Claudia Visoni: "Sou parte da solução ou do problema?"
Publicado 15/05/2017 às 17:40
“Nas redes e nas ruas, as pessoas estão acusando outras e se imaginando 100% corretas. O diálogo entre diferentes visões de mundo, que poderia ser tão rico, virou feroz troca de ofensas”
Por Claudia Visoni
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Outras Palavras está indagando, a pessoas que pensam e lutam por Outro Brasil, que estratégias permitirão resgatar o país da crise (Leia a questão completa aqui e veja todas as respostas dos entrevistados aqui).
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Bem difícil palpitar sobre possíveis soluções para o lamaçal em que o Brasil se atolou. Então deixo os colegas mais competentes analisarem o cenário macropolítico e tento encontrar na vida cotidiana do país algumas pistas que indiquem crenças e hábitos que causaram e sustentam a atual crise.
Fico me perguntando sobre as possíveis conexões entre nossos problemas atuais e as novas tecnologias, a velha agenda conservadora, as mudanças demográficas, climáticas, o esgotamento dos recursos naturais. Não consigo esquecer que desigualdades sociais atiçam a ganância por privilégios. Por aqui, ser alguém comum — igual aos outros, sem dinheiro no bolso e sem parentes importantes — significa dificuldades em todas as áreas da vida, do berço ao túmulo. Os delírios dos poderosos, que se manifestam muitas vezes em demonstrações cafonas de status, parecem ser a afirmação de que “venceram”. E vencer, no Brasil, há mais de 500 anos significa expropriar terras, explorar trabalhadores e recursos naturais, chegando ao ponto de assassinar pessoas, biomas e culturas. Cada um por si na busca de livrar a própria pele e esfolar a alheia.
Erroneamente chamamos isso de Lei da Selva, já que nós, invasores, não nos demos a oportunidade de aprender com os povos nativos a viver em harmonia com a selva real.
O que tenho visto na política, nas redes sociais e nas ruas e praças são pessoas acusando outras e se imaginando 100% corretas. O diálogo entre diferentes visões de mundo, que poderia ser tão rico, virou feroz troca de ofensas. Poucos são os que olham no espelho e se perguntam: “Estou sendo parte da solução ou do problema?”
Na semana que passou duas situações no transporte público chamaram minha atenção.
SITUAÇÃO 1 – Estava indo dar uma aula bem lonjão do meu bairro. Depois do metrô, mais meia hora de ônibus para chegar ao local. Saí com antecedência, mas o tempo apertou porque o busão estava demorando demais. Puxei conversa no ponto e descobri que era comum aquela linha demorar muito e aparecerem dois ônibus juntos. Foi o que aconteceu: 40 minutos de espera e, de repente, dois ônibus idênticos, um atrás do outro.
SITUAÇÃO 2 – Quem conta em seu perfil do Facebook é minha amiga Rachel Schein:
“Hoje no busão (cheio):
Cobrador – Alguém pode ceder o lugar pro pai com a criança de colo?
Nada.
Cobrador (depois do pai ter passado a catraca com a criança de uns três anos dormindo nos braços) – Alguém pode ceder o lugar pro pai com a criança?
Nada.
Cobrador – Pessoal, enquanto ninguém ceder o lugar, o ônibus não sai.”
Não sei qual será a solução para os nossos problemas. Mas enquanto tanta gente estiver na lógica dos motoristas da situação 1 (“Já que minha vida é dura, me sinto no direito de prejudicar os outros”) e dos passageiros da situação 2 (“Não vou ceder um milímetro dos meus privilégios”), o ônibus fica no lugar. Ou, pior ainda, continua acelerando em direção ao precipício.