A Venezuela divide o governo brasileiro

O chanceler e Eduardo Bolsonaro submeteram-se pateticamente a Washington. Militares evitaram, de novo, o pior. Oposição precisa convocar Ernesto Araújo a prestar esclarecimentos no Senado

Mourão e o chefe da <i>famiglia</i>: desconfianças crescentes

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O fracasso da nova tentativa de golpe de Estado na Venezuela trará, em breve, novos desdobramentos — em especial, nos EUA e no Brasil. À medida em passam as horas, emergem mais detalhes reveladores sobre os preparativos para a itentona e os personagens que nela se envolveram. No caso brasileiro, o episódio aprofundou a divisão entre duas alas do governo — a dos próprio Bolsonaro e a dos militares. E duas figuras ficaram a descoberto, pelo papel de conspiradores desastrados, que encenaram: o chanceler Ernesto Araújo e o deputado Eduardo Bolsonaro, principal elo de ligação entre a famiglia e seu guru-astrólogo, Olavo de Carvalho.

Ernesto Araújo estava em Washington, quando a tentativa de golpe foi deflagrada em Caracas. Que fazia na capital dos EUA, apenas um mês após a visita de seu chefe? E por que sua visita transcorreu de forma quase clandestina, sem anúncio, por parte do governo, de um movimento tão relevante para as relações exteriores do Brasil?

Por enquanto, há rastros. Em 30/4, véspera da patetada de Juan Guaidó, Araújo encontrou-se com os dois personagens do governo norte-americano mais envolvidos na tentativa de ruptura antidemocrática na Venezuela: o secretário de Estado, Mike Pompeo, e o assessor de Segurança Nacional, John Bolton. Saiu dos encontros esfusiante. Disse esperar “com grande expectativa” o que ocorreria na Venezuela, até o 1º de Maio.

Já o deputado Eduardo Bolsonaro rumou para… Pacaraima-RR, a cidade brasileira mais próxima à fronteira venezuelana. Lá, disse ser a favor de “toda e qualquer iniciativa” para derrubar o governo constitucional de Caracas, “inclusive com uso da força”.

Mas o chanceler e seu “segundo” não se limitaram a conspirar com a ala mais à direita no governo Trump. Num ato muito mais grave, eles tentaram, com base em informações falsas, envolver o Estado brasileiro na tentativa de golpe. Segundo o jornalista Tales faria, colunista do UOL, Araújo retornou a Brasília e levou, à reunião extraordinária convocada por Jair Bolsonaro, na manhã de terça, para tratar da Venezuela, os “fatos” que a Casa Branca queria propagar. Garantiu que o autoproclamado Gaidó tinha apoio militar. E sugeriu que o Brasil deveria apoiá-lo — não se sabe ainda por meio de que ações.

Foi, felizmente, contraditado pelos generais. Segundo Tales, destacou-se o general Mourão. Ele já foi adido militar na embaixada brasileira em Caracas e mantém relações no exército venezuelano — por isso, sabia que o chanceler fantasiava de modo interesseiro os fatos. A nota do colunista é eloquente: “não restou outra alternativa” a Bolsonaro a não ser aguardar o desenrolar dos fatos. Ou seja: houve quem defendesse outra posição.

O desenrolar dos acontecimentos deu razão aos militares. No meio da tarde, a posição oficial do governo foi exposta não por Mourão — talvez para evitar um confronto ainda maior com a famiglia — mas pelo general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Ainda assim, a fala foi franca e transmitiu recados. Gaidó “é fraco militarmente”; promoveu uma ação de “autopropaganda”; e “eles sabem que não vamos intervir”, sentenciou Heleno.

O mal estar pareceu se acirrar, na manhã desta quarta (1º/5). Bolsonaro participou de outra reunião com parte dos ministros militares. Fato simbólico muito revelador: não foram estes que se dirigiram ao Palácio do Planalto, mas o chefe (?) do governo que se deslocou ao ministério da Defesa… Ao final do encontro, o próprio presidente tentou esmurra os fatos (para ele, “não houve derrota” de Guaidó), mas ainda assim reconheceu que as possibilidades de intervenção do Brasil nos assuntos internos do país vizinho são “próximas de zero”.

Golpes de Estado fracassados deixam marcas. No Brasil, a sequela mais importante da patetada de Eduardo Bolsonaro e Ernesto Araújo parece ser o mais um ponto, na escalada de saturação dos militares no governo com a inépcia do presidente. Mas o que chanceler e um dos membros da famiglia tentaram não deveria passar impune. Caberia à oposição, no Senado, convocar o ministro das Relações Exteriores para esclarecimentos.

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