A revanche dos espaços públicos

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Jan Gehl, arquiteto que planejou recuperação do centro de Copenhague, sustenta: movimento para recuperar convívio urbano veio para ficar — e está se espalhando pelo planeta

Por Gabriela Leite

“Se você perguntasse aos habitantes de Copenhague, vinte anos atrás, por que iam ao centro da cidade, responderiam que para comprar. Hoje, diante da mesma pergunta, dirão que… por desejo”. Conhecido internacionalmente como o arquiteto que começou a remodelar o centro da capital dinamarquesa nos anos 1960, ao transformar uma avenida em rua para pedestres, Jan Gehl está otimista. Ele enxerga uma virada, nos últimos anos. Abandonados no tempo em que a cultura do automóvel mais se expandiu, os núcleos centrais de grandes metrópoles estão se revitalizando. Não é um movimento funcional: ninguém mais depende dos espaços públicos para se abastecer. Mas há, em todas as partes do mundo, nota Gehl, uma reapropriação dos lugares em que se pode con-viver.

O arquiteto, que completou 75 anos, expôs sua hipótese ao site norte-americano Alternet, numa entrevista recente. Ele explica: há cem anos, muito menos capazes de se deslocar pelo mundo, as pessoas recorriam a mercados, ruas de comércio, parques, praças e igrejas. Porém, a popularização dos automóveis encurtou as distâncias, ao longo do último século, transformando rapidamente a estrutura das cidades e os costumes dos que vivem nelas. Ao deixarem de ser essenciais, os espaços públicos urbanos perderam força. Em alguns lugares, praticamente desapareceram. São comuns cidades que cresceram sem parques, calçadas apropriadas, praças e lugares de convivência.

Foi uma conquista contraditória. Ao mesmo tempo em que se tornou possível alcançar lugares mais distantes, as ruas ficaram mais perigosas para pedestres e ciclistas. Aos poucos, o modelo passou a prejudicar também motoristas — aprisionados em automóveis com motores velozes, que se arrastam por avenidas suntuosas e… paralisadas.

A nova mudança, agora em sentido contrário, surgiu nos últimos anos. Existem iniciativas pelo ressurgimento dos espaços públicos em diversas partes do mundo. Vão muito além da própria Copenhague ou de Barcelona, que reconstruiu rapidamente os espaços de reunião após a queda da ditadura de Francisco Franco. Alguns exemplos: em Melbourne, na Austália, num esforço para deixar as ruas mais amigáveis para pedestres, calçadas foram alargadas; as margens do rio de Córdoba (na Argentina) foram transformadas em parques populares; Curitiba inovou com um sistema de ônibus rápido, livre ao menos em parte do trânsito; em Portland (EUA), a demolição de uma enorme garagem, transformada em praça, inaugurou a reconstrução de um centro vibrante…

Festa Junina no Minhocão, São Paulo, 01/07/2012 – um caso de reocupação social das ruas

Em boa medida, o movimento é impulsionado por lutas sociais urbanas. É o caso das bicicletadas, que acontecem em diversas cidades do mundo (e do Brasil) e reivindicam um trânsito mais justo e humano.

Para Jan Gehl, a chave para a retomada dos espaços públicos e da vida comunitária é entender que as pessoas têm, hoje, mais opções de lugares para ir do que antes. Isso amplia a exigência pela qualidade do espaço. E não apenas uma qualidade estética, que muitas vezes acaba escondendo a função básica do lugar. O arquiteto aponta doze passos para um espaço público agradável: entre eles, proteção contra o tráfego, lugares para exercício, prédios construídos em escala humana, árvores, rios, segurança e mobiliário urbano de qualidade.

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23 comentários para "A revanche dos espaços públicos"

  1. Douglas Oliveira Soares disse:

    Josenilton Graciano Tatala de Brito Tiago Charles de Lima Avelino Hora

  2. Sem dúvida é de fundamental importância a revitalização dos espaços públicos de convivência. Devendo ser pensado também a qualidade que esses espaços devem oferecer aos frequentadores. Basta de tanto automobilismo. Precisamos parar um pouco pra refletir sobre o papel do ser humano na sociedade com a preocupação de ampliação de suas necessidades.

  3. Boa Tarde!
    Confesso que quando li este artigo, pensei no Rio de Janeiro, não faz muito tempo praças importantes do eram gradeadas, como o patrimonio público não fosse público, acho que não só os carros são problemas, para que esta ideia vá à frente, teremos que discutir também valores humanos, não apenas um outro olhar, mas que ela não fosse um cidade partida, um abraço!

  4. Nossas elites são preguiçosas, ignorantes e truculentas…não aceitarão fácil esse tipo de democratização do espaço….

  5. Angela Mariana disse:

    Muito bacana! mas gostaria também de ver arquitetos com um olhar voltado para os espaços degradados da periferia! Aí sim,a cidade iria se transformando e se completando ! dependendo da inovação,talvez até num cantinho mais chique…

  6. Cleber E. Mafioletto disse:

    Um texto mais que educativo. Na minha pequena cidade Tubarão – SC – onde temos uma história rica – não temos um espaço cultural agradável e seguro para passear com a família ou até mesmo naquele seu momento único e raro da semana de relaxar e esquecer o cotidiano carregado. Parte pelo governo da prefeitura, que eleição pós eleição não toma o espaço à cultura como prioridade.
    Grande texto e serve de inspiração para outros que vivem numa situação como a minha!

  7. Falta citar o Rio de Janeiro com ao menos duas ações de conquista do espaço urbano: os 5 centros culturais no Centro da cidade, e toda a orla destinada ao lazer aos domingos..

  8. Muito interessante! Seria bom começar a executar este tipo de realocamento enquanto é cedo!

  9. As cidades realmente devem vir a ser espaço de convivio humano. Muito boa a proposta do arquiteto JAN GEHL.

  10. mto massa Raíza, obrigado pela indicação!

  11. André Luiz Pereira, Luiz Gustavo Porto, Renata Torraca, Grace Kelly

  12. Zé Elias Domingos, Mariah Lima, Leser Mc, Renata Prado, Coletivo Óbvios Mexidos, Andrew Henrique

  13. Victor Yuri Mandala, Vinícius Barros, Tatiana Barros, Leo Otero, Jonas Paschoalick, Nathália Fernandes, Rafael Vital, Tomate Renato Vital

  14. Interesante pensamento.
    O movimento citado pelo arquiteto foi fruto de uma vontade poolitica costruida a mais de 40 anos. Se tivermos vontade politica, podemos construir isso e ter os beneficios daqui a 20 anos, mas eh um movimento que comeca agora, pois a mudanca de mentalidade eh um progresso lento, e convencer bresileiros em plena fase de expansao de mercado de consumo interno que o carro nao eh a melhor opcao de transporte (e que as ruas nao sao feitas apenas para os carros) nao eh algo facil. Eh um processo que a Europa demorou 40 anos para atingir.
    Vontade politica e mudanca de mentalidade………

  15. A busca por cidades com mais espaços de convivência, torna a vida mais humana e menos mecânica. Interessante o texto.

  16. Muito elucidativo esse texto

  17. Rosana Cabral Zucolo disse:

    Mais do que na hora de se pensar as cidades para as pessoas , não para os carros!

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