De semiescrava a lutadora
Publicado 14/05/2018 às 17:19 - Atualizado 12/12/2018 às 15:24
Na segunda entrevista sobre desigualdade no campo, Edina Maria da Silva conta como sua vida mudou, quando o latifúndio canavieiro em que trabalhava foi ocupado, após falir. Mas denuncia: fazendeiros estão de olho nas terras comuns, e atravessadores tentam impor preços de fome
Por Oxfam Brasil
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Leia aqui primeira entrevista da série, com a líder terena Ana Sueli Firmino, de Mato Grosso do Sul
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Edina Maria da Silva é uma jovem liderança da comunidade de posseiros do Engenho Barra do Dia, pertencente à falida usina Vitória, de cana-de-açúcar, localizada em Palmares, Pernambuco. A usina foi flagrada em 2008 com trabalhadores em condições análogas à escravidão, e faliu. As famílias que moram no local há cerca de 80 anos hoje aguardam a formalização da desapropriação da área para reforma agrária, para com isso terem seus direitos garantidos.
Edina mora há sete anos na comunidade e lembra com tristeza da época que sua mãe, também agricultora, trabalhava para outra grande usina de açúcar da região, a Catende, onde era constantemente humilhada e desrespeitada. “Minha mãe foi muito humilhada com o agronegócio, por ela ser mulher”, diz Edina. “Não garantiam os direitos dela. E a gente via o agronegócio crescendo nas costas daqueles que eles estavam massacrando.”
Hoje, Edina tem sua própria roça e a vida melhorou bastante, diz. “Quando a gente começou a trabalhar para a gente mesmo, depender da gente mesmo, na área de agricultura familiar, mudou bastante.” Mas ainda há desafios importantes a serem enfrentados. Latifundiários querem tomar as terras dos pequenos agricultores, e atravessadores que compram as mercadorias da comunidade estão sempre oferecendo muito menos do que valem os produtos. “Só quem sabe o valor da mercadoria é quem planta, quem cria. Quando eles vão comprar, querem humilhar, colocam o preço lá embaixo.”
Edina é uma das 15 mulheres de comunidades rurais, movimentos do campo, agricultoras, quilombolas, lideranças de povos indígenas e comunidades tradicionais, de diversas regiões do país, que participaram de uma oficina em São Paulo para debater a relação de mulheres com o direito à terra, desigualdade no campo e impactos do agronegócio em suas vidas.
O relatório Terrenos da Desigualdade: terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural, lançado pela Oxfam Brasil em 2016, mostra dados que revelam a grande concentração de terras no país, como o fato de as maiores propriedades terem sido as que mais receberam incentivos e foram melhoradas, com acesso a crédito, pesquisa e assistência técnica, com o objetivo de produzir para exportação ou atender à indústria agroindustrial.
A seguir, a entrevista com Edina Maria da Silva.
Como você vê a questão de desigualdade de terra no Brasil?
É uma desigualdade muito grande. Só temos garantia de terra no papel. Mas na realidade, não temos. Principalmente mulheres, a juventude… é como se nós não tivéssemos direitos.
Na questão do acesso à terra, quais são os impactos do agronegócio?
Falando por experiência própria, machuca, dói, humilha. A minha mãe foi muito humilhada com o agronegócio, por ela ser mulher, sempre tem essa questão de gênero. Ela trabalhava para a usina Catende. Eles diziam que ali não era o lugar dela. Quando não conseguia cumprir a cota dela, era tachada como “mole”. E ela adoecia, chegava em casa doente, não podia ir trabalhar no dia seguinte – e eles não aceitavam os atestados (médicos) dela. Não garantiam os direitos dela. A gente via eles crescendo, o agronegócio crescendo nas costas daqueles que eles estavam massacrando, humilhando. Então, o agronegócio é algo que machuca, humilha as pessoas.
Agora você trabalha na sua própria roça. Como funciona?
Hoje a gente tem nossa própria plantação e não é mais humilhado – não tanto como antes, porque ainda tem os grandes latifundiários que querem tomar as nossas terras, nós vivemos em constante processo de luta. E tem também a questão dos atravessadores. Só quem sabe o valor da mercadoria é quem planta, porque tem o trabalho de plantar. Mas eles (os atravessadores) chegam e colocam o preço das mercadorias dos agricultores lá embaixo. As mulheres têm suas plantações de hortaliças, criam suas galinhas, suas cabras, e quando eles vão comprar, querem humilhar. Elas sabem o preço que valem as mercadorias, e eles dizem que não, e colocam o preço lá embaixo. Mas hoje vivemos melhor do que antes, muito melhor. Quando a gente começou a trabalhar para a gente mesmo, depender da gente mesmo, na área de agricultura familiar, mudou bastante. Mas precisa mudar muito mais ainda.
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