Quem rotula quem, no mundo da alimentação-mercadoria?

Enquanto a sociedade começa a reagir à aplicação das novas regras para a rotulagem, departamentos de marketing da indústria alimentícia seguem monitorando cada compra que fazemos – e nos encaixando em infindáveis rótulos para nos explorar como consumidores

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Há alguns meses, as embalagens de produtos alimentícios industrializados começaram a trazer um novo ícone em seus rótulos. Após muitos anos de um debate acalorado (para não dizer que se tratou de um verdadeiro cabo de guerra), organizações sociais e corporações atuantes no setor da alimentação estão, agora, acompanhando o processo de implementação do que é chamado de Rotulagem Nutricional Frontal. Como previsto na nova norma, a figura de uma lupa, estampada de forma inquestionavelmente visível na parte da frente das embalagens, passou a avisar os consumidores que determinado produto tem alta concentração de açúcar adicionado, sódio e/ou gordura saturada.

Embora existam prazos mais longos para que algumas categorias de alimentos embalados tragam as adaptações requeridas, os efeitos gerados por essa medida no comportamento da população já começaram a ser investigados. Os dados indicam mudanças na forma com que as pessoas se relacionam com produtos classificados como ricos nesses elementos – o que significa que houve o entendimento de que são prejudiciais à saúde. Fica evidente, mais uma vez, como as imagens e as frases usadas para compor rótulos têm poder sobre os mecanismos racionais e emocionais que levam à escolha do que compramos e ingerimos, algo que qualquer aluno de publicidade já está careca de saber.

Se você quiser ter uma ideia das transformações esperadas com a entrada da lupa em cena e quais as outras estratégias que poderiam ser associadas a ela, sugiro assistir ao vídeo da série “Pergunte a um pesquisador” do Nexo Políticas Públicas, com a professora doutora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) Ana Paula Bortoletto. Para entender a história dessa construção e aprofundar as questões que ainda estão em curso nesse processo, vale a pena acompanhar o debate “O primeiro ano de implementação da nova norma de rotulagem nutricional de alimentos”, coordenado pelo Instituto Brasileiro dos Direitos do Consumidor (IDEC).

Mesmo reconhecendo que a adoção do novo modelo de rotulagem foi uma conquista de peso para a nossa sociedade, ele ainda está longe do sistema que seria necessário estabelecer para que tenhamos acesso pleno às informações sobre o que consumimos. É por isso que as entidades que atuam para promover a regulação da indústria do setor e proteger a população de seus abusos, como o próprio IDEC e a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável propõem outras alterações nos rótulos, fazendo com que o sistema seja mais eficiente em alertar o público para que evite comprar o que não faz bem. Só que enfrentar a força trilionária da indústria alimentícia não é sopa, e triturar os pedregulhos que ela nos enfia boca adentro, através de seus advogados, lobistas e publicitários, exige muita resiliência.

Daria para discutirmos aqui muitos aspectos que precisam ser levados em conta na construção de uma norma realmente eficaz em desestimular a produção e o consumo de alimentos que não são saudáveis. Recomendo que naveguem nos sites das organizações que eu mencionei acima, para colherem mais informações. Entretanto, neste momento, eu gostaria de deslocar nosso olhar para um outro aspecto do processo de estabelecimento de classificações em nosso cotidiano – o que se refere às próprias pessoas. De fato, é perceptível que existe uma capacidade crescente por parte do setor empresarial de definir “rótulos” para produtos bem diferentes do que os feitos em suas linhas de fabricação: nós.

Sabemos que, com a entrada em cena de tecnologias que embaralham mundo real e mundo virtual e de mecanismos que potencializam o monitoramento e a manipulação de dados sobre o que fazemos, nós humanos passamos a ser tratados como mercadorias – e já somos, como estas, negociados no varejo e no atacado pelas Big Tech e departamentos publicitários de corporações de setores dos mais diversos, internacionalmente.

Esse fenômeno é parte do que o filósofo Pierre Lévy definiu como o reinado dos Estados-Plataforma. Segundo ele, “muitas funções sociais e políticas, que são funções tradicionais dos Estados-nação, estão passando para essas companhias”. O modo como essas gigantes tecnológicas vêm burlando – ou mesmo redefinindo as regras nos territórios em que penetram – tem permitido a coleta massiva de informações sobre seus povos e a criação de uma espécie de poder paralelo, que não está sujeito às formas de regulação mais comuns. Rompendo a noção de fronteira, elas operam em circuitos virtuais transnacionais que parecem intangíveis, mas produzem impactos bastante reais na vida dos habitantes de cada localidade, inclusive no resultado das eleições de seus representantes públicos. Um exemplo atual dessa disputa de poder entre elas e os Estados-nação é a queda de braços que temos testemunhado entre o X, antigo Twitter, e o STF – Supremo Tribunal Federal – aqui no Brasil. Não vou entrar nesse vespeiro, mas você pode ler uma análise interessante no artigo ‘Elon Musk e a extrema direita S.A.’, escrito por Glauco Faria no Outras Palavras.

O fato é que nos deixamos monitorar em um nível tão inacreditável, que há quem diga que as Big Tech conhecem você melhor do que você mesmo. Em certos aspectos, pode até ser verdade.

Cada um/uma na sua caixinha

Se você fosse definir um perfil para você, em relação aos seus hábitos alimentares, como ele seria? Formigona, petisqueiro, musa fitness, carnívoro inveterado, apreciador de comfort food, chegada em novidades, flexitariano… Realmente, categorias não faltam e, hoje em dia, até mesmo dentro delas há divisões e subdivisões ad infinitum. Vivemos a dicotomia de sermos objeto de um processo de extrema massificação, ao mesmo tempo em que alimentamos a ilusão de ter acesso às exclusividades que um pesado sistema tecno-marqueteiro nos promete a cada instante. Seja quem você for, pode ter certeza de que os Estados-Plataforma têm uma caixinha para o (ou a) enfiar e, é claro, tentar moldar seu comportamento para atender interesses nada louváveis, sejam políticos ou econômicos; esferas sempre – e cada vez mais – difíceis de separar.

Eu me considero um tanto quanto fora do padrão no mundo da comida, já que quase não compro produtos industrializados e, dia sim e dia também, cozinho do zero (ou seja, a partir de alimentos in natura) praticamente tudo o que como. Inclusive, procuro boicotar todas as redes de delivery de comida pronta, já que, além de “traficarem” verdadeiras bombas comestíveis de implosão da saúde, ainda submetem entregadores e cozinheirxs a condições de trabalho inaceitáveis, como já descrevi em artigo anterior, também publicado no Outras Palavras. Mas não é por isso que deixo de entrar em algum tipo de classificação feita pelas redes marqueteiras, sempre ávidas em encontrar nichos de mercado para escoar suas mercadorias. Ofertas direcionadas já são o beabá nas compras online e, mesmo nas compras ao vivo, descontos personalizados são oferecidos em programas de fidelidade de lojas das mais variadas marcas.

Em geral, recebo propaganda de produtos natureba e vegetarianos, orgânicos ou não. Mas, incrivelmente, também aparecem, para mim, anúncios de guloseimas totalmente artificiais e não saudáveis, das quais passo longe. Será que ainda esperam que nós, representantes do público teimoso em evitar o que faz mal, percamos o tino e gastemos nosso suado dinheirinho com as tais tentações irresistíveis que abarrotam, despudoradamente, nossos espaços físicos e virtuais? Ou será apenas para demarcar território e dar um recado do tipo: “estamos aqui e dominamos o mundo, não adianta nos ignorar nem lutar contra nós porque você é só uma ridícula gotinha insossa de água, em meio ao nosso monumental oceano de delícias”?

De fato, acho que os peixes grandes da indústria de guloseimas não apenas não desistem nunca de viciar nossos paladares, como estão sempre zelando para que reconheçamos o domínio que exercem em escala global, desmotivando reações contrárias frente a tão opulento poder. Impossível ignorar que a meia dúzia de corporações alimentícias que controla a maior parte dos mercados planetários é mesmo onipresente e, cada vez mais, tenta se tornar onisciente, ao monitorar não apenas o que compramos e ingerimos, mas, também, o que desejamos comer e beber.

Se as pesquisas de aceitação de novos produtos alimentícios já são velhas de guerra no universo da marquetagem, e o uso de laboratórios científicos para avaliar as respostas fisio e neurológicas das pessoas em relação aos sabores, aromas, texturas, cores, etc já não é nenhuma novidade, agora é possível potencializar inimaginavelmente esses recursos com a chegada da tal Inteligência Artificial Generativa.

Sendo assim, não se assuste se, uma hora dessas, aparecer na linha do tempo de uma das suas redes sociais um anúncio de um produto que você mesmo nem tinha percebido que era exatamente o que desejava. Adivinhos virtuais parecem despontar no horizonte e as relações entre seres humanos e máquinas seguem em mutação, enchendo os bolsos de alguns e tirando o sono de muita gente.

Por falar em adivinhos, entre os CEOs do circuito de delivery de fast food, há quem diga que todas as pessoas vão deixar de cozinhar em casa daqui há alguns anos. Escrevi sobre essa polêmica no artigo Cozinhar ou não cozinhar: eis a questão?!, no site da Mídia Ninja.

In-fidelidade

Já que mencionamos a onipresença dos anúncios, que tal um desconto na sua próxima compra? É só você participar do clube de benefícios do supermercado A ou da farmácia B, que receberá ofertas exclusivas e cupons que dão direito a um “cashback” – ou seja, um crédito equivalente a determinada porcentagem do que você gastou com seu pedido atual. Parece irresistível, não é?

E seria mesmo uma grande vantagem, se o valor que supostamente “devolvem” para você não estivesse absolutamente computado no sistema de precificação das mercadorias. A velha tática de aumentar os preços para depois baixá-los e fingir que um produto está em promoção segue ganhando novas roupagens e as pessoas ficam felizes ao se deixarem enganar pelos anúncios, ignorando que, para terem direito ao tal valor, serão obrigadas a comprar novamente daquela empresa e assim sucessivamente, o que gera um vínculo permanente.

Um dos pontos que merece atenção é que, assim como ocorre com os rótulos dos produtos, o que interessa às empresas aparece em letras bem grandes e coloridas, como as frases que anunciam as benesses. Já o que não interessa tanto, como as condições para que você tenha direito às promoções, constará em algum lugar menos visível e com letras quase ilegíveis. Se você conseguir enxergar essas minúcias, verá que, para ganhar o cashback anunciado, precisa comprar no mínimo um determinado valor em produtos, o que pode fazer com que acabe comprando coisas que nem está precisando, somente para não perder a “vantagem” conquistada.

O nome para esse mecanismo é fidelização do cliente. Uma vez que você tenha caído na armadilha, vai ficar menos suscetível às “cantadas” que recebe de empresas concorrentes e deixar de detectar preços ou produtos melhores que, eventualmente, elas possam oferecer. O sistema coloca as pessoas em um verdadeiro ciclo vicioso, uma vez que, além de não querer perder o direito ao cashback prometido, vão receber mais e mais anúncios publicitários sobre a empresa com a qual “se casaram”, ao seguirem efetuando novas compras. Não, não é coincidência que ela passará a aparecer em todos os espaços virtuais que você acessa, não deixando que receba os anúncios da concorrência. E, dentro dessa rede de concorrentes, quem mais sofre são os antigos mercadinhos de bairro, já que não costumam dispor de tecnologia e grana para entrarem nesse páreo (vários deles já foram ao chão depois que o “furacão Oxxo” passou em seus territórios).

Mas, embora você tenha se tornado fiel, nem sonhe que a tal empresa também se tornará. É ela quem faz as regras e pode alterá-las quando der na veneta – o que costuma acontecer um pouco depois que você já se tornou habitué em fazer suas compras rotineiras através dela. E, embora ela possa, a todo momento, enviar a você formulários para que avalie o serviço prestado, a chance de conseguir a volta de um benefício excluído é pequena porque a maior parte das pessoas não tem tempo (ou paciência) para responder essas pesquisas e as empresas só iriam realmente voltar atrás se percebessem que houve uma reação de boicote em massa, capaz de prejudicar o faturamento.

É assim que a marca mais barata ou de melhor qualidade começa a não estar disponível no estoque, os produtos em promoção passam a se esgotar mais rapidamente, o frete que era gratuito passa a ser cobrado, caso você não compre acima de tal valor… até que as vantagens se reduzam ao mínimo e reste só o seu lado do acordo a ser cumprido.

O processo lembra um outro, mais antigo: a reduflação. Ela ocorre quando uma empresa busca aumentar, de forma dissimulada, o lucro que obtém com um produto e, em vez de subir o preço que cobra por ele, reduz a quantidade que vem na embalagem. Fenômeno irmão do que troca ingredientes por outros mais baratos, algo que pode vir acompanhado de uma campanha publicitária que exalta a “nova fórmula”. Mesmo que uma parte dos consumidores perceba que algo foi alterado, pois o pacote acaba mais rápido ou o gosto está diferente, é comum não deixar de comprá-lo. Mais uma vez, a fidelidade, seja pela força do hábito, seja pelo poder da marca no imaginário como exemplo de status ou qualidade, mantém as pessoas enredadas, enquanto libera as corporações para que pulem a cerca.

Rotulagem às avessas

O que você acharia de um rótulo que, ao invés de mostrar os “ingredientes” que estão presentes em um produto, apresentasse a você os “ingredientes” que não estão? Se parece estranho, saiba que é o que ocorre em relação a substâncias que encontramos em boa parte dos alimentos vendidos nos mercados.

A teia que controla a produção do que ingerimos soube dar um olé na capacidade que temos de avaliar se algo é bom ou não para nós. Quando determinado componente comum em produtos alimentícios é considerado um vilão para nossa saúde, os marqueteiros são ágeis em estampar em letras garrafais – nos rótulos de comidas e bebidas que não o contenham – que elas são livres dele, como se isso fosse um atestado de que elas são saudáveis. Em certos casos, existem até selos de autenticação para comprovar a veracidade dessa ausência.

Produtos livres de lactose ou glúten, por exemplo, já povoam até mercadinhos locais e há toda uma rede publicitária para fazer as pessoas acreditarem que é melhor consumir as versões zero desses nutrientes do que as versões normais, mesmo que não tenham uma intolerância real a eles. O fato de serem mais caros é mero detalhe, não é? Fico pensando qual é o aumento da margem de lucro que eles permitem que as empresas obtenham. Mas voltemos aos elementos que são alvo da nova rotulagem.

É dentro desse panorama publicitário que batemos o olho em determinada embalagem e descobrimos na hora que um produto não contém gordura trans ou açúcar adicionado. E lá vai ele para nossa cesta de compras, sem a gente descobrir, ao ler as letrinhas miúdas que trazem sua composição, que ele tem corantes, aromatizantes e adoçantes artificiais, por exemplo, já comprovadamente associados ao desenvolvimento de doenças como o câncer. Há, até mesmo, uma migração das empresas que fabricam produtos alimentícios doces, como refrigerantes e sucos, para a fabricação de produtos considerados zero açúcar, por ocasião da adoção de normas de rotulagem que evidenciam a presença excessiva desse ingrediente.

Foi o que ocorreu em países como o Chile, onde os tais edulcorantes artificiais entraram no lugar da sacarose para evitar a obrigação de usar o alerta que o modelo adotado no país, pioneiro na América Latina, definiu. Assim, embora a redução do velho açúcar tenha sido estimulada, o problema da ingestão de alimentos não saudáveis acaba sem uma solução. E dá-lhe aspartame, sucralose, sacarina e cia, todos frequentadores rotineiros de estudos científicos que mostram como eles afetam negativamente a saúde, inclusive ao promover o aumento da obesidade, já que desregulam a capacidade de sentir saciedade, o que muita gente não imagina. Mas, seja em letras miúdas ou quase impossíveis de ler, esses componentes estão (ou deveriam estar, por lei) nos tais rótulos.

Não é o que ocorre no caso dos agrotóxicos e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida vem, desde sua criação, em 2011, batendo nessa e em outras teclas que são fundamentais para a sociedade, como a tributação dos agrovenenos. São 13 anos de atuação, completados no último dia 7, e esperamos que cada vez mais pessoas somem esforços nessa direção.

Tem veneno nesse pacote

A frase acima é de uma campanha, feita pelo mesmo IDEC que eu já mencionei no começo do artigo, sobre a presença de agrotóxicos em produtos industrializados. Você deve saber que, ao comprar biscoitos, sucos, nuggets e outras guloseimas, pode ingerir quantidades inadequadas de gordura, sal, açúcar e aditivos, já que, bem ou mal, poderá ler no rótulo e saber que tudo isso está presente na composição do petisco. Mas o que o levantamento feito pelo Instituto nos mostra é que há a presença de substâncias que não são listadas em nenhum lugar das embalagens: os venenos agrícolas.

No caso da gordura saturada e do açúcar, a indústria alimentícia deu um drible na sociedade com seus selos de zero isso e zero aquilo, desviando a atenção das pessoas em relação ao conjunto dos ingredientes, que, como mencionamos anteriormente, pode conter itens bem duvidosos quando se trata de comer ou beber algo saudável. Já no caso da presença de agrotóxicos, cabe somente às empresas que não permitem que seus produtos sejam feitos com alimentos produzidos com a utilização dessas substâncias informar os consumidores de que eles seriam “zero” veneno, ou seja, possuem um selo que garante que são orgânicos. Nenhum pio sobre isso na embalagem dos demais produtos – que são chamados de convencionais justamente por serem, há algumas décadas, a maioria esmagadora no país.

Podemos dizer que se trata de uma rotulagem ao avesso e é realmente incrível que aceitemos esse tipo de “solução”, algo completamente sem coerência com o que costuma ser estabelecido como regra, quando se trata do acesso às informações sobre o que estamos comprando. Projetos de lei que tentam corrigir tal distorção não têm avançado, e há sérias consequências na esfera da saúde, bem como no que se refere às relações socioeconômicas. Vale mencionar, entre outras, a baixíssima consciência que as pessoas têm sobre a existência de agrotóxicos como glifosato, glufosinato e imidacloprido, em alimentos processados e ultraprocessados, inclusive os que são de origem animal.

No imaginário da população, a presença de venenos agrícolas se restringe, quando muito, aos alimentos in natura, sobretudo hortaliças. Quase ninguém imagina que um alimento como requeijão, feito de um ingrediente como o leite, pode conter essas substâncias. Isso pode fazer com que as pessoas deixem de comprar verduras e legumes por entender que estão contaminadas, enquanto adquirem mais produtos industrializados, entendendo que eles não estão. E é aí que juntam o que há de pior em termos de elementos prejudiciais à vida – tanto a vida individual quanto a coletiva -, ingerindo um coquetel químico que adoece seus corpos e traz impactos dramáticos à sociedade e à natureza.

Não seria hora de botar ordem nessa distorção? Colocar uma lupa que acuse a presença dos agrovenenos nos rótulos de produtos ultraprocessados seria um caminho para estimular as pessoas a refletir se devem mesmo levá-los para suas casas. Se houver uma diminuição de seu consumo, invertendo a tendência de alta dos últimos anos, sobretudo entre setores mais vulneráveis da população, como bebês, mulheres grávidas e povos indígenas, poderemos reduzir a incidência de algumas doenças crônicas que vêm castigando o sistema público de saúde.

Voltando à questão da rotulagem de mercadorias e seres humanos, é possível que, se tivéssemos uma legislação adequada para os rótulos de produtos embalados, como biscoitos e salgadinhos, que contenham alimentos cultivados com agrotóxicos, menos pessoas fossem rotuladas como diabéticas, hipertensas ou portadoras de obesidade, nos bancos de dados das indústrias de alimentos e de remédios. Mas seria um golpe para os bolsos de uma categoria de gente que, embora seja minoria da minoria, afeta mais o planeta do que imensas multidões: os bilionários das Big Tech, sempre envolvidos, de algum modo, com as artimanhas das Big Food e das Big Pharma. O fato da riqueza que eles possuem ter aumentado substancialmente ao mesmo tempo em que aumentam aqueles e aquelas sob o rótulo de doentes crônicos já mostra o tamanho da briga a ser comprada.

Não há dúvida de que é uma missão que vai exigir imenso esforço, ainda mais em tempos de retrocessos na legislação que regula os agrotóxicos, em relação aos quais temos a possibilidade do Congresso Nacional derrubar os vetos de Lula, conquistados com muita mobilização, ao Pacote do Veneno. Mas, assim como foi possível obter a presença das lupas indicadoras de sal, açúcar e gordura nas embalagens dos produtos alimentícios industrializados, podemos fazer com que sejam obrigados a abrir espaço para a presença de uma nova lupa ou de um outro símbolo ainda mais eficiente em alertar as pessoas para a existência de perigo: o da caveira, já presente nas embalagens do que o Ogronegócio chama de “defensivos agrícolas”.

Momento de comer muito feijão agroecológico para dar conta dessa nova queda de braços.

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