Morar, questão de direito – e resistência

Ocupação em São Paulo oferece teto para 120 famílias que não podem pagar aluguel, além de atividades culturais e de formação. Está ameaçada: a qualquer hora Prefeitura pode despejar moradores

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A Ocupação 9 de Julho, localizada no centro de São Paulo, não só oferece moradia para 400 pessoas que não podem pagar os abusivos alugueis da capital paulistana; também propicia transformar as histórias de moradores e moradoras do espaço. O Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) – que ocupa esse antigo prédio público que pertencia Instituto Nacional do Seguro Social, convertendo-o, por meio constantes lutas, em moradias sociais, mesmo sem reconhecimento do Estado — promove acesso a cursos universitários (uma parceria com a UNEAFRO), oficinas e cursos de capacitação para o mercado de trabalho e formação de cooperativas, além de atividades culturais e educacionais.

Porém, a ocupação está ameaçada de despejo. Em 2015, o Instituto de Previdência Municipal de São Paulo (IPREM) foi autorizado, por meio de uma lei municipal, a receber imóveis de propriedade do INSS, incluindo o prédio da 9 de Julho. A mesma lei também autoriza o IPREM a repassar essas propriedades para a Prefeitura utilizá-las “em programas de habitação popular, educação, saúde, cultura e direitos humanos”.

Em abril desse ano, depois de quatro anos de vigência da lei, o Diário Oficial da União publicou os extratos de escrituras na qual o IPREM recebe do INSS esse imóvel, onde vive 400 pessoas.

O risco agora é a Prefeitura pedir a reintegração de posse de uma propriedade que já cumpre, constitucionalmente, sua função social com a incerta promessa de, um dia, revertê-la para moradias sociais ou outras atividades.

“O MSTC, mediante a união de cidadãs e cidadãos sem teto, conseguiu garantir com organização popular o que é obrigação do Estado garantir: abrigar 121 famílias que moram na Ocupação 9 de Julho e desenvolver com elas, para elas e para a cidade, diversas atividades educacionais, culturais e de geração de renda”, afirma uma carta aberta da entidade, que busca estabelecer um canal de diálogo com as autoridades municipais para transferir a propriedade do imóvel ao moradores, em uma ação similar a realizada com o Hotel Cambridge.

Além disso, o MSTC destaca que um despejo afetará também a vida das 66 crianças que vivem com suas famílias na ocupação. “Despejar essas famílias significa que as crianças que hoje estão nas escolas e creches da cidade ficarão na incerteza de saber se conseguirão vaga em alguma instituição escolar, colocando em risco, para além do direito à moradia, o direito à educação, reconhecido na Constituição e na Convenção Internacional do Direito das Crianças, que hoje têm garantidos.

Moradias em falta

O centro de São Paulo possui diversos imóveis vazios ou subutilizados. Muitos abandonados por falta de manutenção (públicos ou privados) e, outros tantos, para especular, aguardando um bom momento em que a região se revalorizará. Enquanto isso, a cidade de São Paulo conta com um deficit habitacional gigantesco, necessitando, segundo informações do Plano Municipal de Habitação, divulgado em 2016, de 358 mil novas moradias para zerá-lo. Além disso, possui outros 830 mil domicílios localizados em assentamentos precários que necessitam de regularização fundiária e que precisam de algum tipo de melhoria.

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