Tundisi: “Contaminação da lama por metais chegará até o ser humano”

riodoce

Informações nos jornais sobre impactos no ser humano do maior desastre ambiental da história do Brasil estão dispersas, e não ganham destaque nas capas

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

O Estadão ofereceu apenas dois parágrafos, no fim de um texto sobre os impactos da lama da Samarco em Mariana (MG), para a opinião do ecólogo José Galizia Tundisi, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Instituto Internacional de Ecologia. Ele é até cuidadoso ao falar do assunto, pois não se sabe ainda se a contaminação química atingiu os lençóis freáticos.

Mas dispara: “A provável contaminação de lama por metais terá consequências em cascata, porque vários animais se alimentam de outros que foram contaminados. Esse ciclo alimentar chega até o ser humano, com efeitos cumulativos”.

Tundisi publicou mais de 200 trabalhos em revistas especializadas. Atuou como consultor em 40 países. É especialista em recuperação de represas e no planejamento regional baseado em recursos hídricos. Presidiu o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e é membro da Ordem Nacional do Mérito Científico.

AGROTÓXICOS

A professora Beatriz Missagia, doutora em Saneamento, Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais, explicou ao UOL que a lama levou esgoto e agrotóxicos das terras por onde passou. “Essas substâncias aceleram a produção de algas e bactérias, que rapidamente cobrirão as lagoas, formando um tapete verde que impede a fotossíntese dentro d’água”, explicou. “Se não há fotossíntese, não há oxigênio. Sem oxigênio os animais, vegetais e bactérias não têm chance de sobreviver”.

O portal fez ontem manchete significativa: “Restaurar natureza tomada por lama é impossível; rio Doce pode desaparecer“. Ela fez pesquisa sobre biodiversidade no Rio Doce e calcula em pelo menos 20 anos o tempo necessário para reverter parte do processo. “Restaurar será impossível”, afirmou. “É uma catástrofe”. O ambientalista Marcus Vinicius Polignano, professor da UFMG, confirma: “O dano provocado no ecossistema é irreversível”.

MERCÚRIO

A Folha deste domingo traz chamada para o desastre em Mariana no pé da primeira página, em chamada escondida pela cobertura do massacre na França. Mas esconde no meio do texto interno a informação de que 500 mil pessoas na região estão com as torneiras secas, porque não se pode captar a água do Rio Doce.

O jornal ouviu também o biólogo André Ruschi. Ele foi um dos primeiros a alertar – como repercutiu este blog na quarta-feira – sobre os impactos, por mais de um século, do rompimento das barragens. Ele não hesita em defini-lo como o maior desastre ambiental da história do país e constata que muitas espécies animais e vegetais já foram extintas.

Lá pelas tantas, o texto informa que o rejeito de mineração de ferro, “segundo especialistas” (não identificados), é composto por terra, areia, água e resíduos de ferro, alumínio e manganês. E diz que a composição não é considerada tóxica para humanos. Mas que a lama funciona como uma esponja, arrastando outros poluentes para dentro do rio.

Resultado: altos níveis de mercúrio em amostras de água coletadas em Governador Valadares (MG). “Elementos como mercúrio têm efeito cumulativo”, diz Ruschi, repetindo a informação de Tundisi. “Uma vez ingeridos, vão passando de um ser vivo a outro na cadeia alimentar, concentrando-se cada vez mais”. O jornal não informa de onde teria vindo esse mercúrio.

Um biólogo da UFMG, Ricardo Coelho, explica ao jornal que pode demorar a aparecer a contaminação dos organismos por determinados tipos de metais e outros poluentes. “Mas esse impacto pode permanecer durante anos em todo o rio Doce”.

A Samarco (da brasileira Vale e da anglo-australiana BHP Billinton) disse à BBC Brasil que o material despejado – e que destruiu um povoado inteiro em Mariana, onde viviam 500 pessoas – “não apresenta riscos à saúde pública e ao meio ambiente“.

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4 comentários para "Tundisi: “Contaminação da lama por metais chegará até o ser humano”"

  1. ROSE TORRES. disse:

    Não é preciso existir lei de censura no Brasil, o medo de cada jornalista em divulgar a verdade já funciona muito bem .

  2. Lisone Knuth disse:

    Pouco foi noticiado sobre o fato na tv e não desconsiderando a tristeza daqueles que perderam entes queridos pq a mídia brasileira televisiva noticia por demais este fato? Eh pq nós que sofremos com a calamidade de Minas Gerais e tbm hj deveria comemorar a proclamação da república temos o Corcovado iluminado pelas cores da bandeira de outro país e não do nosso?

  3. Arthur Araujo disse:

    Parece que é preciso que se concretizem as tragédias anunciadas para que as pessoas se conscientizem e tomem posições mais efetivas. É o caso da tragédia de Mariana que agora devasta toda a região do Rio Doce. Nos últimos dias estudantes secundaristas e alunos da Universidade Federal do Espírito Santo têm realizado atos de protesto contra a Samarco e a Vale, mas também, como ocorreu segunda-feira 16/11 quando manifestantes encerraram uma passeata com cartazes a respeito daquela catástrofe em frente a sede da Rede Gazeta em Vitória ES, empresa afiliada à Rede Globo, já que a mesma, como era de se esperar realiza a cobertura do fato de forma a fazer crer que se tratou de uma fatalidade, buscando assim diminuir ou tirar a responsabilidade das costas da empresa mineradora. Torçamos para que apesar dos danos irreparáveis em todos os aspectos causados pela catástrofe, pelo menos um ganho em termos de crescimento da conscientização e da disposição para mobilizações que possam obstaculizar as ações predadoras e criminosas do modelo econômico que só beneficia a poucos e traz miséria e morte para milhões.

  4. CRISTIANE KAMPF disse:

    Na minha opinião deveríamos dizer “CRIME” ambiental, não “desastre” ambiental. CRIME. O que estas empresas fizeram e fazem é criminoso e isto tem que ser dito.

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