Muito além da consulta

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Por Ricardo Lima Jurca*, no Saúde Popular

O Dr. Consulta, rede de centros médicos criada em 2011, com a primeira unidade na favela de Heliópolis e focada em gestão de cuidado médico individual, inaugurou no último dia 5 de julho o Centro de Pesquisa e Inovação da Barra Funda, em São Paulo (SP). A unidade adapta tecnologia de prontuários eletrônicos e nova estrutura de atendimento com características de quebra de paradigmas no mercado de saúde.

O conceito futurista do Centro de Pesquisa e Inovação propõe que o paciente seja protagonista para o enfrentamento dos riscos em saúde. Um trabalho de tutor individual, uma avaliação que tenha em conta as características de cada indivíduo. O ponto de partida e o ponto de chegada.

“O fluxo de atendimento é diferente e foi pensado para que o paciente tenha autonomia e aproveite ao máximo o tempo com o seu médico”, explica a médica Tatiana Hirakawa, diretora de Pesquisa e Inovação do Dr. Consulta.

Após chegar na unidade e realizar o self check-in na recepção, o paciente será encaminhado à pré-consulta inteligente, com auxílio de uma balança eletrônica multifuncional. O equipamento afere pressão, frequência cardíaca, peso, altura e Índice de Massa Corpórea (IMC) e está conectado ao sistema de dados integrado, desenvolvido pelo Dr. Consulta. As informações coletadas pela balança são cadastradas automaticamente e o médico tem acesso imediato. Cada paciente possui um prontuário eletrônico integrado que armazena todo o seu histórico de saúde, resultados de exames diagnósticos, medicações prescritas e tratamentos recomendados. “O dono da consulta é o paciente”, afirma.

Na prática, o custo da medicina personalizada é alto e surge uma nova fonte de desigualdade entre as pessoas que começam a ter acesso a essa medicina individualizada e os produtos padronizados aos quais as pessoas comuns têm. Porém, as críticas parecem ignorar quase que por completo as consequências disso em um cruzamento potencialmente produtivo entre abordagens biomédicas da doença e um sistema de conhecimento que privilegia o paciente como produtor e ao mesmo tempo consumidor. E é nesse ponto, então, que a companhia teria se voltado para as mudanças sociais num tempo em que a diversidade de repertórios tecnológicos de acesso aos serviços de saúde é uma constante.

O Dr. Consulta, por meio de sua rede de clínicas populares, passa a ser o serviço que realça a “experiência do acesso” a uma medicina individualizada aos pacientes de diferentes classes sociais.

“Reinventamos o acesso a saúde usando muito tecnologia”, afirma Srougi. CEO do Dr. Consulta, o criador da rede de centros médico comenta que, atualmente, a companhia aposta fortemente em análises e interpretação de dados. “No nosso banco de informações, por exemplo, consigo saber agora informações como: quem são os pacientes atendidos, a nota de satisfação de médicos e enfermeiras. Todos os dados instantaneamente”.

Os dados são tratados em um provedor de cuidados de saúde que depende de aplicativos na nuvem para gerenciar se os custos; diagnósticos rápidos e precisos são possíveis graças a algoritmos que correlacionam dados clínicos, com novas terapias medicamentosas com condições de saúde do paciente e resultados de tratamento.

Após conseguir atingir seus três objetivos iniciais – testar o conceito da marca nas periferias da cidade de São Paulo, gerar impacto e ser lucrativo -, a empresa deu os próximos passos para transformar os dados dos pacientes em “ovos de ouro” que “põem” infinitas possibilidades por parte do mercado de saúde: a aproximação com a indústria farmacêutica.

O Dr. Consulta participa hoje de sete parcerias com empresas nacionais e internacionais para estudos clínicos nas especialidades de neurologia, oftalmologia, pneumologia e reumatologia. Os estudos foram realizados em pequenas amostras e os tratamentos já estão em etapa final de aprovação de órgãos regulatórios, como FDA (Food and Drug Administration), dos Estados Unidos, ou da Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa), do Brasil.

Se o paciente tiver o perfil da pesquisa e desejar participar ele tem todas as consultas, exames e medicamentos do estudo gratuitos, pois todo tratamento e acompanhamento da pesquisa são custeados pela indústria farmacêutica, principal interessada.

Hirakawa esclarece que a participação é totalmente voluntária e que os pacientes veem benefício em participar dos estudos. “Hoje, 94% dos pacientes concordam em participar, pois veem uma oportunidade de ter acesso a um tratamento inovador e uma vida mais saudável, além de contribuir para o avanço da medicina. O Dr. Consulta respeita todos os direitos do paciente, ele participa se quiser e pode deixar o estudo a qualquer momento”, diz.

Todos os investimentos destas empresas são cuidadosamente selecionados com base em um catálogo fixo de critérios com um consumidor delimitado e de demanda fechada, o que garante que seus investimentos a longo prazo sigam uma abordagem de linha dupla, que procura obter retornos financeiros sem comprometer sua “missão social”.

A empresa pode tornar-se o parâmetro para um mundo que busca criar as suas próprias regras. A contradição posta é que isso não implica em melhoria ou mais proteção social, mas se realiza em serviços mais fragmentados à luz de um único caminho (eficiência); enfatizar a quantidade, que se traduz em produção rápida em larga escala (calculabilidade); realizar a ordem, a disciplina, a rotina, a sistematização, evitando surpresas (previsibilidade); operar com tecnologias, normas burocráticas e manuais técnicos (controle).

O modelo empresarial médico vai se estruturando na desregulação protetiva e consolidando o empreendedor de si tecnológico como alternativa a universalização da saúde.

 

*Ricardo Lima Jurca, sociólogo e doutor em Ciências, é autor da pesquisa Individualização social, assistência médica privada e consumo na periferia de São Paulo, defendida no final de abril pela Faculdade de Saúde Pública da USP

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