Filme sobre povo Guarani em SP ilustra opressão fundiária contra indígenas

Documentário de Thiago Carvalho sintetiza visões opostas de mundo, e conceitos diferentes de território, ao relatar conflitos no Pico do Jaraguá, em plena metrópole

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Logo na abertura do filme “Atrás da Pedra – Resistência Tekoa Guarani” (2016), o líder indígena David Karai Popygua pergunta: “Como a gente vai comprovar documento se foi tirado o direito da gente ter a nossa terra?” O documentário de Thiago Carvalho parte da luta do povo Guarani M’Bya em São Paulo, na região do Jaraguá. Mas diz muito sobre o paradoxo – imposto por nossa civilização – relativo ao direito dos povos originários ao próprio espaço. “A gente foi expulso muitas vezes do nosso território, e hoje a gente não vai aceitar. Vai resistir e vai permanecer”.

Carvalho retrata em 31 minutos a sequência de absurdos relativa à Aldeia Tekoa Pyau, que quase foi despejada, no ano passado, e garantida temporariamente por uma portaria declaratória relativa à demarcação das terras indígenas. Sucessivas decisões judiciais davam ganho de causa ao advogado Antonio Tito Costa, ex-deputado constituinte, que aparece no filme garantindo: “Nunca houve índios nessa região. Nunca!” (Uma antropóloga e a Funai confirmam a existência histórica de povos indígenas no local.) Ele diz que os indígenas foram colocados, “eles não têm vida lá”.

VIDAS INVISÍVEIS

O filme acaba de sair do forno. Não será divulgado na Globo. E vale bem mais do que qualquer edição do Profissão Repórter. Repórteres de todo o país se esquecem dos conflitos relativos a povos indígenas, confinando essa temática – salvo espasmos ocasionais da grande imprensa televisiva – a produtores independentes. O cinema substitui o jornalismo em seu papel de retratar a realidade brasileira. E não se trata apenas do escanteamento de uma narrativa sobre um conflito específico. É como se o nosso universo audiovisual perdesse vozes e cores essenciais à identidade nacional.

Ainda no início do filme, Tupã Mirim explica a importância da terra para os indígenas. “Sem a terra a gente não tem como sobreviver em nosso modo de vida. Não tem como ter os nossos alimentos, as nossas casas, a nossa saúde e o que a gente sempre busca, que é a preservação da natureza”. O diretor alterna as falas das lideranças indígenas com imagens da terra, da natureza e dos alimentos. Em outras palavras: apresenta as conexões que os brancos perderam – e que certas letras jurídicas e gélidas fazem questão de ignorar.

IDEIAS EM DISPUTA

Corta para a fala de um branco: Tito Costa. Com livros ao fundo, ele reivindica as terras como propriedade de sua família e diz que, até recentemente, não havia “essa amolação”. Essa amolação seria a entrada dos indígenas. “A terra nos pertence”, afirma, antes de invocar o sistema decimal. “São 72 hectares”. Corta para o Cacique Karai, que associa o conceito de território indígena às palavras “cultura” e “respeito”. A oposição entre as falas é extremamente representativa do ponto de vista geográfico. São duas visões de mundo em disputa.

E essa é também uma questão midiática. Sintomático que, enquanto David Popygua explica o processo de pilhagem das terras indígenas ao longo da história do Brasil, apareça reprodução de um site alternativo, o Amazônia Real, informando sobre os milhares de indígenas mortos durante o regime autoritário de 1964. E não uma notícia da Folha, ou do G1. Estes, de vez em quando, se lembram de retratar uma ou outra história pelo país. Mas logo tudo volta à configuração dominante – aquela que perpetua os interesses de figuras como Tito Costa.

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4 comentários para "Filme sobre povo Guarani em SP ilustra opressão fundiária contra indígenas"

  1. Elizabeth Sales de Carvalho disse:

    Meu apoio aos índios. Não nos esqueçamos que os brancos tiram-lhes a terra e as referências. Agora é época de correções de erros do passado. não se justifica mais injustiças em pleno século XXI. Coisas que já aceitamos, não podemos aceitar mais, em nome da justiça.

  2. Elizabeth Sales de Carvalho disse:

    Meu apoio aos índios. Não nos esqueçamos que os brancos tiram-lhes a terra e as referências. Agora é época de correções de erros do passado. não se justifica mais injustiças em pleno século XXI. Coisas que já aceitamos, não podemos aceitar mais, em nome da justiça.

  3. Arthur Araujo disse:

    Tudo o que os diferentes grupos indígenas brasileiros vêm sofrendo demonstra bem quão criminoso foi e continua sendo a forma de colonização imposta pelos ditos “civilizados” e seu modelo capitalista predatório. Pretender apagar e exterminar os povos e cultura nativos significa tentar apagar ou negar boa parte de nossa origem e cultura.

    pretender

  4. Arthur Araujo disse:

    Tudo o que os diferentes grupos indígenas brasileiros vêm sofrendo demonstra bem quão criminoso foi e continua sendo a forma de colonização imposta pelos ditos “civilizados” e seu modelo capitalista predatório. Pretender apagar e exterminar os povos e cultura nativos significa tentar apagar ou negar boa parte de nossa origem e cultura.

    pretender

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