Por que a energia solar não deslancha no Brasil

Painéis solares para geração direta de energia. Cada vez mais frequentes em países como Alemanha e China, eles ainda produzem apenas 0,00008% da eletricidade no Brasil

Painéis solares para geração direta de energia. Cada vez mais frequentes em países como Alemanha e China, eles produzem apenas 0,0008% da eletricidade no Brasil

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Panorama de um cenário insólito: país mantém desaproveitado seu índice de insolação elevadíssimo — por falta de políticas do Estado e boicote das distribuidoras privadas

Por Heitor Scalambrini Costa*

A capacidade instalada no Brasil, levando em conta todos os tipos de usinas que produzem energia elétrica, é da ordem de 132 gigawatts (GW). Deste total menos de 0,0008% é produzida com sistemas solares fotovoltaicos (transformam diretamente a luz do Sol em energia elétrica). Só este dado nos faz refletir sobre as causas que levam nosso país a tão baixa utilização desta fonte energética tão abundante, e com características únicas.

O Brasil é um dos poucos países no mundo, que recebe uma insolação (numero de horas de brilho do Sol) superior a 3000 horas por ano. E na região Nordeste conta com uma incidência média diária entre 4,5 a 6 kWh. Por si só estes números colocam o pais em destaque no que se refere ao potencial solar.

Diante desta abundância, por que persistimos em negar tão grande potencial? Por dezenas de anos, os gestores do sistema elétrico (praticamente os mesmos) insistiram na tecla de que a fonte solar é cara, portanto inviável economicamente, quando comparadas com as tradicionais. Até a “Velhinha de Taubaté” (personagem do magistral Luis Fernando Veríssimo), que ficou conhecida nacionalmente por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo militar, sabe que o preço e a viabilidade de uma dada fonte energética dependem muito da implementação de políticas públicas, de incentivos, de crédito com baixos juros, de redução de impostos. Enfim, de vontade política para fazer acontecer.

O que precisa ser dito claramente para entender o porquê da baixa utilização da energia solar fotovoltaica no país é que ela não tem apoio, estímulo nem neste, nem nos governos passados. A política energética na área da geração simplesmente relega esta fonte energética. Por isso, em pleno século XXI, a contribuição da eletricidade solar na matriz elétrica brasileira é pífia, praticamente inexiste.

A realização recente de dois leilões exclusivos para esta fonte energética deixou claro que não basta simplesmente realizar o pregão é necessário que o preço final seja competitivo para garantir a viabilidade das instalações. O primeiro leilão realizado a nível nacional, em outubro de 2014, resultou na contratação de 890 MW, e o valor final atingiu R$ 215,12 / MWh. O segundo, realizado em agosto de 2015, terminou com a contratação de 833,80 MW, a um valor médio de R$ 301,79 / MWh. Ainda em 2015, em novembro próximo será realizado um terceiro leilão especifico para a fonte solar.

Por outro lado, a geração descentralizada — aquela gerada pelos sistemas instalados nos telhados das residências — praticamente não recebe nenhum apoio e consideração governamental. Apesar do enorme interesse que desperta, segundo pesquisas de opinião realizadas.

Em janeiro de 2013, a Norma Resolutiva 482/2012, da Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel), estabeleceu regras para a micro (até 100 kW) e a mini geração (entre 100 kW e 1.000 kW). Permitiu, em tese, que consumidores possam gerar sua própria energia, e trocar o excedente por créditos, que dão desconto em futuras contas de luz. Mas não alavancou o uso desta fonte energética. Os dados estão ai.

Segundo a própria Aneel, o numero de sistemas deste tipo implantados passou de 8 (de janeiro a março de 2013) para 725 (entre abril e junho de 2015). Deste total, 681 são sistemas fotovoltaicos, 4 biogás, 1 biomassa, 11 solar/eólica, 1 hidráulico e 27 eólicos. São números insignificantes quando comparados, por exemplo, com a Alemanha — que dispõe de mais de um milhão de sistemas instalados nos telhados das residências.

Fica evidente que persistem obstáculos para uma maior participação da eletricidade solar na matriz elétrica. Para transpor os obstáculos, são necessárias políticas públicas voltadas ao incentivo da energia solar. Por exemplo: a criação, pelos bancos oficiais, de linhas de credito para financiamento com juros baixos; a redução de impostos tanto para os equipamentos como para a energia gerada; a possibilidade de utilizar o FGTS para a compra dos equipamentos e mais informação através de propaganda institucional sobre os benefícios e as vantagens da tecnologia solar.

Mas o que também dificulta enormemente a geração descentralizada é a atitude das distribuidoras de energia — que administram todo o processo, desde a análise do projeto inicial de engenharia até a conexão à rede elétrica. Cabe a elas efetuarem a ligação na rede elétrica, depois de um burocrático e longo processo administrativo realizado pelo consumidor junto à companhia.

E convenhamos, aquelas empresas que negociam com energia (compram das geradoras e revendem aos consumidores) não estão nada interessadas em promover um negócio que, mais cedo ou mais tarde, afetará seus lucros. Isto porque o grande sonho do consumidor brasileiro é ficar livre, não depender das distribuidoras com relação à energia que consome. O consumidor deseja é gerar sua própria energia.

Aí está o “nó” do problema que o governo não quer enfrentar. O lobby das empresas concessionárias, 100% privadas, dificulta o processo através de uma burocracia infernal, que nem todos que querem instalar um sistema solar estão dispostos a enfrentar. Enquanto que em dois dias você instala os equipamentos na sua residência, tem que aguardar quatro meses para estar conectado na rede elétrica.

O diagnóstico dos problemas encontrados é quase unânime. Só não “enxerga” quem não quer. E não “enxergando”, os obstáculos não serão suplantados. Assim o país continuará patinando, mergulhado em um discurso governamental completamente deslocado da realidade.

Acordem “ilustres planejadores” da política energética, pois a sociedade não aceita mais pagar pelos erros cometidos por “vossas excelências”. Exige-se mais democracia, mais participação, mais transparência em um setor estratégico, que insiste em não discutir com a sociedade as decisões que toma.

*Professor da Universidade Federal de Pernambuco

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7 comentários para "Por que a energia solar não deslancha no Brasil"

  1. Alisson disse:

    7 anos depois do meu primeiro comentário, continuamos com nossa empresa familiar, realizamos incontáveis projetos e serviços neste período, entretanto, de todos os locais que fomos apenas dois possuíam painéis fotovoltaicos ongrid ou offgrid, de lá pra cá ainda houveram diversas reviravoltas e sistemáticos boicotes a quem buscava de alguma forma não depender da energia fornecida pelo estado. Fora preços cada vez menos atraentes e largo período para começar a dar o retorno financeiro, que na minha opinião deveria ser o atraente principal. Existiu um voo de galinha no setor, houveram cursos pagos e gratuitos no período da reportagem, houve certo fomento que logo perdeu força com tantos fatores políticos que envolveram o fracasso do que deveria ter sido uma revolução de energias renováveis que pairam o imaginário desta época. Hoje em voga é a tal de indústria 4.0 que estica à obsolescência de tudo e diz que assim melhora o ambiente, não sei não, estou ficando menos entusiasmado pois após anos acabamos por enxergar que não houve ainda o interesse global para dar a resposta que o mundo necessita em termos energéticos, produtivos dentre outros. Acho bonito crianças plantando árvores na Amazônia onde uns poucos ganharam o direito de destruir, mas parece mesmo que tudo é uma provocação e que as catástrofes naturais, hoje mais recorrentes e cada vez maiores, somente serão levadas em consideração quando… quando… quando… Viu? Não consigo precisar quando, energias renováveis e limpas, materiais sustentáveis e novos modelos de consumo e hábitos não são tão difíceis de serem postos em prática, este fazer é que deveria ter sido por mais tempo, Gretta na Time e nada mais … Espero que daqui a mais 7 anos eu possa voltar a este post mais realista em mudanças ótimas.

  2. Mas então porque o governo,junto com as faculdades ,não buscaram ,já,a formação desses profissionais,não podemos esperar.

  3. GoSolar disse:

    Em Portugal ainda temos um grande caminho a percorrer relativamente à energia fotovoltaica.
    Depois da energia hídrica e eólica, Portugal tem de começar a olhar para a energia solar. Apesar de ser um dos países com mais insolação na Europa, Portugal está na cauda dos países produtores. Mas acreditamos que a capacidade instalada deverá ter um crescimento a rondar os 1.900% até 2030.

  4. Prátil disse:

    A Prátil segue acreditando em uma energia mais sustentável e econômica.
    Todas as dúvidas que giram em torno desse tipo de serviço podem ser sanadas através do conteúdo disponibilizado no nosso blog: http://www.pratil.com.br/blog/
    Abraços!

  5. FIDELIS EUGENIO STELET disse:

    Boa noite. Sou Técnico em Automação Industrial, graduado em Tecnologia em Automação Industrial, ambos pela Faculdade de Tecnologia do SENAI. Sou professor dos cursos Técnicos em Automação Industrial e Eletrotécnica. Enfim, ministrei neste último período para o curso de eletrotécnica fontes de energia renovável, e em minhas leituras me deparei com todos estes empecilhos e mais dois agravantes. O primeiro é que o PROINFA exige no mínimo 60% de nacionalização dos equipamentos e tecnologia para a construção de um parque eólico e o segundo é que não temos mão de obra qualificada o suficiente para atender a demanda crescente de energia eólica no Brasil, ou seja, além dos subsídios governamentais e incentivos é necessário investir e capacitar os jovens para tal tecnologia. Espero ter ajudado !

  6. Pedro Henrique de Pina disse:

    Opá Heitor Scalambrini Costa, Bâum?
    Concordo que o Brasil tem grande potencial para a geração de energia fotovoltaica, mas gostaria de fazer algumas observações sobre.
    – Logo teremos liberação para fazer compensação de até 5 Mw!!!!
    – Grandes empresas do mercado livre de energia já estão investindo em painéis solares, pois em menos de um ano os custos dos projetos despencaram 40% !
    – Em Goiás já temos linhas de credito para pequenas empresas instalarem painéis f.v, com uma taxa de juros de 3% a.o (entrar em contato com a Goiasfomento) e estão sendo criadas outras junto ao BNDS para grandes empresas.
    – Existem algumas empresas que constroem painéis solares de graça e te vendem a energia por 80% do preço do cativo local durante alguns anos. (Brasil Solair é a melhor com DNA Brasileiro)!!
    – Hoje boa parte da grid do Brasil não é de boa qualidade, não é simples sair instalando painéis solares, é preciso ver se é possível e se todo mundo injetar direto na rede pode causar problemas.
    – Na Alemanha existe grande incentivo por causa da “virada energética” que tem como objetivo desativar todas as usinas nucleares até uma data limite, por motivos de segurança e sustentabilidade (lá não cabe tanto lixo radioativo) http://oglobo.globo.com/mundo/alemanha-da-passo-rumo-sistema-livre-de-energia-nuclear-16858634
    – Na Alemanha existe smarth-grid e, se eu não me engano, la o mercado de energia é totalmente livre, eu posso comprar de qualquer gerador o que da poder para o setor privado.
    – A Alemanha produz as células foto voltais (produzidas em massa) de maior eficiência, em quanto no brasil a primeira empresa foi aberta no ano de 2014.
    Não podemos nos comparar tão simplesmente com outros países tão distintos do Brasil. Devemos tomar eles como exemplo e copiar o melhor? SIM! Mas a acho que se a gente focar no empreendedorismo, a gente consegue muito mais resultados do que reclamar e esperar 4 anos para votar. Empreendedorismo pode (e vai) salvar o Brasil da incompetência dos políticos.
    Como já dizia Irineu Evangelista de Sousa, Visconde de Mauá:
    “O melhor programa econômico de governo é não atrapalhar aqueles que produzem, investem, poupam, empregam, trabalham e consomem”
    Abraço,
    Pedro Pina

  7. Sou técnico em eletrônica e meu pai é engenheiro eletrônico, temos mais que vontade de produzirmos energia solar através da empresa que já possuímos, entretanto, como bem disse o professor, estamos estagnados nos altos preços aplicados neste mercado o que realmente tem inviabilizado qualquer projeto deste no país, tenho buscado incessantemente alternativas para esta problemática, até pensar em produzir os painéis temos pensado, agradeço qualquer informação sobre novidades neste mercado.
    Grato,
    Alisson Lima.

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