Marco Weiss, o jornalismo perde um pensador

Destacou-se no jornalismo independente e na cobertura dos Fóruns Sociais Mundiais. Quis ajudar a construir um mundo novo. Não chegou a vê-lo. Na vida, não há batalhas finais. Por isso, lutamos

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Faltavam dois ou três dias para a abertura do primeiro Fórum Social Mundial (FSM), em 2001, e eu me despedi de Marco Weissheimer num dos elevadores da PUC, em Porto Alegre. Ele iria comemorar 35 anos naquela noite. Havíamos nos conhecido dias antes, por intermédio de Andrea Loparic, que também nos deixou antes da hora. Fora uma descoberta feliz. Marco, que havia cursado Lógica com Andrea, tinha a abertura para o que o Fórum significava para a criação de uma nova cultura política de esquerda; mas, ao mesmo tempo, a ponderação para saber que o novo não poderia emergir sem diálogo com o antigo. Escrevia e pensava com clareza, refinamento e ousadia.

Os dias do FSM, em seguida, foram memoráveis em sua loucura. As novas gerações perdem muito por não tê-los vivido. Nas manhãs e tardes, ativistas e pensadores de todo o mundo debatiam e se encontravam, nos corredores da universidade. Uma concepção política muito inovadora permitia que qualquer um/a propusesse sua atividade e a comunicasse a dezenas de milhares de pessoas de todo o mundo, presente em Porto Alegre. Mas, para garantir a diversidade, cada iniciativa comprometia apenas os que nela se engajassem. Não havia disputas em torno de uma declaração final. Foi nesse ambiente que se gestou, por exemplo, o movimento que terminou derrotando a ALCA, a área de “livre” comércio que os Estados Unidos queriam estender do Polo Norte à Patagônia. Foi aí também, em 2003, que aí se tramou o que alguns dizem ter sido a maior manifestação popular da História. Convocadas a partir do FSM, em 15 de fevereiro, milhões de pessoas, em centenas de países, moveram-se contra a invasão do Iraque pelos EUA.

Os Fóruns se estendiam por cinco dias, e nas respectivas noites nos encontrávamos nos bares de Porto Alegre. Eram jornadas longas, nas esquinas da Cidade Baixa. Além de Marco, de Adriana e de Katarina, conheci nestes bares Jefferson Assumção, Wilson Sobrinho, Paulo César Rosa e Zilda, Silvia Lisboa, Lucilene Breier e Clarissa Pont e, por meio destas, uma galáxia de pessoas que acreditavam: outro mundo possível estava ao alcance da mão. Bastava lutar, e esquecer os fantasmas da hierarquia.

Depois de 2018, quando o capitalismo enfrentou a grande crise dobrando sua aposta, ficou claro como estas ilusões eram fúteis. Demoramos a compreender e penso que ainda não tiramos as consequências. Deixei Carta Maior, onde Marco permaneceu como editor, por algum tempo. Quando vinha a São Paulo, ficava na casa minha e de Rita, em Pinheiros. Não havia mais Cidade Baixa. Fechávamos os dias tomando as poucas cervejas em lata que comprávamos à noite, nos supermercados da Praça Panamericana. Anos mais tarde, iniciei Outras Palavras. Ele, depois do blog RS Urgente, engajou-se no Sul21.

O câncero tocou em 2012, quando já estávamos distantes. Nos encontramos de modo fugaz, em Porto Alegre, em janeiro de 2014, numa das edições, já então apequenadas, do FSM. Não falamos da doença. Me lembro bem: ele me recomendou consumir menos carboidratos e trocar a cerveja pelo vinho. Ao final da conversa, dividi um táxi com Maria Inês Nassif até o hotel, próximo ao Mercado Municipal e à estação do metrô.

Há dois anos, por meio do Facebook, soube que o câncer voltara. Marco postou crônicas sobre o tratamento. A doença o tragou, aos 60, neste sábado. Quis ajudar a construir um mundo novo. Não chegou a vê-lo. Na vida, não há batalhas finais. Por isso. lutamos

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