Água: sob pressão, BNDES dialoga

Centenas de manifestantes questionam, na sede do banco, apoio financeiro oferecido à privatização do saneamento. William Nozaki, assessor da presidência, dialoga. Mercadante pode abrir, enfim, negociações

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Apesar de massiva presença de sindicalistas, uma manifestação realizada nesta quinta-feira, 23/11, em frente à sede do BNDES, no centro do Rio, não pleiteava aumentos de salário.

Convocada por federações e sindicatos de urbanitários ligados à CUT e à CTB e pelo Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), a manifestação contou com diversos oradores que se sucederam afirmando que na sigla BNDES “o ‘S’ é de social e não de privatização” e denunciando que a conduta do Banco não mudou mesmo com o presidente Lula tendo afirmado em sua campanha que o papel do Banco em seu governo seria alterado, não mais financiando as privatizações de empresas públicas.

Representantes da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e de associações de moradores de comunidades do Rio aproveitaram a ocasião para denunciar que as já precárias condições de abastecimento de água pioraram depois da privatização dos serviços de água e esgoto do Estado, aliás modelada e financiada pelo BNDES no governo Bolsonaro.

Os pronunciamentos repercutiram os fatos enumerados em recente carta aberta ao Presidente Lula assinada por 158 entidades, entre sindicatos de trabalhadores do setor, movimentos sociais e populares, ONGs e entidades acadêmicas, que comprovam que o BNDES continua a beneficiar escancaradamente as concessionárias privadas, como fez o governo anterior de Jair Bolsonaro e que os recursos do FTGS não tem sido usados para financiar os investimentos necessários à universalização dos serviços de água e esgoto.

A carta aberta reivindica que o governo federal por meio dos bancos públicos que controla (como o próprio BNDES, a Caixa, o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste) retomem e ampliem o financiamento das empresas estaduais e municipais e das autarquias municipais de água e esgoto.

Afirma a carta que o BNDES não somente vem construindo as modelagens para a privatização de companhias estatuais de saneamento básico, como vem privilegiando a concessão de empréstimos às empresas privadas. Entre 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro e 2022 somente uma empresa pública, a SANEPAR (PR), conseguiu ter acesso à financiamento do banco. Neste primeiro ano do governo Lula o volume de investimentos alocados pelo BNDES para o setor privado continua volumoso, destacando-se a subscrição de debêntures de empresas privadas, no valor de R$3,7 bilhões. A carta traz ao final sete pontos propondo mudanças na atuação do Banco.

A repercussão da iniciativa facilitou que uma equipe do banco designada pelo seu presidente, Aluísio Mercadante, e coordenada por William Nozaki, assessor especial da presidência do BNDES, recebesse uma comissão das entidades organizadoras do ato.

Na reunião os representantes das entidades e movimentos reforçaram a necessidade de o BNDES resgatar seu papel de Banco de Desenvolvimento Social, indutor do desenvolvimento social e do fortalecimento da prestação pública do saneamento básico. Foram apresentadas críticas a política do banco que através de modelagens orientadas pelo modelo de outorga onerosa induz os estados a optarem pela privatização de suas companhias estaduais com forma de obter recursos livres para investimentos que, na maioria das vezes, se destinam a ações que não tem a ver com a universalização do saneamento, e que, inclusive, serviram para financiar projetos políticos dos governadores e prefeitos.

Foi feita a crítica à ausência de um programa de apoio aos prestadores públicos, tanto Companhias Estaduais como Serviços Municipais. Os representantes dos trabalhadores do Rio de Janeiro e o representante dos moradores da zona oeste trouxeram diferentes problemas referentes à atuação das empresas privadas no Rio de Janeiro, notadamente no atendimento da população das favelas e comunidades. Também foi levantada a exclusão da obrigação de atendimento das áreas rurais dos contratos de concessão. Sobre esse ponto os representantes do banco afirmaram que apoiam a formulação dos contratos de concessão, mas que a palavra final com relação a pontos como modelos tarifários, valor pago à CEDAE pela água tratada, e atendimento às favelas seriam de responsabilidade do governo do estado e municípios, e da agência reguladora. Foi contra-argumentado que a base dos contratos e a modelagem formulada pelo Banco deveria equacionar tais questões.

Os representantes do banco afirmaram que o banco age com rigor de um banco tradicional e que a taxa de juros hoje praticada faz com que ocorra pouca procura de financiamento do banco pelos prestadores públicos. Afirmaram também que o BNDES atua de forma a garantir o retorno financeiro dos recursos aplicados nos processos de privatização, com contratos que são estruturados de forma que haja o cumprimento do que foi acordado antes do atendimento aos interesses dos acionistas das empresas privadas no que diz respeito à distribuição do lucro.

A equipe do BNDES reconheceu, porém, que essa linha de atuação se tornou a única opção do último governo e afirmou que a atual direção trabalha para resgatar o papel exercido durante os primeiros mandatos de Lula e Dilma quando houve um expressivo número de contratos com prestadores públicos. Mas, entendem que a universalização passa necessariamente por associação entre investimentos públicos e privados.

Os representantes do ONDAS questionaram a inadequação da licitação de contratos de concessão baseados no critério de maior valor pago a título de outorga onerosa. Os representantes do banco reconheceram que esse não é o melhor modelo, mas que hoje ele é o que é induzido pelos marcos legais, o que não é verdade.

Não foi difícil perceber que uma mentalidade privatista e liberal continua presente entre parte dos técnicos do BNDES e que a pressão por mudanças precisa continuar.

De todo modo, a equipe do banco concluiu afirmando que há compreensão e acordo com grande parte da abordagem feita pelas entidades. Como encaminhamento foi proposto e aceito a criação de um grupo de interlocução que possibilite a discussão das propostas e sugestões defendidas pelas entidades na carta manifesto, sendo considerado um encontro com o presidente do BNDES, Aloisio Mercadante, para dar sequência a esses debates buscando ter, na instituição, o indispensável apoio ao projeto de universalização do acesso ao saneamento no qual a prestação pública é essencial.

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