Haddad perde outro pênalti
Publicado 13/01/2016 às 14:48
Alckmin volta a posar de paladino do Estado policial. Prefeito omite-se e desperdiça oportunidade rara de cumprir um papel renovador entre a esquerda
Por Antonio Martins
Dois fatos marcantes destacaram-se ontem em São Paulo, em mais um episódio de brutalidade policial contra manifestantes pacíficos. À direita, o governo estadual deu mostras de que não tem limites, em sua tentativa de defender, diante da crise, o Estado de Segurança. É algo assustador, porque está assumindo dimensões globais, como mostra o filósofo Giorgio Agamben, numa entrevista recente. Esperou-se que Fernando Haddad cumprisse papel contrário. Em vão. Omisso diante de um episódio que atinge sua imagem em cheio, o prefeito deu a entender que não acordou nem para a crueza dos embates políticos de hoje, no Brasil, nem para algo muito mais refinado: a busca de novos projetos pós-capitalistas.
Que não restem dúvidas: só uma autorização no nível mais alto da hierarquia do Estado permitiria à PM agir de modo tão semelhante ao 13 de junho de 2013. Mas às bombas e à pancadaria deflagradas sem qualquer pretexto, somaram-se um ingrediente emblemático. A polícia interferiu de modo direto no percurso do protesto. Bloqueou o trajeto escolhido pelos manifestantes, que queriam seguir pela Avenida Rebouças – onde seriam muito menores os efeitos sobre o trânsito e os riscos de confronto. Obrigou-os a rumar para o centro da cidade, onde situa-se a prefeitura. Redobrou a selvageria à medida em que, já dispersos, eles aproximavam-se do Viaduto do Chá, onde fica o gabinete de Haddad. Que pretendia? Em 2013, em circunstâncias idênticas, foi assim que um grupo provocador ganhou força para desafiar o Movimento do Passe Livre, depredou a prefeitura e esteve a ponto de invadi-la – sempre com a conivência da PM.
Haddad parece não ver – assim como não enxergou que ao elevar o preço das passagens de ônibus comportava-se como contador, não como sujeito capaz de gerar simbologias em favor dos direitos sociais e dos serviços públicos. Por que o prefeito, normalmente arguto e antenado, não vê o óbvio? Que viseiras bloqueiam seu olhar? É espantoso: um político empenhado em construir uma imagem de cosmopolitismo e atualidade permanece cego a um dos principais fenômenos contemporâneos, no universo da esquerda – ao qual ele se diz, às vezes, orgulhoso de pertencer.
Trata-se da combinação entre movimentos anticapitalistas de base e personagens que, de alguma maneira, os representam, na esfera institucional. Ocorre, por exemplo, na Espanha, onde a onda dos Indignados (2011), produziu o partido-movimento Podemos (2014) e, mais tarde (2015) as prefeituras-cidadãs de Barcelona e Madri. Espalhou-se para a Inglaterra e Estados Unidos, onde a juventude radical foi decisiva para a eleição de Jeremy Corbyn, como líder do Partido Trabalhista, e pode fazer do socialista Bernie Sanders o candidato do Partido Democrata à Presidência. Está presente em Portugal, e que a resistência aos programa de “austeridade” da direita (“ajuste fiscal”, no Brasil de Dilma Roussef) permitiu criar um governo que inclui do Bloco de Esquerda (pós-capitalista) e Partido Comunista ao Partido Socialista e aos Verdes.
Todas estas experiências são novas, heterogêneas e, talvez, precárias. Foi sempre assim: a transformação social é obra de antropofagia, para desespero dos defensores e da pureza. Mas expressa, também decisão: capacidade de enxergar, em cada momento, o movimento necessário para a virada.
O prefeito parece indeciso. Acende uma vela ao Comum, outra ao Capital. Escolhe João Whitaker, um grande defensor do Direito à Cidade, para a secretaria de Habitação; e anuncia que vai com Fernando Henrique Cardoso à ópera. Faz auditoria reveladora sobre a máfia do transporte urbano em São Paulo; e mantém a mesma política de aumento de tarifas que sustenta os mafiosos. Mantém com Alckmin uma estranha “parceria”, em que seu papel é claramente subalterno.
Esperava-se mais de alguém que quando jovem observava, arguto, a fossilização do socialismo burocrático…
Governar é muito difícil e desafiante e governar com responsabilidade histórica é mais ainda, por isso, concordo com a ideia de que o Haddad perde pênaltis e ignora a torcida. Mas como militante e credor desta gestão na cidade, pelo fato de representar o empoderamento dos espaços públicos e de planejar com um olhar de cidade para todos, tenho esperança que o prefeito faça gooools na política nacional e reeleja-se.
Não estou nada surpreso, esse é o PT. PT é mais ou menos de centro. Os mais locais parecem centro-esquerda, e os federais, centro-direita. O fato é que acham que têm de agradar a todos para se manter no poder e serem justos, só que há interesses de são inconciliáveis. A nível federal o PT ignorou isso, e agora está tendo essa crise política toda, correndo risco de perder o mandato e nunca mais voltar ao poder. É questão de tempo até o PT cair por todo lado.