Um nefasto corte e a resistência pelos R$600

Governo reduziu pela metade valor do Auxílio Emergencial. Alega falta de recursos, mas gasta bilhões no pagamento de juros da dívida e no socorro aos bancos. Oposição e movimento sociais lançam campanha: “queremos o valor integral”

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A disputa política em torno da continuidade do programa que estabelece o pagamento do Auxílio Emergencial reflete de forma bastante cristalina quais são as verdadeiras prioridades desse governo e das forças que o sustentam no poder.

Como todos devem se lembrar, quando tiveram início as primeiras manifestações dos efeitos perversos da pandemia do coronavírus, a equipe de Paulo Guedes se viu obrigada a enviar alguma sinalização para a sociedade a esse respeito. No entanto, dado o perfil político-ideológico do superministro, a proposta da sua equipe poderia ser considerada uma ofensa à grande maioria da população.

Ao longo do mês de março, Guedes acenava com a possibilidade de um apoio financeiro de R$ 200 para suprir as necessidades das famílias que começavam a sentir os efeitos iniciais da crise da covid-19. A gravidade da situação que se apresentava, porém, fez com que a oposição conseguisse encontrar espaço para triplicar tal valor durante as negociações da matéria no Congresso Nacional. Assim, a Câmara dos Deputados aprovou em 26 de março e o Senado Federal referendou no dia 30 do mesmo mês um auxílio no valor de R$ 600 válido por 3 meses, inicialmente. A partir dessa vitória, o período entre abril e junho estava assegurado para os que mais necessitavam.

Guedes queria apenas R$200

Assim, a Lei nº 13.982 estabeleceu as condições para o cumprimento de tal determinação e ofereceu ainda ao Executivo a possibilidade de prorrogação do referido benefício pelo mesmo período inicial. Mas a pressão de Guedes, por um rigor fiscal a qualquer custo, fez com que Bolsonaro se utilizasse apenas parcialmente dessa possibilidade e o governo estendeu o auxílio somente por mais 60 dias, incluindo julho e agosto.

Com o risco de se criar um vazio jurídico a partir de setembro, o Palácio do Planalto editou a Medida Provisória (MP) n° 1.000, em 2 de setembro. O problema é que a proposta reduziu em 50% o valor do auxílio e limitou a validade a dezembro desse ano. Ora, é absolutamente indecente apresentar um valor de R$ 300, quando as pessoas e as famílias vinham recebendo R$ 600 desde abril. Talvez isso pressuponha que a vida tenha melhorado e que a atividade econômica tenha retomado o ritmo anterior. Todos sabemos que a realidade é bem diferente, ao contrário das intenções maldosas de Guedes e das mentiras deslavadas de Bolsonaro.

O argumento de sempre é o mantra repetido à exaustão do “não temos recursos”. As ações cotidianas do Ministério da Economia evidenciam que isso não é verdade. Os recursos existem, sempre e quando se trata de cumprir com obrigações de ramos e setores vinculados ao povo do financismo ou das elites apoiadores do governo. Lembremo-nos todos que, às vésperas justamente da aprovação do auxílio emergencial aqui mencionado, o governo autorizou a liberação imediata de R$ 1,2 trilhão para os bancos reduzirem seus riscos ao longo da pandemia que se aproximava no horizonte. Já a primeira parcela da “fortuna” de R$ 600 demorou meses para ser completamente liberada aos mais necessitados, pois não haveria dinheiro disponível no caixa da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Uma loucura!

De acordo com os cálculos do governo, o pagamento dessas novas 4 parcelas de R$ 300 do Auxílio Emergencial custarão o equivalente a R$ 67 bilhões aos cofres públicos. Se tal informação for correta, a manutenção do valor de R$ 600 até dezembro provocaria um gasto total à STN de R$ 134 bi. Ora, apenas durante o primeiro quadrimestre do presente ano, o governo dispendeu um pouco mais de R$ 143 bi a título de pagamento de juros da dívida pública. É óbvio que o dinheiro existe! O ponto a ser questionado e desnudado são as prioridades reconhecidas enquanto tal por Paulo Guedes e por sua equipe de tecnocratas orientados pela lógica e pelos interesses do financismo privado.

Se o argumento não convencer, basta então dar uma espiada nas contas da tesouraria do governo junto ao Banco Central. As últimas Demonstrações de Resultados disponíveis são relativas ao primeiro semestre. Pois ali pode-se comprovar que a Conta Única do Tesouro Nacional apresentava em 30 de junho um saldo positivo de quase R$ 1 trilhão – exatamente R$ 997 bi. Esses são valores justamente disponíveis para o governo utilizar em suas operações quando for necessário. Para tanto, basta a vontade política de considerar um determinado gasto como prioritário em sua agenda.

Não bastasse mais essa evidência, vale recordar que as transferências orçamentárias para a população de baixa renda apresenta uma particularidade. Tendo em vista a natureza extremamente regressiva de nosso sistema tributário, as camadas da base de nossa pirâmide da injustiça da distribuição de renda pagam proporcionalmente muito mais impostos do que as elites do topo. Isso significa que por volta de 40% desse total do Auxílio Emergencial terminam por retornar aos cofres públicos, pois nossa tributação é bastante orientada para a produção e para o consumo. Assim, o que o governo gasta por um lado, ele termina por recolher quase que instantaneamente por outro. E isso sem considerar o importantíssimo efeito multiplicador positivo desse tipo de despesa sobre a dinamização da atividade econômica de forma geral.

#600ateofim

Essa é a razão pela qual os partidos da oposição, o movimento sindical e as demais instituições democráticas e progressistas lançaram a palavra de ordem “R$ 600 até o fim!”. A ideia é que pressionar o Congresso Nacional a alterar a MP 1.000, restabelecendo o valor anterior e não limitando a sua vigência apenas a dezembro próximo. Afinal, é mais do que evidente que a pandemia vai continuar após a virada do ano civil. Assim, é fundamental que a medida fique atrelada à vigência da crise sanitária. O auxílio só deve ser extinta com o fim da pandemia. Os parlamentares certamente sentirão peso de sua popularidade em razão da proximidade das eleições municipais no final do ano. Os eleitores estão de olho vivo em seu posicionamento.

A divulgação dos índices do IBGE a respeito do PIB do primeiro semestre refletem a importância do auxílio emergencial para a dinâmica da economia. O segundo trimestre evidenciou uma recessão de – 9,7% em relação ao trimestre anterior. Esse número desolador seria ainda mais agudo caso a população não tivesse tido acesso aos benefícios. Ou seja, para além da característica de minorar os efeitos trágicos da crise junto aos mais pobres, a medida atenua também os efeitos meramente “econômicos” da recessão.

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