No Brasil exuberante, as marcas da maldade
Publicado 20/05/2016 às 11:27
Em exposição provocadora, fotógrafo relaciona os grandes cartões postais do país à violência cometida pela ditadura pós-64. Acabou? Pergunte aos Amarildos
Por Patricia Cornils
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EXPOSIÇÃO: “POSTCARDS FROM BRAZIL — CICATRIZES NA PAISAGEM”
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Av. Paulo Gama, 110 – Farroupilha, Porto Alegre-RS (mapa)
Até 15 de julho
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“Aqui é o Paraíso!”, dizem as pessoas sobre lugares onde a natureza parece sugerir possibilidades de outra vida. “Nossos bosques têm mais vida”, diz o Hino Nacional brasileiro, reiterando a ideia do país como o Paraíso na Terra. Mas nada, nem a natureza e muito menos um hino, é em si toda a verdade, como mostra o fotógrafo Gilvan Barreto. Sem esconder a beleza de lugares como o Parque Nacional do Iguaçu, o Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Ceará, Goiás, e região do Araguaia, divisa dos estados do Pará, Goiás e Maranhão, Gilvan nos devolve outra parte da verdade do Paraíso: a da expulsão, da espada de fogo, da morte.
Postcards from Brasil – Cicatrizes na Paisagem é uma mostra de cartões postais cedidos pela Embratur e por outros órgãos oficiais de turismo, baseada no relatório da Comissão Nacional da Verdade. São fotografias de lugares onde pessoas foram torturadas, assassinadas e “desaparecidas” por agentes do Estado brasileiro durante Ditadura Militar. Lugares belos.
No Parque Nacional do Iguaçu, seis exilados foram mortos a tiro de fuzil quando tentavam voltar ao Brasil e seus corpos podem ter sido enterrados ali, clandestinamente.
No mar em frente à cidade do Rio de Janeiro a Aeronáutica jogou, de aviões P-16 que decolavam da Base Aérea de Santa Cruz, corpos de militantes assassinados, para que nunca mais fossem encotrados. Os voos da morte também foram feitos no Araguaia. Na Granja São Bento foram executadas seis pessoas, entre elas Soledad Barett Viedma, grávida do agente duplo José Anselmo dos Santos. Da Casa da Morte, em Petrópolis, somente uma vítima saiu com vida. Para cada morte e desaparecimento, um buraco na fotografia. Uma cicatriz. E uma lembrança: neste momento, em centenas de “paraísos” do Brasil, homens e mulheres lutam para que a natureza dos lugares não seja também a natureza dos massacres. É preciso resistir.
A exposição “Postcards from Brazil – Cicatrizes na Paisagem” foi lançada na 9ª edição do FestFoto – Festival Internacional de Fotografia de Porto Alegre, que aconteceu de 10 a 14 de maio, na capital gaúcha. A exposição está aberta ao público, em frente à Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), até o dia 15 de julho.
A mostra é resultado de uma pesquisa realizada pelo autor há cerca de dois anos, com consultoria do pesquisador e fotógrafo André Vilaron, um dos redatores do relatório da Comissão Nacional da Verdade. A curadoria é de Carlos Carvalho, fotógrafo e diretor do FestFoto. E trabalho continua, porque o Paraíso não é aqui. “Essas cicatrizes não foram curadas, tanto é que está tudo acontecendo novamente. No Rio de Janeiro ‘pacificado’, os crimes de assassinato caíram muito, mas, coincidentemente, o número de desaparecidos cresceu muito também. Vejam o Amarildo.” Nenhum torturador daditadura foi punido, observa Gilvan, e estão vivas e atuantes as mesmas forças que quebraram o país e que mataram os militantes de esquerda. Nossos símbolos nacionais ainda são inspirados na natureza – e na morte. “O gigante da américa do sul é selvagem. Golpista por natureza”, lamenta ele.
Leia aqui uma entrevista de Gilvan Barreto ao Sul 21.
A humanidade está ainda a anos luz da civilização. As atrocidades são uma constante na vida humana, e tudo em função de riqueza. O lado espiritual da vida restringe-se a frequentar igrejas onde a irmandade pregada acaba junto com a reunião. Nem podia ser de outra forma porque ao deixar o peito da mãe a criança entra no aprendizado de matar e destruir a fim de não ver nada de anormal quando os lacaios da economia se referem a seres humanos como material humano.
E ainda há os “não humanos” pedindo ditadura militar e apoiando esta ditadura jurídico-midiática.
Obrigado por falar sobre isso.