Varoufakis: Quem precisa de Marx em 2025?

No século XIX, ele já havia descrito a alienação – um fenômeno que se agigantou e agora nos oprime como nunca. Talvez dissesse, diante do capital contemporâneo: “Corporações querem espoliar nossos cérebros, mas podemos retomar o controle”

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Por Yanis Varoufakis | Tradução: Antonio Martins

Uma jovem que conheci recentemente observou: o que a enlouquecia não era o mal absoluto, mas as pessoas ou instituições que, tendo capacidade de fazer o bem, agem, em vez disso, para prejudicar a humanidade. Seu comentário me fez pensar em Karl Marx, cuja crítica ao capitalismo era exatamente essa: não tanto por ser explorador, mas por nos desumanizar e alienar, apesar de ser uma força tão portadora de progresso.

Sistemas sociais anteriores podem ter sido mais opressivos ou exploradores que o capitalismo. No entanto, só sob a lógica do capital os seres humanos fomos tão completamente alienados do que produzimos e da natureza; tão separados de nosso trabalho; tão privados até mesmo de um mínimo de controle sobre o que pensamos e fazemos.

O capitalismo, especialmente após entrar em sua fase tecnofeudal, transformou-nos em versões de Caliban ou Shylock — mônadas num arquipélago de egos isolados, com qualidade de vida inversamente proporcional à abundância de bugigangas que nossas máquinas de novidades produzem.

Os jovens sentem isso. Mas a reação contra imigrantes e a política identitária os paralisam – para não falar na distorção algorítmica de suas vozes. É aqui que Marx reaparece com conselhos para superar essa paralisia — bons conselhos, soterrados pelas areias do tempo.

Tomemos o argumento de que as minorias no Ocidente devem se deixar assimilar, para não nos tornarmos uma “sociedade de estranhos”.

Aos vinte e cinco anos, Marx leu um livro de Bruno Bauer, um pensador que respeitava, defendendo que os judeus alemães deveriam renunciar ao judaísmo para obter cidadania.O argumento de Bauer era que os alemães careciam de liberdade. Ele, então, perguntava: “Como podemos libertar vocês, judeus?”. Como alemães, prossegui, os judeus tinham o dever de ajudar a emancipar os alemães e a humanidade como um todo —, não de lutar por direitos específicos como judeus. Marx ficou furioso.

Embora o jovem Marx não tivesse apreço pelo judaísmo ou por qualquer religião, sua demolição apaixonada do argumento de Bauer é inspiradora:

“Façamos a pergunta inversa: A defesa da emancipação política dá o direito de exigir do judeu a abolição do judaísmo e do homem a abolição da religião? […] Assim como o Estado evangeliza quando […] adota uma atitude cristã em relação aos judeus, o judeu age politicamente quando, mesmo sendo judeu, exige os mesmos direitos civis [dos alemães].”

O truque que Marx nos ensina aqui é como combinar o compromisso com a liberdade religiosa — de judeus, muçulmanos, cristãos etc. — com a rejeição total da presunção de que, numa sociedade de classes, o Estado possa representar o interesse geral.

Sim, judeus, muçulmanos, pessoas ligadas a fés que talvez não compartilhemos ou apreciemos devem ser emancipados imediatamente. Sim, mulheres, negros, pessoas LGBT+ devem ter direitos iguais muito antes de qualquer revolução socialista surgir no horizonte. Mas a liberdade exigirá muito mais que isso.

Sobre imigrantes que supostamente ajudam a reduzir os salários dos trabalhadores locais — outro campo minado para os jovens hoje —, uma carta de Marx de 1870 a dois colaboradores em Nova York oferece pistas brilhantes para lidar não só com os Nigel Farages do mundo, mas também com esquerdistas que morderam a isca anti-imigração.

Em sua carta, Marx reconhece plenamente que os patrões americanos e ingleses exploravam deliberadamente a mão-de-obra barata dos imigrantes irlandeses, colocando-os contra os trabalhadores nativos e enfraquecendo a solidariedade laboral.

Mas, para Marx, era contraproducente os sindicatos voltarem-se contra os imigrantes irlandeses e adotarem narrativas anti-imigração. Não, a solução nunca foi banir trabalhadores imigrantes, mas organizá-los.

E se o problema for a fragilidade dos sindicatos ou a austeridade fiscal, a solução nunca pode ser transformar os migrantes em bodes expiatórios.

Falando em sindicatos, Marx também tem conselhos excelentes para eles. Sim, é crucial aumentar salários para reduzir a exploração dos trabalhadores. Mas não devemos cair na fantasia dos salários justos. A única maneira de tornar o local de trabalho justo é acabar com um sistema irracional baseado na separação rígida entre aqueles que trabalham mas não possuem e a minoria ínfima que possui mas não trabalha.

Em suas palavras: Os sindicatos funcionam bem como centros de resistência contra os ataques do capital. [Mas] eles fracassam por se limitarem a uma guerra de guerrilha contra os efeitos do sistema vigente, em vez de tentar mudá-lo.

Mudar para o quê? Uma nova estrutura corporativa baseada na autonomia do trabalho – o tipo de agenda que pode realmente inspirar os jovens que anseiam por liberdade tanto do estatismo quanto das corporações controladas pela lógica dos fundos de gestão de riquezas ou por um dono ausente que talvez nem saiba que é dono de parte da empresa onde trabalham.

Por fim, a atualidade de Marx brilha quando tentamos entender o mundo tecnofeudal no qual as Big Techs, junto com o Grande Capital Financeiro, nos aprisionam sorrateiramente. Para entender por que isso é uma forma de tecnofeudalismo – algo muito pior que o capitalismo de vigilância –, precisamos pensar como Marx pensaria sobre nossos smartphones, tablets etc. Vê-los como uma mutação do capital, supostamente “capital em nuvem”, que modifica diretamente nosso comportamento.

Compreender como avanços científicos alucinantes, redes neurais fantásticas e programas de IA que desafiam a imaginação criaram um mundo onde, enquanto a privatização e o rentismo espoliam toda a riqueza material ao nosso redor, o capital em nuvem se dedica a espoliar nossos cérebros. Só pela lente de Marx podemos entender de verdade: para sermos donos de nossas mentes individualmente, precisamos possuir coletivamente o capital – inclusive o que se disfarça em nuvens.

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Um comentario para "Varoufakis: Quem precisa de Marx em 2025?"

  1. Adilia Mesquita Maia disse:

    “para sermos donos de nossas mentes individualmente, precisamos possuir coletivamente o capital – inclusive o que se disfarça em nuvens.”
    Muito acertado e nao podia estar mais de acordo! O problema é como chegamos lá? Que estrategias priviliegiar, como nos organizarmos, que modelo podemos pelo menos esboçar ?
    Com todo este volunraismo subjacente à analise aqui feita, esquecemos que temos de analisar as condiçoes materiais que na terceira decada do seculo XXi existem e como podemos aproveitá-las.
    Ora em relaçao a estas pungentes questoes o silencio da esquerda é penosamente ruidoso!

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