Quanto vale a cultura? Dos R$ 350 mil de Claudia Leitte a um filme sobre a catástrofe em Mariana
Publicado 19/02/2016 às 05:28
A captação de recursos pela cantora, via Lei Rouanet, reacende debate sobre financiamento cultural; antes de sua distorção existe um sequestro das pautas
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
De um lado, Claudia Leitte quer biografar Claudia Leitte. Valor pretendido: R$ 356 mil. A verba chegou a ser aprovada pelo Ministério da Cultura, conforme a Lei Rouanet. O ministro Juca Ferreira já avisou que vai barrar a liberação; a própria Claudia disse que desistiu. Mas a notícia sobre o caso reacendeu o debate sobre financiamento da cultura. É razoável uma cantora com visibilidade global se beneficiar, de alguma forma, de recursos públicos polpudos para celebrar seu narcisismo? A sociedade que chiou contra a leitura de poemas por Maria Bethânia – com financiamento similar – apoiará a pretensão da popstar?
Do outro lado, Aline e Helena pretendem retratar Ricardo e Marlon. Eles são moradores de Bento Rodrigues, o povoado em Mariana (MG) destruído pela mescla de lama e resíduos da mineradora Samarco. Perderam tudo com o rompimento da barragem, em novembro. Aline Lata e Helena Wolfenson tentam captar R$ 50.650 por vaquinha coletiva, pelo site Catarse, para retratar, a partir da vida dos dois jovens, a catástrofe socioambiental. O filme se chamará “Rastro de Lama“. Essa verba se refere a uma das etapas do projeto, que prevê imersão das duas cineastas em Minas e no Espírito Santo e a realização de um curta.
As duas histórias sintetizam movimentos diversos da cultura brasileira. Seja no campo dos objetivos, seja no campo dos métodos utilizados para a captação de recursos. E há alguma coisa invertida nesse sistema de equações. A primeira delas diz que 1 x 1 = 350. A segunda equação diz o seguinte: 2 x 2 x um povoado inteiro x a maior catástrofe ambiental do Brasil = 50. Não se trata apenas de uma distorção na lei cultural, no fato de que a Lei Rouanet caducou (e de que a sociedade perdeu seu discernimento). Existe um outro tipo de rapto. Um rapto da pauta.
Porque, com tudo isso, estamos discutindo Claudia Leitte. Sim, temos de utilizar o caso como motivo para rediscussão dos paradigmas. Mas, por enquanto, estamos a discutir Claudia Leitte, tornando a tentativa dela de obter R$ 350 mil talvez um dos casos mais empolgantes de sua biografia precoce. Não estamos discutindo Ricardo e Marlon, os dois perfis que Aline e Helena escolheram para sintetizar a catástrofe de Mariana. Não apenas Ricardo e Marlon: mas as centenas ou milhares de Ricardos e Marlons espalhadas pelo território que esperam a vez de serem retratados, esmiuçados.
A cultura brasileira foi sequestrada. Sim, em um conceito mais amplo ela está lá, indomável, manifestando-se apesar dos apertos financeiros, improvisada num batuque e num spray, em um bloco insurrecto ou em um verso teimoso do rap. Mas a cultura brasileira percebida pelos meios de comunicação foi sequestrada pelo poder político e econômico, a serviço de uns poucos privilegiados. O Ministério da Cultura e o jornalismo cultural e a percepção das supostas elites culturais sofrem do mesmo drama, do mesmo vício de origem. A história oficial da cultura brasileira se repete como arremedo.
É claro que estamos simplificando o fenômeno, em torno de dois casos emblemáticos, para efeitos didáticos. A última fase da captação de Aline Lata e Helena Wolfenson prevê captação de recursos por edital. E elas ainda não representam os excluídos dos excluídos do circuito do financiamento cultural. Mas a questão é que elas não terão essa publicidade espontânea que tem Claudia Leitte, que terá reforçado a sua marca (em meio a esse metaclaudioleitismo da cultura brasileira) mesmo perdendo a boquinha dos R$ 350 mil. Os meros mortais da cultura precisam passar o chapéu várias vezes, enredar-se num arsenal de burocracia para tentar manifestar sua arte.
Existe aí um problema de agendamento da notícia misturado com a distorção do modelo de captação de recursos. Este mesmo artigo terá sido lido pela maioria por causa de Claudia Leitte, não por causa de Aline ou Helena ou de Ricardo e Marlon ou por causa do massacre social, ambiental, agrícola e cultural (por exemplo, destruição de obras sacras) promovido por uma mineradora em Mariana. Assim como não conhecemos o nome nem de 1% das etnias indígenas brasileiras. Giramos midiaticamente em torno de uns poucos umbigos alheios, como se Nelson Rubens fosse o grande crítico cultural do país, sob o patrocínio da Vale.
E chegou a hora de rever esse enredo.
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O nome do ministro é Juca Ferreira, corrige aí
Ops, corrigido!
O nome do ministro é Juca Ferreira, corrige aí
Ops, corrigido!
sim… estamos sempre por aí…
sim… estamos sempre por aí…
Por favor leia esse ensaio sobre as relações estruturais formadas no modelo de fomento atual. Acredito que para além das relações, e dos erros de reflexibilidade da sociedade meritocrata dependente destes recursos, existem outros fenômenos que são consolidados na micro estrutura, e que ocorrem anteriormente já na elaboração destas leis, dos editais, da escolha de juris, e da distribuição de recursos, que no geral só atendem as elites de classes. Segue um texto com um pouco de teoria aplicada a observação participante, que me permitiu identificar um fato social total.
A lei tem que mudar, mas isso não resolve tudo, pois como você mesmo revelou, existem privilegiados. Como opera o sistema de privilégios?
Espero que o que revelo some na sua opinião. Abraço
http://www.vermelho.org.br/noticia/190855-11
Manoel
(membro do CNPC)
Artigo completo, Manoel, recomendo a leitura.
Por favor leia esse ensaio sobre as relações estruturais formadas no modelo de fomento atual. Acredito que para além das relações, e dos erros de reflexibilidade da sociedade meritocrata dependente destes recursos, existem outros fenômenos que são consolidados na micro estrutura, e que ocorrem anteriormente já na elaboração destas leis, dos editais, da escolha de juris, e da distribuição de recursos, que no geral só atendem as elites de classes. Segue um texto com um pouco de teoria aplicada a observação participante, que me permitiu identificar um fato social total.
A lei tem que mudar, mas isso não resolve tudo, pois como você mesmo revelou, existem privilegiados. Como opera o sistema de privilégios?
Espero que o que revelo some na sua opinião. Abraço
http://www.vermelho.org.br/noticia/190855-11
Manoel
(membro do CNPC)
Artigo completo, Manoel, recomendo a leitura.
Excelente texto. Gostaria da autorização para pública-no no nosso Blog.
Sds
Mauricio Vergne
Olá, Maurício, claro. Com menção e link para o texto original. Abraço.
Excelente texto. Gostaria da autorização para pública-no no nosso Blog.
Sds
Mauricio Vergne
Olá, Maurício, claro. Com menção e link para o texto original. Abraço.