Por que falham as tentativas de conter cigarros eletrônicos

Apesar de o Brasil manter a proibição, consumo aumenta (em especial entre os jovens), e já ameaça reverter conquistas da luta antitabagista. Indústria busca disfarçar-se de “moderna”, mas pesquisas mostram novos danos à saúde

.

A 10ª reunião da diretoria colegiada da Anvisa, realizada em 6 de julho, manteve a proibição da comercialização de cigarros eletrônicos no Brasil. No entanto, uma pesquisa realizada pelos epidemiologistas Neilane Bertoni e André Szklo, do Instituto Nacional do Câncer (Inca) relata que há cerca de 1 milhão de consumidores dos chamados Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) e o acesso a tais produtos só aumenta no país, em especial entre jovens.

“Já há estudos a confirmar danos do cigarro eletrônico à saúde, pois é um produto com várias substâncias tóxicas, que aumentam o risco de eventos cardiorrespiratórios, como o infarto do miocárdio, inclusive em períodos de tempo mais curtos do que anteriormente. Às vezes, as pessoas fazem uso até mais intensivo do que fariam com cigarros convencionais. Alguns deles têm concentração de nicotina maior que cigarros tradicionais e aumentam a dependência e os danos”, explicou ao Outra Saúde a psicóloga Mônica Andreis, diretora da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT). 

Mônica concorda com a manutenção da proibição dos DEFs, por considerar que diferentes estudos já demonstram uma composição de potencial mais nocivo em relação aos produtos tradicionais. “O aquecimento do líquido no dispositivo produz um aerossol no qual já foram detectadas quase 2 mil substâncias, muitas tóxicas e a maioria desconhecida”, explicou Paulo Corrêa, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), em reportagem da Agência Fapesp

Correa se refere aos materiais que compõem o cigarro eletrônico, produzidos a base de lítio, com fluidos diversos que fazem parte da carga do produto, muitos dos quais inclusive expandem o leque de doenças potenciais para além das pulmonares.

E, como em certa altura do século passado, a indústria tabagista se esmera em convencer as pessoas de que o consumo deste tipo de cigarro seria muito menos nocivo. O que tem tido um efeito notável: como noticiou o jornal O Globo, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), relatou aumento do consumo de cigarro entre adolescentes de 13 a 17 anos. 

“Há o apelo da novidade e da tecnologia, muitas vezes associado a equipamentos eletrônicos com os quais jovens são familiarizados. Fica muito claro para nós se tratar de uma tentativa de as empresas se reinventarem diante da redução do tabagismo no Brasil e no mundo. Elas querem novamente conquistar público e ampliar mercado”, explicou Mônica Andreis, que também é psicóloga. 

Ela também destaca que a liberalização de tais cigarros nos EUA e Reino Unido teve efeitos adversos, pois aumentou o consumo dos DEFs. No Reino Unido, a Public Health England, órgão regulador de saúde, aceitou o pleito da indústria em assimilar os cigarros eletrônicos no rol de produtos que serviriam para diminuir o vício, isto é, como um mecanismo de tratamento. 

“A alegação de que os cigarros eletrônicos auxiliam na cessação do tabagismo já se mostrou totalmente ineficaz. A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 mostrou que mais de 60% dos consumidores são jovens que nunca tinham consumido os convencionais. E muitas vezes evoluem para o uso dual ou mesmo o tabagismo convencional. Não é um método recomendável. E nem faria sentido tratar uma dependência com outro vício”, criticou a diretora da ACT. 

Para além do proibicionismo, Mônica acredita na conscientização da população, o que já vinha dando certo. O país chegou a ter um terço da população adulta como tabagista em 1989; 30 anos depois, a taxa de fumantes não passava de 13%. No entanto, a luz amarela volta a acender. 

“O cigarro no Brasil ainda é muito barato, em torno de 5 reais, e não tivemos nenhum reajuste nos preços mínimos desde 2016. Tudo aumentou, tudo que é essencial na alimentação e no bem estar aumentou muito no país, menos cigarro. Não tem justificativa, pois só aumentou a acessibilidade. Defendemos mais tributação com transferências de recursos para saúde e a prevenção. As empresas só querem influenciar o consumo de seus produtos, sem interesse nenhum na saúde pública”, resumiu Mônica Andreis.

Leia Também: