EUA: A hora de Alexandria Ocasio-Cortez?

Fenômeno de popularidade e doações, liderança de esquerda encarna a esperança de renovação de um Partido Democrata em crise. Mas sua ascensão expõe o racha com a velha guarda. Haverá espaço para a agenda progressista ou o establishment a sabotará, como fez com Sanders?

Foto: Tom Williams
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A congressista estadunidense Alexandria Ocasio-Cortez superou seus colegas da Câmara dos Representantes em termos de arrecadação no primeiro semestre de 2025. Ela conseguiu US$ 15,4 milhões, segundo a organização OpenSecrets, que rastreia o dinheiro utilizado na política dos Estados Unidos.

Diferentemente do Brasil, nos EUA é possível para um congressista arrecadar de forma oficial recursos mesmo fora do período eleitoral, no decorrer de seu mandato, por meio de comitês oficiais de campanha. No primeiro trimestre de 2025, Ocasio-Cortez arrecadou a quantia recorde de US$ 9,6 milhões, mais que o dobro do seu recorde anterior para um período de três meses. As doações dispararam após o início de sua turnê com o senador Bernie Sanders, no final de fevereiro. Os dois, na turnê conhecida como “Fighting Oligarchy Tour” (Turnê de Combate à Oligarquia, em tradução livre), têm se colocado na linha de frente do Partido Democrata na oposição ao governo de Donald Trump, trazendo ainda para o centro do debate público temas como a desigualdade, a justiça social e a luta contra o poder das grandes corporações no país.

Além dos recursos (em média, dois terços vindo de pequenas doações individuais), fundamentais para qualquer pretensão política em um país onde o dinheiro é determinante, os comícios feitos em conjunto com Sanders animaram e trouxeram esperança a cidadãos desiludidos com a atual gestão federal, mas, em especial com a baixa capacidade de reação do estabilishment da cúpula democrata em relação aos republicanos.

Essa intensa movimentação confirmaria que o futuro quase imediato de AOC não seria uma tentativa de reeleição para a Câmara e sim um voo mais alto.

Senado ou Casa Branca: a próxima batalha de AOC

Uma matéria do site Axios, em setembro, apontava que uma decisão sobre seu destino político já havia sido tomada por ela e sua equipe, que tenta viabilizar dois caminhos: o Senado ou a disputa pela nomeação como candidata à presidência dos EUA.

Caso opte pela Câmara Alta, seu embate será com um veterano democrata: seu colega nova-iorquino, Chuck Schumer, de 74 anos, líder da minoria na Casa. Além de um confronto geracional em vista dos 35 anos de AOC, seria um duelo entre congressistas que têm desempenhado papeis distintos na oposição a Trump. Se a deputada ganhou ainda mais relevância participando da organização de eventos em diversas cidades de seu estado e fora dele, Schumer foi questionado em função do cargo de liderança que exerce, com inúmeras críticas a respeito de sua pouca assertividade para coordenar ações que pudessem barrar as iniciativas da gestão republicana, incluindo as nomeações e questões orçamentárias.

Uma pesquisa realizada pelo Data for Progress entre 26 a 31 de março deste ano com prováveis eleitores primários democratas em Nova York revelou Ocasio-Cortez venceria Schumer por 19 pontos de vantagem. A sondagem mostrou ainda que, àquela altura, os entrevistados consideravam as “ameaças à democracia” a questão mais importante para seu voto, seguida por “programas como Previdência Social e Medicare” e “economia, empregos e inflação”. Um total de 84% demonstravam seu descontentamento ao afirmar que os democratas em Washington não estavam fazendo o suficiente para enfrentar Trump e o movimento Maga (Make America Great Aganin).

Um partido em crise existencial

A aparente vulnerabilidade de uma figura tão proeminente como Schumer, no entanto, é apenas um sintoma de uma insatisfação mais ampla presente no eleitorado democrata em todo o país. Esse cenário de descontentamento generalizado abre caminho para uma possível candidatura de Ocasio-Cortez à nomeação de seu partido para a disputa presidencial, caminho já trilhado por Bernie Sanders em 2016 e 2020. Em ambas as ocasiões, o senador, a despeito de um amplo apoio popular, em especial entre jovens antes apartados do debate público, enfrentou a cúpula da legenda que agiu de maneiras diversas para barrar sua nomeação. Agora, a história poderia ser diferente.

Mais do que em momentos anteriores, o partido vive uma espécie de crise existencial ao não encontrar uma estratégia para fazer frente a Trump. De fato, como indica uma pesquisa divulgada em julho pelo Wall Street Journal, 63% dos eleitores têm uma opinião desfavorável da sigla, com apenas 33% aprovando, o que é sua pior performance em mais de três décadas. Mesmo diante de um governo republicano com índices modestos de popularidade, os democratas conseguem se sair pior do que o atual presidente e sua legenda. “A marca democrata é tão ruim que eles não têm credibilidade para serem críticos de Trump ou do Partido Republicano”, explicou o pesquisador democrata John Anzalone, que trabalhou no levantamento com o republicano Tony Fabrizio. “Até que eles se reconectem com os eleitores reais e os trabalhadores sobre quem eles apoiam e qual é a sua mensagem econômica, eles vão ter problemas.”

AOC trabalha com pautas que fazem essa conexão, como o Medicare for All, a implementação de um sistema de saúde público e universal, e o Green New Deal, ambicioso plano de transição para uma economia verde, bandeiras de campanhas anteriores de Sanders e também presentes no seu mandato, além de defender a abolição da Immigration and Customs Enforcement (ICE), agência federal responsável pela fiscalização imigratória e deportações. A sua presença nas redes sociais, um dos maiores ativos da extrema direita estadunidense e dos extremistas de outras partes do mundo, também a credencia como uma interlocutora que faz sua mensagem chegar onde outras figuras da legenda falham.

“Sua equipe gastou mais em publicidade digital do que quase qualquer outro político em 2025 e, como resultado, eles trouxeram centenas de milhares de novas doações de pequenos dólares”, disse ao Axios o autor do boletim de mídia e política Chaotic Era, Kyle Tharp. “Ela também viu um crescimento orgânico recorde nas mídias sociais, adicionando vários milhões de novos seguidores no Instagram, TikTok, Bluesky, X e Facebook.” Nestas plataformas, ela acumulou 36,7 milhões de seguidores.

Clamor por mudança

Como pontua matéria do Common Dreams, uma pesquisa realizada no mês passado por Jacobin, Data for Progress e o DSA Fund mostrou que 58% dos democratas preferiam o socialismo democrático em vez do capitalismo, e optavam por candidatos como Ocasio-Cortez e Sanders em relação a líderes do establishment, como Schumer e o líder da minoria da Câmara, Hakeem Jeffries. Além disso, 70% dos entrevistados concordaram com a afirmação de que o sistema econômico dos EUA é “manipulado a favor das corporações e dos ricos”, incluindo 67% dos independentes e 58% dos republicanos.

O clamor por uma mudança mais efetiva do ponto de vista político pode ser constatado ainda em um levantamento realizado em junho pela Reuters/Ipsos, que trouxe a avaliação de 62% dos eleitores democratas de que a liderança do partido deveria ser substituída por novas pessoas. Em termos de pautas, uma outra pesquisa divulgada em dezembro anotou que 62% dos estadunidenses acreditam que o governo dos EUA tem a obrigação de garantir que todos no país tenham cobertura de saúde. Em conjunto, esses números não apenas validam a plataforma de Ocasio-Cortez, mas também revelam um profundo descompasso entre as demandas do eleitorado e a atual liderança do partido.

Os dados mostram ainda a importância do legado de Sanders e de outros parlamentares do campo que conseguiram introduzir e consolidar temas fundamentais para uam sociedade tão desigual quanto a estadunidense. E realizar a conexão entre essas propostas e as necessidades das pessoas, algo que o candidato democrata à prefeitura de Nova York, o socialista Zohran Mamdani, também conseguiu em sua campanha. Embora a realidade política oscile com o tempo, ainda mais em cenários conturbados, tudo indica que existe uma via sólida para Ocasio-Cortez trilhar seu caminho para uma eventual candidatura à Casa Branca. É preciso observar se os defensores do “Antigo Regime” do Partido Democrata vão tentar criar mais uma vez obstáculos aos progressistas, mesmo sob o risco de fazer ruir a própria legenda perante a ameaça trumpista.

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