A esquerda no Brasil: dividida ou adesista?

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Racha no PSTU, um partido sem representação no Congresso, e costura petista com deputados que derrubaram Dilma não deixam de ser duas faces da mesma moeda

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

O professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, do Departamento de Geografia da USP, costuma citar uma frase da qual desconheço o autor original, sobre as divisões no campo da esquerda: “A esquerda no Brasil não existe. Mas já está dividida”.

É uma blague. Uma piada. Mas significativa. Não é que a esquerda não exista, claro. Apenas se reafirma como minoritária. Com dificuldades para obter hegemonia. Para não dizer derrotada. Mesmo que se chame de esquerda o projeto petista que chegou ao poder – e foi derrubado em abril e maio pelo Congresso.

A frase ganha atualidade quando a gente observa que o PSTU acaba de rachar. O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados, trotskista, que surgiu de uma corrente do PT, a Convergência Socialista, dividiu-se em dois. Agora está desunificado. Detalhe: o partido não tem nenhum deputado. Tem uma certa penetração nas universidades, no movimento estudantil (e não em todo o país), alguma inserção sindical, por exemplo em São José dos Campos.

Mas a divisão do PSTU tem gerado ampla discussão em setores da esquerda. Há quem a lamente. Mesmo discordando das posições do partido. E há quem faça troça, como se soubesse desde o início, com um misto de ceticismo e espírito de vingança. Como se comemorassem a Lei da Divisão à Esquerda: “A esquerda no Brasil não existe, mas já está dividida”.

Na outra ponta temos o projeto político que chegou ao poder. Não há como negar que o PT tenha origem à esquerda. Como alternativa às disputas do Partido Comunista (que, no Brasil, teve um racha entre PC e do PC do B), que seria implodido nos anos 90 por um presidente chamado Roberto Freire. Essa cauda à esquerda ainda existe – mas em alguns casos parece ficar cada vez mais distante.

O PT surgiu do movimento sindical, da Igreja e dos movimentos populares. Ficou 13 anos no poder. E foi apeado por um golpe palaciano. A ser confirmado em agosto, claro. Mas, por enquanto, foi apeado do poder. Há quem considere esse projeto petista de esquerda, pela histórica diminuição da desigualdade. E há quem abomine essa definição, pela adesão ao modelo burguês, pelo desenvolvimentismo (palavra-chave para se entender Dilma Rousseff), por não ter bancado reformas estruturais (política, agrária). E pelo complicado pacto de seus líderes: com o universo político arcaico e com o mundo empresarial.

Outro fato desta semana ajuda a entender as contradições do PT. Está nas manchetes dos jornais. Lula estaria ajudando a bancar a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ), um golpista, à presidência da Câmara. Contra o candidato bancado pelo ocupante interino do Planalto, Michel Temer. Como uma forma de rachar o governo golpista? Não importa: para quem tem um mínimo de purismo, trata-se de uma investida que pouco tem a ver com utopia e resistência. E sim com um pragmatismo que combina mais com as estratégias de quem quer conservar o status quo: a direita.

No balanço dessas movimentações, temos no campo da esquerda um pêndulo elástico e ao mesmo tempo frágil. O milagre da multiplicação de concessões à direita (política para banqueiros, empreiteiros, latifundiários, empresas do agronegócio), por um lado, e o milagre da intolerância a posições divergentes em partidos da esquerda tradicional, como nesse racha do PSTU.

É claro que está em xeque o sistema partidário. Como ser de esquerda no século 21 e aderir a dogmas? Você é do PSTU e é, por exemplo, contra o golpe, o golpe que derrubou Dilma. O que o faria continuar no partido? Você é do PT e é contra tudo o que foi feito nos últimos anos. O que o faria continuar no partido?

Mas os dilemas estão postos mesmo para quem tenta colocar um verniz de abertura na estruturação partidária. Caso da Rede, de Marina Silva. Problema inicial já nesse enunciado: a Rede “de Marina Silva”. Que decidiu sozinha – sem ouvir a base de seu partido – apoiar a candidatura de Eduardo Campos à presidência, e depois voou pelo PSB acenando com posições muito caras à direita, como a independência do Banco Central.

A desqualificação das pessoas, característica central de nosso debate político, à direita e à esquerda, não ajuda muito nesse processo. “Marina é de direita”. “Lula é de direita”. E assim por diante. Com demonizações de um ou de outro que chegam a ser cruéis, ou sórdidas. Não é preciso fazer muito esforço para se ouvir ou ler comentários equivalentes relativos a lideranças dos partidos menores, de Luciana Genro (PSOL) a Zé Maria (PSTU).

“A esquerda no Brasil não existe, mas está dividida”. Dividida em relação a itens básicos. Seja o golpe comandado pela direita mais reacionária deste país (essa que considera trabalhar 80 horas por semana uma hipótese razoável), seja a própria existência da democracia.

E nem estou falando ainda dos movimentos multiculturais, em boa parte pós-modernos, ligados a causas como o feminismo, o racismo, gênero. Os rachas são eloquentes, muitas disputas são feitas na base de xingamentos, desqualificações. Quando não movidas por “cala a boca”, literalmente, por interpretações curiosas do conceito de “poder de fala” daqueles historicamente excluídos – as mulheres, negros, gays etc.

Enquanto isso, a direita avança a largos passos. No máximo se esboçam algumas iniciativas reativas (observem a palavra, “reativas”), à esquerda, conforme alguma declaração de político ou de personalidades. A esquerda está memetizada – e dividida. Com seu esboço de revolução movida a bumerangues. E, com isso, a caravana da direita passa em velocidade crescente, às gargalhadas.

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