Para vencer a segregação urbana

 

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Sucesso do “churrascão diferenciado” , no centro de S.Paulo, é um primeiro passo essencial. Mas especulação imobiliária só será afastada se houver alternativas. A elas se propõe o Coletivo Cracolândia

Foto: Eduardo Anizelli

(Leia também: “A cracolândia que você não vê”, de Talita Ribeiro, uma das criadoras do Coletivo Cracolândia)

Derrotar a “Operação Sufoco” — que promoveu a ocupação policial da região da Luz, em São Paulo, a pretexto de lutar contra o comércio de crack — tornou-se uma possibilidade real, nos últimos dias. O aparente consenso que havia, na virada do ano, em favor da suposta “limpeza” do centro trincou-se rapidamente. A oposição, que no início partiu de pequenos coletivos ou vozes isoladas, ganhou aos poucos defensores públicos, vereadores, setores religiosos, mesmo parte da mídia.Desde quarta-feira, a própria polícia parece desconcertada. Os momentos de repressão selvagem são alternado por tréguas.

O “churrascão diferenciado“, que reuniu cerca de 2 mil pessoas, na tarde deste sábado, foi anunciado até mesmo em alguns portais da net. Terminou numa caminhada pelas ruas da região, sinalizando que há inúmeras iniciativas mais humanizadoras e eficazes que a ocupação pela polícia militar. Se a desmilitarização for alcançada, será, porém, apenas um (importantíssimo) primeiro passo.

São Paulo está se tornando um nó da rede global de especulação imobiliária. Há muitos capitais disponíveis, em busca de locais para investir e lucrar, depois que estouraram bolhas de valorização artificial de imóveis nos Estados Unidos e em diversas partes da Europa. Poderia ser uma oportunidade: se políticas públicas canalizassem os capitais que entram para mais habitação popular, saneamento, transporte coletivo, por exemplo. É, porém, um enorme risco. A tendência natural do dinheiro é migrar para os canais de valorização já abertos e operantes: capturar áreas pouco valorizadas, construir imóveis-padrão para compradores-padrão. Expulsar os pobres como entulho indesejável. Em São Paulo, a região da Luz é uma espécie de piloto. Por que não expandi-lo para outras áreas, em caso de “sucesso”?

Vencer este projeto e substituí-lo por outro exigirá luta, inteligência e alegria. É ótimo saber, portanto, que outra frente de resistência acaba de ser aberta — também a partir de uma iniciativa autônoma de transformação social. Na quinta-feira, seis pessoas que trocavam há meses ideias sobre como agir em defesa da Luz e (todos!) os seus moradores e frequentadores, lançaram o blog Coletivo Cracolândia. É aberto a contribuições de qualquer interessado em construir uma cidade mais participativa e democrática. Além disso, tem uma ambição particular.

Quer ir além da resistência. Vê a Luz como um espaço a ser apropriado e cuidado — pela cidade e seus habitantes. Percebe que mais complexo (e decisivo) que afastar a PM é criar, numa área degradada, novas condições de convivência, acolhimento e sociabilidade. A ocupação militar é a pior solução possível diante de um problema que… já existia antes. Quando a violência for vencida, o problema restará. O que a cidade tem a dizer e fazer a respeito? Como criar, numa das grandes metrópoles do planeta, formas pós-capitalistas de habitação, urbanidade, relação com a natureza, produção e distribuição de riquezas?

O Coletivo Cracolândia cria uma oportunidade de tornar públicos estes problemas. Numa entrevista que Outras Palavras publicará em breve, o sociólogo Manuel Castells sugere que a potencialidade principal da internet é compartilhar, entre os cidadãos, os poderes e responsabilidades que antes estavam concentrados nas mãos dos poderosos. “A cracolândia que você não vê“, texto Talita de Ribeiro (uma das integrantes do coletivo) que reproduzimos hoje permite acreditar que este passo está mais perto de nós do que pensamos às vezes

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