Reindustrialização: o passo crucial que faltou

Governo lança nova política para resgatar a indústria nacional. No entanto, as ações concretas dirigiram-se mais ao empresariado. Restou uma lacuna: como gerar emprego digno diante das transformações tecnológicas que tendem a “poupar” mão de obra

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O evento ansiosamente aguardado hoje (22/1) transcorrido, o lançamento da nova política pública de reindustrialização do Brasil pelo governo Lula, pode ser dividido em cinco partes.

Na primeira, o vice-presidente Alckmin, responsável pela elaboração da proposta de neoindustrialização atribuída a um consenso entre governo, trabalhadores e empresários, mencionou seus principais componentes.

Ficaram claros na sua exposição os benefícios concretos, muitos dos quais avaliados física, monetária e financeiramente, para o empresariado. Os benefícios que serão advindos para os trabalhadores foram citados de maneira muito menos concreta, quase que se reduzindo a declarações de intenção.

Na segunda parte falaram os dois outros atores que junto com o governo teriam participado da elaboração da proposta.

Falou primeiro o representante dos trabalhadores. Expressando sua confiança de que esses benefícios venham a ser de fato concretizados, e ressaltando alguns pontos positivos para a economia e a sociedade com um todo, ressaltou um especialmente importante para os trabalhadores. Talvez lembrando o fato de que renovações do parque produtivo como a que se propõe tendem a ser, em todo o mundo, poupadoras de mão de obra, e por não ter sido dito como a neoindustrialização pretende evitar essa tendência histórica, ele chamou a atenção para a necessidade de geração de emprego. Denominando-a provocativamente de uma “necessidade social”, ele destacou a sua importância para a efetiva sustentabilidade.

Em seguida, falou o representante dos empresários. Como no caso anterior, não houve nenhum questionamento a respeito do que havia sido apresentado. Duas passagens de sua fala merecem destaque. A primeira quando, endossando uma leitura aparentemente correta do estatuto conferido à proposta e tendo como referência o êxito do processo de industrialização via substituição de importações, ele destacou sua expectativa de que ela seja colocada como o eixo em torno do qual deverão gravitar as outras políticas públicas. O outro destaque se refere à sua declaração “não acreditamos em políticas compensatórias”. Correndo o risco de descontextualização, sugiro que ela talvez deva ser entendida como uma declaração de que medidas concernentes ao imperativo da reindustrialização como as que vêm sendo defendidas pela proposta de Reindustrialização Solidária, não são bem-vindas pelo empresariado.

A terceira parte do evento constou da exposição de vários das pessoas que parecem ter liderado as equipes que participaram da elaboração da proposta. Nela foi apresentado com muito conhecimento de causa o que cada expositor, integrante da tecnocracia de esquerda, têm feito e gasto para materializar a proposta da reindustrialização empresarial. Das suas apresentações decorrem três observações. A primeira, é que boa parte do que foi dito (em especial o que se referiu a declarações de intenção, etc.) já era de pleno conhecimento dos presentes. E, também dos relativamente poucos, a julgar pelo que rolou no chat, daqueles que estavam assistindo. A segunda, é que mais do que ser informado sobre o que estava sendo feito, o que quem assistia gostaria de saber era qual o efeito sinérgico que as “missões” esperam ter, em conjunto, sobre os macro objetivos econômicos e sociais declarados. A terceira observação diz respeito à impressão que deixou em quem assistia. Paradoxalmente, ao mostrar coisas ocorridas antes de que a proposta existisse, ela podia ser entendida como um apanhado de programas ex-ante concebidos.

A quarta parte constou da assinatura, pelo presidente Lula e os ministros envolvidos, de iniciativas governamentais concernentes à neoindustrialização; coisa que pareceu confirmar essa impressão.

Na quinta parte, falou o Lula. Iniciou desculpando-se pelo atraso, seu e do ex-governador Rui. Não falou, mas os acontecimentos que culminaram com a agressão miliciana aos indígenas na Bahia devem ter sido a causa do compreensível atraso. O destaque, aqui, foi geopolítico. Ele mencionou que o protecionismo crescente deveria ser levado em conta por quem ali tanto enfatiza a exportação. Talvez, por exclusão, tenha desejado enfatizar o que a neoindustrialização deveria fazer para recuperar o poder de compra dos trabalhadores.

Fica aqui esta primeira impressão. E, no meu caso, a expectativa de que a proposta de Reindustrialização Solidária que vem sendo discutida, entre outros âmbitos, nos Setoriais de CTI/TI e Economia Solidária do PT, possa contribuir para o esforço de reindustrialização que o país necessita.

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