A materialidade grotesca da Internet

Longe de habitar um espaço neutro e etéreo, a comunicação global exige intensa infraestrutura: data centers (já há 196 no país), estações e cabos submarinos. Mapa revela as contradições de um modelo concentrado, seletivo e ambientalmente oneroso

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A ideia de que a internet habita um “éter” leve, imaterial e suspenso em nuvens é uma construção mítica amplamente difundida pelo discurso tecnológico hegemônico. Longe dessa fantasia de fluidez e pureza, o funcionamento da rede depende de uma infraestrutura pesada, altamente material e profundamente territorializada. Por trás da retórica das “nuvens” existe uma complexa e densa malha de cabos submarinos, estações terrestres e imensos data centers que constituem a verdadeira espinha dorsal do sistema de comunicação global.

Essa infraestrutura não apenas desafia a noção de imaterialidade, como também revela relações de poder, disputas geopolíticas e impactos socioambientais frequentemente invisibilizados. Cada cabo subaquático e cada megacomplexo de armazenamento de dados demanda grandes quantidades de energia, ocupa territórios específicos e, muitas vezes, impõe dinâmicas econômicas assimétricas entre corporações transnacionais e comunidades locais. Dessa forma, desmonta-se a fabulação do “virtual” como algo neutro e etéreo, evidenciando que a internet é, antes de tudo, profundamente física, desigual, politicamente situada e consumidora de recursos naturais.

Atualmente, o Brasil possui 196 data centers em operação, distribuídos de maneira assimétrica ao longo do território nacional. Observa-se uma forte concentração dessas infraestruturas na região Sudeste, seguida pelas regiões Sul e Nordeste. Tal padrão espacial evidencia a lógica histórica de centralização e acumulação dos equipamentos de produção no país, reforçando desigualdades estruturais que marcam as dinâmicas territoriais brasileiras.

A localização desses empreendimentos tende a se consolidar em áreas consideradas estratégicas, especialmente aquelas que dispõem de mercados consumidores mais robustos, maior densidade tecnológica e infraestrutura econômica consolidada. Nesse sentido, a distribuição dos data centers não apenas atende às demandas de conectividade e processamento de dados dessas regiões, como também aprofunda as disparidades regionais ao privilegiar espaços já integrados às redes globais de circulação de capitais e serviços digitais.

A seguir, apresenta-se o mapa de localização dessas instalações.

Figura 1: Localização datas centers

Fonte: Data Center Map, 2025.

A análise do mapa evidencia que São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Fortaleza constituem, respectivamente, os principais polos de concentração de data centers no Brasil. Essa distribuição espacial expressa uma lógica estruturante de centralização da infraestrutura digital em territórios que já dispõem de vantagens competitivas históricas — como maior disponibilidade e estabilidade energética, oferta hídrica, conectividade robusta e densidade de serviços tecnológicos. Tais fatores operam como condicionantes para o funcionamento contínuo desses equipamentos e, simultaneamente, aprofundam a desigualdade regional no acesso às bases materiais que sustentam a economia digital.

A assimetria territorial observada não reflete apenas a dinâmica do mercado tecnológico e financeiro; ela também evidencia a persistente concentração de investimentos em regiões históricas de maior capital econômico e infraestrutura consolidada. Dessa forma, a distribuição dos data centers ajuda a reproduzir um padrão de desenvolvimento seletivo, que privilegia alguns centros urbanos enquanto marginaliza áreas que permanecem à margem das redes de inovação e conectividade avançada.

As informações foram obtidas no portal internacional Data Center Map, de origem dinamarquesa, cuja função é atuar como diretório global de data centers, provedores de nuvem e de conectividade. O portal opera simultaneamente como plataforma de pesquisa e como ambiente de negócios, permitindo o cadastramento de centros de dados por empresas privadas, a consulta de informações técnicas e a comparação entre provedores. Embora ofereça um panorama abrangente da geografia dos data centers, trata-se de uma base de dados alimentada majoritariamente pelo mercado, o que evidencia o papel central das corporações privadas na produção e circulação dessas informações estratégicas — e, por extensão, na definição das prioridades territoriais associadas à infraestrutura digital.

Além dos dados técnicos, o Data Center Map disponibiliza informações sobre condições ambientais e riscos naturais das regiões onde esses empreendimentos estão situados. No caso brasileiro, destacam-se fatores como secas recorrentes no Nordeste e enchentes e geadas eventuais no Sul. A presença desses indicadores demonstra que o setor privado reconhece os riscos climáticos que podem comprometer a estabilidade do funcionamento dos servidores. No entanto, tal reconhecimento nem sempre se traduz em políticas públicas ou processos de licenciamento ambiental rigorosos.

A instalação de data centers demanda elevadíssimos volumes de energia elétrica e água para refrigeração, configurando uma pressão significativa sobre recursos essenciais, especialmente em territórios já marcados por vulnerabilidades socioambientais. A ausência de estudos de impacto ambiental robustos e a fragilidade dos mecanismos regulatórios ampliam esses riscos, evidenciando as contradições de um modelo de desenvolvimento tecnológico que avança de forma acelerada, mas desarticulada das necessidades socioambientais e das desigualdades regionais.

No Nordeste, a concentração de doze dos dezenove data centers em operação no município de Fortaleza explicita essas dinâmicas. O município consolidou-se como um dos principais pontos de conexão internacional do Brasil graças à sua posição geoestratégica e ao papel da Praia do Futuro como área de ancoragem de cabos submarinos de fibra óptica. Segundo informações do portal Olhar Digital, cerca de dezesseis cabos submarinos estão ancorados na capital cearense, conferindo-lhe o status de um dos mais importantes hubs de conectividade da América Latina. Essa conformação territorial projeta Fortaleza como nó central nas rotas globais de transmissão de dados.

A localização geográfica também exerce papel determinante: Fortaleza é um dos pontos do litoral brasileiro mais próximos dos Estados Unidos, da Europa e da África. O leito oceânico estável, a baixa sedimentação e a disponibilidade de espaço físico na Praia do Futuro favorecem a instalação das infraestruturas de aterramento. Além disso, o avanço da produção de energia renovável no Ceará  notadamente eólica e solar reforça o interesse de corporações globais em instalar data centers na região, alinhando custos energéticos mais competitivos com estratégias de “sustentabilidade” empresarial.

Entre os cabos submarinos que conectam o Brasil ao restante do mundo, destacam-se o AMX-1, o BRUSA, o Monet e o EllaLink, todos com presença estratégica em Fortaleza. Outros pontos de ancoragem relevantes incluem Santos (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS), compondo uma rede que estrutura a circulação global de dados e orienta a disputa territorial entre grandes empresas de tecnologia e telecomunicações. A proximidade entre data centers e estações de aterramento de cabos reduz custos operacionais, minimiza perdas de transmissão e aumenta a competitividade das corporações, reforçando a importância geopolítica desses territórios.

Assim, a expansão dos data centers no Brasil, ao mesmo tempo em que sustenta o crescimento da economia digital, revela as contradições de um modelo concentrado, seletivo e ambientalmente oneroso. Esse processo evidencia que a infraestrutura digital, frequentemente apresentada como abstrata ou imaterial, está profundamente enraizada em disputas territoriais, desigualdades históricas e impactos socioambientais ainda insuficientemente discutidos no âmbito das políticas públicas.

Figura 2: Malha de Cabos Submarinos

Fonte: Submarinecablemap.com, 2025.

Desse modo, infere-se que a distribuição espacial dos data centers no território brasileiro não é aleatória, mas responde a uma lógica global de produção, armazenamento e circulação de dados que expressa, simultaneamente, interesses econômicos, tecnológicos e geopolíticos. A localização dessas infraestruturas materializa um processo de apropriação territorial e tecnológica no qual o espaço é transformado em ativo estratégico, frequentemente dissociado das dinâmicas históricas, sociais e culturais das populações que nele vivem.

Essa apropriação manifesta-se, ainda, na exploração intensiva de recursos naturais especialmente água e energia, essenciais para a operação contínua dos servidores. Em contrapartida, os investimentos efetivamente revertidos para o território nacional permanecem limitados.

A consolidação desses empreendimentos reforça, portanto, um padrão de desenvolvimento que reitera, sob novas bases tecnológicas, a lógica do colonialismo contemporâneo. Trata-se de um modelo marcado pela dependência em relação a tecnologias e infraestruturas controladas por corporações transnacionais, pela subordinação econômica decorrente de regimes fiscais altamente favoráveis às empresas privadas e pela crescente concentração do poder informacional. Assim, a expansão dos data centers no país, embora inserida no discurso da modernização digital, acaba por reproduzir desigualdades estruturais, aprofundando a vulnerabilidade socioambiental e a assimetria nas relações de poder que caracterizam a inserção periférica do Brasil na economia digital global.

Referencias


DATA CENTER MAP. Brazil Data Centers – 196 Facilities from 61 Operators. Disponível em: https://www.datacentermap.com/brazil/. Acesso em: 9 dez. 2025.

OLHAR DIGITAL. Como Praia de Fortaleza se tornou o principal hub de internet do Brasil. Olhar Digital, 23 jun. 2025. Disponível em: https://www.olhardigital.com.br/2025/06/23/internet-e-redes-sociais/como-praia-de-fortaleza-se-tornou-o-principal-hub-de-internet-do-brasil/. Acesso em: 9 dez. 2025.

SUBMARINECABLEMAP.COM. SubmarineCableMap – Landing Stations & Submarine Cable Map. Disponível em: https://www.submarinecablemap.com/. Acesso em: 09 dez. 2025.

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