Um templo à música, à resistência e aos cinco sentidos
Publicado 13/03/2017 às 16:20
Surge em São Paulo “Tupi or not Tupi”, espaço para os sons, a culinária, os encontros — e para tramar, em meio à destruição do país, a retomada dos sonhos
Por Inês Castilho
Uma cidade com efervescência cultural só comparável à das grandes metrópoles do planeta. Um país com a riqueza musical extraordinária do Brasil. Foi para manifestar essa potência que se criou a Tupi or not Tupi, a nova casa de música de São Paulo. No matriarcado de Pindorama. No país da cobra grande.
A proposta envolve mobilização cultural. “É um espaço de resistência ao desmonte da cultura que a gente está vendo acontecer. Estamos vivendo uma situação de catástrofe econômica, política, cultural. O projeto não está ligado apenas a planilhas e racionalidade, mas envolve ousadia e coragem”, diz Angela Soares, mãe da ideia. “Foi realizado em tempo recorde, com enorme esforço — de trabalho e financeiro — de sócios, amgos, fornecedores, colaboradores, todos movidos por paixão.” Expressão mascarada de todos os individualismos, todos os coletivismos.
Tudo na casa — um casarão que por 16 anos abrigou a Oca Tupiniquim, primeiro bufê infantil com valorização da cultura brasileira — soa cuidado, delicadeza, excelência. Para proporcionar prazer não apenas auditivo, de escuta apurada, mas para alimentar os cinco sentidos – como sacou Guto Lacaz, criador do slogan e do logo da casa. “Um espaço colorido, afetivo, gostoso, com boa comida e boa bebida.” O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo.
Os sócios têm estreita relação com a música, o que garante curadoria de qualidade. Fabio Tagliaferri é instrumentista, Jeanne de Castro é produtora, Marcos Barreto inventou a Casa da Banda e a empresária Angela Soares é a criadora da Oca Tupiniquim e da Oca Cultural. Daí o piano Kawai de meia cauda, de som excelente, o cuidado com a acústica: 184 painéis formando uma espécie de “abóbada” que cobre e envolve toda a área de shows, cerca de 200 m².
A programação musical vai de quarta a domingo. Às segundas e terças a casa vai abrigar cursos e workshops de música – composição, por exemplo – e sobre música. Vai ter também café, restaurante, uma pequena loja de CDs, camisetas, livros; uma galeria com fotos de músicos, shows, personagens; e um local para lançamento de livros. “Quem sabe o de Rita Lee?”, diz o produtor Marcos Barreto. Um ponto de encontro. Contra todas as catequeses.
E traz inovações. “Com o tempo pretendemos abrir os bastidores dos shows, que o público tem curiosidade de conhecer, e fazer passagens de som e ensaios abertos”, antecipa Marcos.
As quartas estão reservadas a músicos jovens, em seu primeiro CD. Uma noite de revelações. “A ideia é mostrar sons novos, de excelente qualidade, que as pessoas ainda não descobriram. Como Breno Ruiz, com suas Cantilenas Brasileiras, a banda de jazz Silibrina e uma nova geração de excelentes cantoras.”
As quintas apresentam Convívio, programa do músico instrumental Arismar Espírito Santo e convidados. Já as sextas e sábados trarão música popular de qualidade – que Marcos prefere chamar de música autoral, com identidade e riqueza na execução. E não apenas brasileira. Uma programação mais variada, com artistas que são patrimônio cultural do país, como o pianista e compositor João Donato, as cantoras Alaíde Costa e Áurea Martins, e o maestro Laércio de Freitas, da velha guarda, ou os instrumentistas de jazz e choro Marco Pereira e Paulo Belinatti. Contra todos os importadores de consciência enlatada.
“A riqueza da música e dos músicos brasileiros, sua enorme criatividade merece ser pensada, repensada, vivida e revivida”, considera Angela. “Não estou nem falando dos 17 ritmos existentes só no Pará, mas da música regional do Norte, Nordeste, Sul”, emenda Marcos. Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.
O nome Tupi or not Tupi foi sugerido por uma adolescente, filha da Jeanne, quando estudava o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, escrito em 1928 — de onde, aliás, foram extraídos as frases em negrito neste texto. Foi direto ao ponto, diz Angela: “A gente come, deglute, vive isso com intensidade e prazer”. A alegria é a prova dos nove.
A Tupi or not Tupi está em busca de apoio e patrocínio. “Se conseguirmos passagens aéreas e hospedagem, já dá para trazer músicos do Pará, por exemplo. Mais artistas, a preços mais acessíveis.”
Na visão de Marcos, cujo lado B é de economista, “a casa atrai um público interessante para marcas de tecnologia: Youtube, Facebook, Google. E para outras tantas que já demonstraram ter afinidade com a música, como a Natura e a Tim, por exemplo.”
Os ingressos dos shows têm faixas de preço que contemplam diferentes públicos – há espetáculos de 35, de 55 e de 75 reais. O serviço de comida e bebida, criado na mesma levada cultural tupiniquim, é feito apenas antes e depois do show. A carta de cachaças foi desenvolvida por Maurício Ayer, especialista na bebida brasileira e em literatura. O sommellier Elvis Campello selecionou vinhos e cervejas. Ambos criaram drinks especiais com nomes inspirados na música e cultura brasileiras À criativa chef Raphaela Homem de Melo coube criarum cardápio de culinária brasileira. Em comunicação com o solo.
Programação
De 16 de março a 08 de abril
16 de março, quinta, 21h30, João Donato e Arismar o Espírito Santo
17, sexta, 21h30, Ritchie & Blacktie
18, sábado, 21h30, Fabiana Cozza
22, quarta, 21h, Silibrina
23, quinta, 21h, “Arismar Convívio” com Léa Freire
24, sexta, 21h30, Lívia Nestrovski e Fred Ferreira
25, sábado, 21h30, Alaíde Costa e Laércio de Freitas
29, quarta, 21h, Nadia Larcher y Proyecto Pato (Argentina)
30, quinta, 21h, “Arismar Convívio” com Thiago Espírito Santo
31, sexta, 21h30, Renato Braz, com Áurea Martins e Alice Passos
1º de abril, sáb, 21h30, Renato Braz, com Áurea Martins e Alice Passos
5 de abril, quarta, 21h, Breno Ruiz
6, quinta, 21h, “Arismar Convívio” com Laércio de Freitas
7, sexta, 21h30, Luiz Tatit com participação de Marina Pittier
8, sábado, 21h30, Luiz Brasil Quinteto
Gostei muito da iniciativa e da programação.
Parabéns e que vcs tenham muito sucesso, é o que mais desejo!