lucros de sua corporação é fechar acordos para assumir o controle de outras corporações ou estabelecer pactos sobre preços e custos para garantir lucros máximos para sua empresa. Como qualquer grande corporação, Trump não quer que concorrentes ganhem participação de mercado às suas custas. Por isso, ele quer aumentar os custos para corporações nacionais rivais, como Europa, Canadá e China. Ele está fazendo isso ao aumentar as tarifas sobre as exportações deles. Também está tentando fazer com que outras corporações menos poderosas aceitem termos para comprar mais bens e serviços das corporações dos EUA (empresas de saúde, alimentos transgênicos etc.) em acordos comerciais (por exemplo, com o Reino Unido). E pretende aumentar os investimentos da corporação EUA em setores lucrativos, como produção de combustíveis fósseis (Alasca, fracionamento de rochas, perfuração), tecnologia proprietária (Nvidia, IA) e, acima de tudo, em imóveis (Groenlândia, Panamá, Canadá, Gaza).

Qualquer corporação quer pagar menos impostos sobre sua renda e lucros, e Trump pretende garantir isso para sua corporação EUA. Ele e seu “conselheiro” Musk estão destruindo como tratores departamentos do governo, seus funcionários e qualquer gasto com serviços públicos (até mesmo defesa) para “economizar dinheiro”, de modo que Trump possa cortar custos, ou seja, reduzir impostos sobre lucros corporativos e sobre indivíduos super-ricos e executivos bem pagos que estão no conselho de sua corporação EUA e cumprem suas ordens executivas.

Mas não são apenas os impostos e os custos do governo que precisam ser desmontados. A corporação EUA deve ser libertada de regulamentações “insignificantes” sobre atividades empresariais, como: regras de segurança e condições de trabalho na produção; leis anticorrupção e leis contra práticas comerciais desleais; proteção ao consumidor contra fraudes e roubos; e controles sobre especulação financeira e ativos perigosos como bitcoin e criptomoedas. Não deve haver restrições para a corporação EUA fazer, sob Trump, o que quiser. A desregulamentação é a chave para Make America Great Again (MAGA).

Trump ordenou que o Departamento de Justiça suspendesse por 180 dias todas as aplicações da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (uma legislação contra suborno e más práticas contábeis destinada a manter a integridade nas transações comerciais). O presidente pretende eliminar dez regulamentações para cada nova regulamentação emitida, a fim de “liberar a prosperidade por meio da desregulamentação”. Ele demitiu o chefe do Escritório de Proteção Financeira do Consumidor [Consumer Financial Protection Bureau (CFPB)] e ordenou que todos os funcionários “cessassem todas as atividades de supervisão e investigação”. O CFPB foi criado após a crise financeira de 2007-08 e tem a tarefa de elaborar e aplicar regras para empresas de serviços financeiros e bancos, priorizando a proteção ao consumidor nas práticas de empréstimo.

Trump quer mais tokens especulativos, mais projetos de criptomoedas (como os lançados por seus filhos) e começou sua própria memecoin. Mudanças recentemente propostas nas diretrizes contábeis tornariam muito mais fácil para bancos e gestores de ativos deterem tokens de criptomoedas — uma jogada que aproxima esse ativo altamente volátil do coração do sistema financeiro.
No entanto, faz apenas dois anos que os EUA estiveram à beira de uma série de falências bancárias tão graves quanto as da tempestade financeira de 2008. Um grupo de bancos regionais, alguns do tamanho dos maiores bancos credores da Europa, enfrentou dificuldades – incluindo o Silicon Valley Bank (SVB), cujo colapso quase desencadeou uma crise geral. A queda do SVB teve várias causas imediatas. Suas participações em títulos estavam perdendo valor à medida que as taxas de juros dos EUA subiam. Com apenas alguns toques em um aplicativo, a base clientes do banco, especialmente interconectada, sacou depósitos em um ritmo insustentável, deixando multimilionários clamando por assistência federal. Essa desregulamentação é “um grande erro e perigosa”, disse Ken Wilcox, que foi CEO do SVB por uma década até 2011. “Sem bons reguladores bancários, os bancos vão correr soltos”, disse ele à publicação irmã do Financial Times, The Banker.

O mantra de desregulamentação de Trump para sua corporação EUA agora ecoa pelos Estados corporativos da União Europeia e do Reino Unido. Ambos já abandonaram os novos requisitos internacionais de capital para bancos sob as normas Basileia III, seguindo o exemplo dos EUA. O ex-chefe do BCE e banqueiro do Goldman Sachs, Mario Draghi, agora clama pelo fim das regulamentações impostas pelos Estados-membros da UE, que, segundo ele, “são muito mais prejudiciais ao crescimento do que qualquer tarifa que os EUA possam impor — e seus efeitos nocivos estão aumentando com o tempo. A UE permitiu que a regulamentação seguisse a parte mais inovadora dos serviços — o digital —, dificultando o crescimento das empresas de tecnologia europeias e impedindo a economia de alcançar grandes ganhos de produtividade.”

No Reino Unido, a ministra das finanças Rachel Reeves pediu que os reguladores financeiros “derrubem barreiras regulatórias” que supostamente impedem o crescimento econômico, sugerindo que a regulamentação pós-crise financeira “foi longe demais”. A presidente do órgão regulador do comércio do Reino Unido, a Agência de Mercados e Competição [Competition and Markets Authority], foi substituída pelo ex-chefe da Amazon no Reino Unido! O chefe da entidade que funciona ombudsman financeiro do Reino Unido também renunciou recentemente, devido a conflitos com a abordagem pró-negócios do governo. Reeves quer uma auditoria completa dos cerca de 130 reguladores da Grã-Bretanha para verificar se alguns devem ser extintos. Ela disse a banqueiros seniores que “por muito tempo, regulamos para o risco em vez do crescimento, e é por isso que estamos trabalhando com reguladores para entender como a reforma em todas as áreas pode impulsionar o crescimento econômico”. Isso significa que desregulamentar e assumir grandes riscos são a ordem do dia.

Agora, o Green Deal da União Europeia, políticas supostamente destinadas a descarbonizar a economia, está sendo diluído para competir com a corporação EUA de Trump. A comissária da UE responsável, Ribera, já “adiou” uma lei contra o desmatamento por um ano. Ela quer reduzir o número de pequenas e médias empresas afetadas pelas regulamentações ambientais existentes e diminuir os requisitos de relatórios, economizando aparentemente 20% do custo da regulamentação. Bruxelas estimou o custo de cumprir as regras da UE em € 150 bilhões por ano, um valor que deseja reduzir em € 37,5 bilhões até 2029. “O que precisamos evitar é usar a palavra simplificação para significar desregulamentação”, disse Ribera. “Acho que a simplificação pode ser muito justa… para ver como podemos facilitar as coisas.” Mas, como Heather Grabbe, pesquisadora sênior do think-tank econômico Bruegel diz, essas mudanças propostas “parecem ir muito além da simplificação, que tornaria os relatórios mais fáceis, e parecem estar se afastando da transparência, que é o que os investidores têm pedido”.

Quanto ao controle da produção de combustíveis fósseis, esqueça. Karen McKee, chefe de soluções de produtos da gigante de petróleo e gás ExxonMobil, disse ao Financial Times que os investimentos futuros na Europa dependerão da clareza regulatória de Bruxelas. “O que realmente estamos procurando agora é ação” — e que Bruxelas reduza suas regulamentações “bem-intencionadas” e permita que a indústria inove, disse ela. “A competitividade é o foco agora porque estamos simplesmente em uma crise. Estamos alcançando a descarbonização na Europa por meio da desindustrialização”, reclamou McKee. Aparentemente, a falha do capital europeu em investir e crescer deve-se inteiramente às regulamentações sobre a produção de combustíveis fósseis e ao impedimento das corporações de competir…

Parece que todos os governos ocidentais estão engolindo a estratégia de Trump para sua corporação EUA. Você pode maximizar os lucros se remover todas as restrições e fizer acordos. O que Trump, a UE e o Reino Unido ignoram é que a desregulamentação nunca trouxe crescimento econômico e prosperidade ampliada. Pelo contrário, apenas aumentou o risco de caos e colapso. E isso significa que, ao final, prejudica a lucratividade.

Precisamos lembrar da posição ridícula adotada pelo governo trabalhista britânico antes da crise financeira global no início dos anos 2000, ao adotar o que chamou de “regulamentação leve” dos bancos. Ed Balls, então ministro da City [o centro financeiro de Londres] (e agora apresentador de talk show), disse, em seu primeiro discurso: “O sucesso de Londres tem sido baseado em três grandes forças: habilidades, expertise e flexibilidade da força de trabalho; um compromisso claro com mercados globais, abertos e competitivos; e uma regulamentação leve baseada em princípios.” O então ministro das Finanças e futuro primeiro-ministro, Gordon Brown, disse aos banqueiros: “Hoje, nosso sistema de regulamentação leve e baseada em risco é frequentemente citado — ao lado do internacionalismo da City e das habilidades de quem trabalha aqui — como uma de nossas principais atrações. Ele nos proporcionou uma enorme vantagem competitiva e é considerado o melhor do mundo.” O que aconteceu depois e onde está a Grã-Bretanha agora?

Rachel Reeves não aprendeu nada com a crise de 2008. Em seu primeiro discurso na Mansion House como nova ministra das Finanças, em novembro passado, ela ecoou o apelo à desregulamentação. Mas, como Mariana Mazzucato apontou, de acordo com a OCDE, o Reino Unido ocupa o segundo lugar como o país menos regulamentado em relação a produtos financeiros, e o quarto menos regulamentado em emprego. E o Banco Mundial continua a classificar o Reino Unido como um dos países mais “avançados” em termos de “facilidade para fazer negócios”.

Mas agora parece que, para competir com a corporação EUA de Trump, a Europa e o Reino Unido não só devem se engajar em uma “corrida para o fundo” em termos de impostos (Reeves se recusa a financiar serviços públicos com um imposto sobre a riqueza ou sobre lucros corporativos — pelo contrário, ela quer cortar este último), mas também devem se engajar em uma espiral descendente em desregulamentação. Até os economistas do Banco da Inglaterra estão preocupados com a “desregulamentação competitiva”, pois isso inevitavelmente aumentaria o risco de um colapso financeiro.

Qualquer um que tenha lido este blog ao longo dos anos sabe: penso que a regulamentação sobre empresas capitalistas não funciona, como provado pela crise financeira global de 2008, o colapso dos bancos regionais dos EUA em 2023 e muitos outros exemplos em finanças, negócios e serviços. Não pode haver uma regulamentação realmente eficaz sem propriedade pública controlada por organizações de trabalhadores democráticas. A desregulamentação pode não aumentar o risco de colapsos financeiros, ou de mais acidentes industriais, fraudes ao consumidor ou mais corrupção — isso já acontece de qualquer maneira. Mas certamente não trará mais crescimento econômico, melhores padrões de vida e serviços públicos.

De fato, é por isso que a estratégia corporativa de Trump está fadada ao fracasso. O aumento das tarifas sobre outras corporações pode dar à corporação EUA do presidente uma vantagem temporária de preço, mas isso logo será corroído pelos custos mais altos de produtos e serviços fornecidos por corporações nacionais rivais que a empresa de Trump ainda precisa e deve comprar. O risco é a aceleração da inflação. E isso não será bem recebido pelos funcionários da corporação. Além disso, fechar acordos comerciais e imobiliários ou cortar impostos sobre lucros nunca levou a aumentos significativos no crescimento econômico. Tudo isso depende de investimentos em setores produtivos. A maior parte dos cortes de impostos provavelmente acabará em especulação financeira por corporações e pelos super-ricos.

Se uma estratégia corporativa fracassa, o executivo-chefe normalmente tem que assumir a responsabilidade, e os diretores e acionistas da corporação podem se voltar contra ele. E se a corporação não puder oferecer salários e condições melhores para seus trabalhadores, mas apenas inflação mais alta e serviços públicos em colapso, isso pode levar a sérios problemas dentro da corporação. Fique de olho.

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