Parlamentarismo no Brasil: dos males, o maior

Em nosso arremedo de democracia, baseado na perpetuação de desigualdades abissais, um governo eleito pelo Parlamento — aquele, onde reinam as oligarquias — alargaria as injustiças. E sufocaria as parcas oportunidades de mudança

Pintura: Nicolas Lancret
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Por Silvane Ortiz

Para o Brasil, com sua curta e conturbada experiência republicana, definir um sistema de governo ideal é tarefa infame. Em nossa história política passamos pelas mais diversas configurações de poder. Contudo, é bastante óbvia a avaliação de que nenhuma delas tenha servido plenamente ao constructo de uma Nação. O presidencialismo é o sistema que perdura, conquanto nunca tenha garantido qualquer estabilidade política ou social. Para um país de dimensões territoriais proporcionais ao abismo econômico-social que abriga, as dificuldades de se estabelecer uma forma que, minimamente, dê conta de balizar o desenvolvimento nacional equitativo, são continentais.

Ao analisarmos os sistemas consolidados mundo afora, o parlamentarismo se destaca como um modelo de forte apelo às elites, especialmente pela facilidade para a configuração e deposição dos governos que são formados internamente, ou seja, sem participação popular efetiva. Ao caso brasileiro, a questão que se impõe é a incapacidade de viabilização das condições para que esse sistema possa oferecer suas propaladas qualidades. Além da clara necessidade por representação de pautas diversas, inclusivas, por conta das abissais desigualdades que compõem o país, uma breve observação ao nosso Congresso Nacional basta para aferirmos a improbabilidade desse sistema estruturar-se de forma positiva em terrae brasilis. Quando nos debruçamos sobre o paradigma brasileiro, com seu histórico político-social, fica premente a necessidade de uma reformulação basilar. Sem uma profunda repactuação social, revolucionária, o Brasil parece condenado ao eterno devir; país do futuroque nunca chega. Pleno de potências duramente reprimidas por estruturas que não deixam o novo nascer.

Nenhum rearranjo de sistemas pode surtir efeitos salutares – para o povo – em um país onde a desigualdade é a base que sustenta a governabilidade estatal. Essas manobras, ao contrário, podem inclusive desgastar a tessitura social da parca democracia que até hoje experienciamos. A edificação do “projeto Brasil”, sempre careceu de um aporte ético. Por aqui, apenas um pé da tríade iluminista parece ter se fundado. Fomentaram-se valores liberais – nunca libertários – ignorando o fato de que uma nação apenas se conforma em povo, se calcada tanto, ou mais, sob ideais de uma igualdade fraterna, comunal.

Nos atendo aos sistemas de governo usuais e às condições dadas em nossos (ainda tão tristes…) trópicos, e, sobretudo, enquanto estivermos sob o jugo impiedoso do capitalismo, o presidencialismo, mesmo conformado em arremedo monárquico-feudal, parece ser a única forma de conter a instauração absoluta de uma plutocracia parlamentar. De quatro em quatro anos o ápice do jogo democrático, que nos permitem participar, se realiza e o povo tem a chance de se sentir eleitor das diretrizes ideológicas de um programa de governo. Em um país de castas, onde a igualdade nem sequer é uma possibilidade de desejo, a implementação do sistema parlamentar sem uma profunda repactuação político-social, onde um ideal igualitário absoluto seja o eixo sobre o qual se orientem as políticas públicas, descambaria facilmente para a hegemonia, descarada, das elites (inter)nacionais.

Até darmos o próximo passo, alcançando as condições de pensar, discutir e propor como povo, o que é o poder e como ele deve ser estabelecido, compartilhado e executado, talvez nos reste, apenas, a prerrogativa de eleger de tempos em tempos o “presidente-real”, para que não sejamos sujeitados, tão somente, à “nobreza” e seus pecados que insistem em persistir nessa rica porção de terras ao sul do Equador.

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