Moscou, um espetáculo de ruínas

Guia Rússia para o Turismo do Colapso mapeia os principais monumentos e edifícios da era soviética — e traça panorama crítico do urbanismo russo, entre a “utopia futurista” e a voraz especulação imobiliária. Sortearemos dois exemplares

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O ano do centenário da Revolução Russa marcou também as vésperas da Copa do Mundo de 2018. O país que sediaria o maior evento futebolístico mundial ainda enfrentava os conflitos econômicos e urbanísticos causados pelo fim da União Soviética, 27 anos antes. 

“Não garantimos a permanência de nenhuma paisagem aqui descrita por muito tempo”, avisa Rachel Pach, geógrafa e autora de Guia Rússia para o Turismo do Colapso, na abertura do livro publicado pela Editora Elefante. Pach fez uma imersão em Moscou em 2017 e registrou o colapso da utopia socialista de urbanismo e planificação, um “flagra do futuro” que coube ao futurismo russo. Prédios decadentes, canteiros gigantescos e reformas “hipsters” são o cenário de uma cidade consumida pela especulação imobiliária e convertida em “megamercadoria imagética”. 

Outras Palavras e Editora Elefante sortearão 2 exemplares de Guia Rússia para turismo do colapso. O formulário para concorrer será enviado por e-mail. As inscrições ficarão abertas até segunda-feira, 18/07, às 15h.

O construtivismo soviético é um acessório de empreendimentos imobiliários na Moscou moderna, onde nada é preservado. A esse cenário complexo, somavam-se os preparativos para a Copa do Mundo. “O mundial da FIFA replica em cada nova cidade-sede sua concepção de produção e comercialização do espaço urbano”, explica a autora, não só pela especulação imobiliária, mas pela especulação da “cidade vendida como imagem”. Nesse sentido, as tecnologias de telecomunicação têm um papel fundamental.

As fábricas automáticas de pão, cartões-postais da modernização promovida nos anos 1930 para deixar para trás as fomes da Rússia czarista, se tornam galerias repletas de estabelecimentos comerciais – sobrando, nos fundos, um mirrado museu do pão, que arranca alguns rublos dos turistas atraídos pelo imponente e vanguardista prédio da fábrica. Fica a imagem pálida de uma outra Moscou, desfigurada mas forçada a continuar existindo como espectro reanimado pelo mercado.

A aparência da preservação, portanto, se torna uma artimanha dos interesses do capital dos setores turístico e imobiliário. A autora nos conta do caso do prédio Narkomfin, pensado para abrigar as novas formas comunais de organização das casas e das famílias no socialismo, mas que hoje tem seus apartamentos alugados para artistas de classe média interessados no hype da nostalgia da estética soviética. Mesmo a construção de uma nova sociedade pode, no fim das contas, ser fetichizada e transformada em mais uma mercadoria. 

Com a conivência das autoridades municipais, amicíssimas dos donos de empreiteiras, a Copa acelerou todos esses processos. No alvo das empresas da construção civil desde a queda do socialismo, o estádio do Dínamo Moscou se torna palco de longas disputas judiciais sobre seu valor urbanístico. A solução, cômica se não fosse trágica, obedece ao padrão de uma destruição que não admite ser destruidora: o templo do futebol soviético pode ser demolido, mas o novo estádio a ser erguido no lugar – que pleiteia sediar a Copa – deve construir uma fachada idêntica.

O cenário é complexo. Se por um lado, a demolição dos edifícios construtivistas não pode ser confundida com algo que não seja o enterro da utopia modernista e popular a que eles serviram, Raquel Pach alerta que a nostalgia pelo cenário da urbe soviética está igualmente sujeita a ser governada pela lógica do capitalismo pós-moderno, que vende imagens e signos baratos pelo preço de projetos políticos caros à humanidade.

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