Nova York e a aposta da cidade para todos
Zohan Mandami está a um passo de se eleger prefeito, com pauta baseada no comum e num novo municipalismo. Crise de representatividade e a vida precária convidam a exigir participação local na política. Primeiro exemplo, em Barcelona, é revelador
Publicado 31/10/2025 às 18:02 - Atualizado 31/10/2025 às 18:55

Não há mais dúvidas de que a ascensão de regimes autoritários nos remete à crise de representação eclodida nos anos 2007-2008, quando a irresponsabilidade de bancos estadunidenses levou o mundo a uma crise econômica das proporções do crash de 1929. Os Estados nacionais tiveram de intervir para estabilizar os mercados e lançaram os ônus da crise sob os cidadãos comuns, com as chamadas políticas de austeridade. Neste contexto se alastrou a consciência compartilhada de que as autoridades públicas governam para o 1%. Estava no Occupy, mas também nos Indignados espanhóis, no Nuit Debout francês e outras tantas “cidades rebeldes” – termo cunhado por David Harvey.
Mas dessas turbulências também teve origem a insatisfação difusa que se torna presa fácil de discursos simplistas e salvacionistas. A constatação de que os eleitos governam apenas para elites também pavimentou o caminho para as figuras como Donald Trump e Jair Bolsonaro, que apostam na dissolução cotidiana dos marcos das democracias liberais.
Mas hoje o mundo já conhece bem os riscos das apostas autoritárias e as crises também produzem seu outro, isto é, a necessidade de reaproximação radical entre governantes e as necessidades sociais, o anseio por reinvenção democrática. Não raro, esta via se dá no que podemos chamar de uma aposta municipalista: a repactuação mais profunda ocorre no poder local, onde o pessoal é político. Neste nível, ficam mais evidentes os nexos entre as políticas públicas e seus impactos na vida cotidiana. Ficam mais próximas as solidariedades comunitárias, territoriais e de bairro, com os centros de decisão nos quais se deve fazer pressão e ocupar.
A hipótese municipalista tem experiências recentes importantes na Espanha. Eleita em 2015 pela plataforma Barcelona en Comú, Colau, uma antiga ativista antidespejo e defensora do direito à moradia, levou para a prefeitura demandas diretamente oriundas das ruas. Seu governo enfrentou com ousadia a gentrificação e o turismo predatório, que vinham expulsando os moradores locais do espaço urbano. Regulamentou o uso de plataformas como Airbnb, reduzindo a oferta de aluguéis temporários em áreas já saturadas e limitando o número de licenças de hotéis. Dobrou os investimentos em habitação social e incentivou a conversão de imóveis vazios em moradias acessíveis. Além disso, foi pioneira em um plano intersetorial de redução e mitigação dos efeitos da emergência climática.
Em Madri, o movimento municipalista também alcançou grande relevância com a eleição de Manuela Carmena, juíza aposentada e ativista pelo combate à corrupção. À frente da plataforma Ahora Madrid, Carmena focou em medidas que favoreciam a transparência na gestão pública, a requalificação de espaços urbanos e a promoção de alternativas de mobilidade.
Tanto Colau quanto Carmena revitalizaram a participação social desde os bairros e territórios, com metodologias híbridas – presenciais e digitais –, como a plataforma Decidim. As políticas de abertura de dados avançaram em eixos importantes, inclusive na disputa pelo orçamento público. Os desafios também são grandes e seus legados ainda são uma agenda de pesquisa.
Um movimento parecido acontece na maior cidade dos EUA. “Por uma Nova York que você possa pagar”, a plataforma do candidato favorito à prefeitura está centrada em reverter uma questão que nos é bastante conhecida: o custo de vida nas metrópoles sobe muito acima da renda dos que vivem dos esforços do trabalho.
Em Nova York, cerca de metade dos inquilinos gastam mais de 30% da renda familiar com locação. Em bairros como Manhattan, Brooklin e Queens, a alta nos aluguéis esteve entre 15% a 20% ao ano, bastante acima dos reajustes de salário e da inflação. Tal realidade, vale lembrar, é bastante conhecida nas capitais brasileiras. Observadores locais registram que é muito comum pessoas de camadas médias, diante de uma situação de desemprego imprevisto, recaírem na situação de rua. O número de pessoas nesta condição aumentou em 18% no ano de 2024, atingindo patamares superiores ao da Grande Depressão.
Zohran pretende enfrentar estes desafios. Proposta de estabilização e regulamentação do preço dos aluguéis já se dará através da nomeação de conselheiros em instâncias locais. Prevê a provisão de 200 mil novas unidades habitacionais, utilizando-se de terrenos e imóveis públicos, o que garante boa localização e preços acessíveis.
Outra proposta ousada e promissora, já testada internacionalmente, é a tarifa zero no transporte coletivo – pauta que virou o mundo político brasileiro em 2013. Desde este mesmo ano Tallinn, cidade de 400 mil habitantes na Estônia, garantiu transporte gratuito para seus moradores (turistas ainda pagam). Dunkerque (França), Kansas City, Chengzhou (China) são experiencias importantes. No Brasil, mais de 130 cidades de pequeno e médio porte já implementaram a medida, com pilotos em capitais e expectativa de plano nacional mencionado recentemente pelo presidente Lula. A política de tarifa zero já mostra benefícios diversos, como o aquecimento do comércio local e, obviamente, a redução do custo de vida, dos níveis de poluição, das taxas de acidente no trânsito e de congestionamento.
Mamdani prevê ainda atendimento gratuito e universal para saúde infantil, em um país onde a falta de acesso básico à saúde é uma marca estrutural; e proteção aos imigrantes, particularmente necessária em um momento em que discursos xenófobos ganham força no governo federal estadunidense.
Zohran passou rapidamente de azarão a favorito, com uma campanha que ganha forte engajamento na juventude e entre os mais idosos. A votação acontece na próxima terça-feira dia 04 de novembro. Vale acompanhar.
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