Na periferia, o nome da Arte é Liberdade
Publicado 23/08/2014 às 12:44

Intervenção do projeto Imargem, que articula arte, defesa do meio ambiente e convivência para enfrentar isolamento das comunidades às margens da Represa Billings, S.Paulo
Em São Paulo, Virada do Extremo Sul destaca papel da Cultura na lenta reconquista do espaço público, sequestrado durante décadas por medo, violência e preconceito
Por Joseh Silva
Como parte da cobertura compartilhada da Virada Sustentável 2014, o jornalista Joseh Silva analisa e coloca em debate a ocupação do espaço público a partir das bordas. Na quebrada, a ideia de direito à cidade é outra: significa, também, enfraquecer a cultura do medo. Pontos de resistência e formação surgem a partir dos saraus, coletivos de comunicação e cultura, movimentos espontâneos e organizados.
Em ambiente de opressão policial e violência, enfrentando o discurso segundo o qual quem está na rua procura problema, agentes marginais de transformação enfrentam a dispersão e se apropriam da rua como espaço de fazer política, conviver e existir.
No centro do debate e luta pelo direito à cidade, Joseh nos redireciona o olhar e nos faz a pergunta: para qual cidade estamos olhando?
Na periferia, a rua é um ambiente que transita entre o perigoso e acolhedor. Se trata de um lugar de abandono e acolhimento. Para muitos, na periferia, a rua tem conotação de violência. “’Menino a rua é perigosa’, gritava minha mãe quando eu pretendia ir para a rua à noite”, é o que diz Marcelo Paz, 22 anos, morador do Jardim Campo de Fora, região do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.
A violência histórica que a periferia sofre difunde e valida o medo entre seus moradores. Medo que cria, em muitos bairros, uma situação de cárcere social – no qual as pessoas se privam da própria liberdade por questão de sobrevivência.
Não se trata de uma situação de vitimização, mas, na favela, ao longo dos anos se construiu a ideia que “se a pessoa está na rua à noite, é vagabundo ou está fazendo algo de errado”, discurso que a própria periferia assumiu. Enquanto quem está nas ruas em bairros onde há maior concentração de pessoas da classe média alta, como a Vila Madelena, “está se divertindo”.
Há uma situação muito clara que evidencia isso: o dilema criado em cima dos pancadões que aconteciam em ruas da periferia. O Pancadão, nada mais é que um carro, ou alguns, com som ligado em alto volume, mas o ritmo que está tocando é funk estilo carioca. Ritmo ridicularizado por ser música de favela.
Nesses lugares, quando o efetivo da Polícia Militar é enviado para dispersão dos jovens que ocupam o espaço público para se divertir — sendo que quem deveria intervir é a Guarda Civil Metropolitana, Prefeitura e equipe do Programa de Silêncio Urbano (PSIU) –, bomba de gás lacrimogênio, spray de pimenta, bala de borracha, cassetete e opressão tomam conta do ambiente.
É por essa forma de tratamento repressivo que a periferia tem medo de frequentar, conviver o ambiente mais comum de uso coletivo – a rua. O que não é um preocupação em algumas bairros de classe média.
Durante os jogos da copa do mundo, a Vila Madalena foi tomada por estrangeiros. Causaram muitos problemas para a região, que não estava preparada para receber aquela quantidade de gente. Durante as confusões, causadas pela não dispersão dos torcedores — que queriam permanecer na rua –, policiais educadamente declamavam em seus megafones: “retirem-se, por gentileza”. O caso somente tomou os rumos de repressão aos 45 do segundo tempo. No centro, o estado opressor é exceção.
Com muita persistência, alguns coletivos, indivíduos e organizações estão conseguindo dar outro sentido para a rua — ressignificando este espaço. Por conta da contínua efervescência da cultura periférica, diversos grupos que atuam com linguagens artísticas estão mostrando seu trabalho de forma aberta para todos – e em algumas casos de graça.
Desde 2009, Anderson Verdiano Agostinho, 33 anos, organiza com amigos uma roda de leitura e exibição de filme em uma viela no Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo. O Imargem, coletivo atuante no extremo sul de São Paulo (Grajaú e Parelheiros) desenvolve trabalhos de artes visuais e diversidade voltados para o meio ambiente, já que a região é área de manancial. No dia 21 de junho deste ano, por exemplo, aconteceu na Cohab Adventista, centro do Capão Redondo, o Festival Percurso de economia solidária e cultura. Os exemplos não acabam, assim como não acabam as ações na quebrada, que apesar do plantio da repressão, assassinatos e ausência de políticas públicas, mostram que a periferia está colhendo bons frutos e fazendo seu trabalho de base.
Em agosto, o movimento Imargem participará da Virada Sustentável e, dentro dela, da Virada Sustentável no extremo Sul – do Grajaú a aldeia Tenondé Porã. Veja a programação aqui.