⏯️ O próximo desatino de Jair Bolsonaro

Como Mussolini na efêmera República de Salò, ele tentar mascarar fracassos lançando-se a série de atos bizarros. Aguarde novos “espetáculos” – agora para disfarçar o crime de interferência na PF e o acordo com o “Centrão”

Por Antonio Martins, no Outro Olhar

No domingo, ele insinuou um golpe de Estado e alardeou que teria apoio dos militares – para ser desmentido em seguida. Na quinta, comandou a “caminhada da morte”, levando uma trupe de empresários ao STF, para pedir o fim das medidas que minimamente protegem a população. Diante de dois gravíssimos problemas – o vídeo da reunião ministerial em que teria exigido intervenção na PF e o escandaloso toma-lá-dá-cá com o Centrão – que fará o presidente? Defecará no gramado da Praça dos Três Poderes, depois de organizar um churrasco do Palácio do Alvorada?

Há anos, muitas analogias se fazem, com maior ou menor propriedade, entre Bolsonaro e o fascismo. Mas para compreender os dias mais recentes do “capitão”, a analogia mais precisa é com um Mussolini particular. Aquele que, deposto e preso pelos italianos em 1943, foi resgatado por um comando alemão e reinstalado no poder como um fantoche de Hitler, na pequena localidade de Salò. Já não passava de figura decorativa. Governava um território menor a cada dia, devido ao avanço das tropas antifascistas e às incursões dos guerrilheiros partigianni. Não tinha nem Constituição, nem orçamento. Tentava esconder sua miséria em atos grandiloquentes. “Derrubou” a monarquia, que ele próprio havia restaurado. Jurou defender os trabalhadores – que responderem com greve geral. Formou arremedos de um exército e uma força aérea. Em 1975, Pier Paolo Pasolini imaginou nessa “República” a história em que um banqueiro, um juiz, um nobre e um padre escravizam, para fantasias sádicas, um grupo de adolescentes. Por isso, batizou de Salò o filme – inspirado no livro 120 dias de Sodoma, do Marquê Sade. A cena mais conhecida da obra de Pasolini ilustra este texto.

A analogia é importante porque tem havido frequentemente, entre a esquerda, tendência de superestimar a força de de Bolsonaro. A cada arreganho do capitão, muitos pensam que um “endurecimento do regime” é iminente. Manifestações minúsculas, como a do último domingo, são tomadas como grandes demonstrações de força e despertam ondas de pânico. As bazófias do capitão, sobre o suposto apoio dos militares ao fechamento do STF, são tomadas como verdade sem a mínima investigação. Esquece-se que arreganhar os dentes pode ser tanto uma demonstração de força quanto de fraqueza.

É o que acontece neste exato momento. Fracassado na economia e no combate à covid-19 , abandonado por aliados fundamentais, Bolsonaro precisa, desesperadamente, produzir dois ocultamentos imediatos. No primeiro caso trata-se, literalmente, de dar sumiço. O vídeo que registrou a reunião ministerial de 22 de abril é, ao que tudo indica, multiplamente comprometedor – e o ministro Celso de Mello, do STF, já requisitou-o em 5/5.

A requisição é uma dos fantasmas despertados pela demissão de Sérgio Moro. O ex-ministro afirmou, em seu depoimento de oito horas à Polícia Federal, que o vídeo poderá demonstrar os possíveis crimes de Bolsonaro. O presidente teria exigido, durante o encontro, além da demissão de Maurício Valeixo, atos ilegais como ter acesso às investigações e relatórios do órgão. A situação do presidente é ainda mais delicada devido a seu comportamento, falastrão e tortuoso, no episódio. Em 28/4, pouco depois da demissão de Moro, o próprio capitão arrotou aos jornalistas que as reuniões ministeriais são gravadas; que os registros são armazenados num cofre; que os demais ministros presentes haviam autorizado, unânimes, a divulgação do que se passou; e que ele próprio havia providenciado a legendagem das falas, estando prestes a recebê-la – “pelo WhatsApp”…

Dois dias depois, tentou safar-se. Afirmou haver sido “aconselhado” a “não divulgar para não causar turbulência”. Mas agachou-se ainda mais quando o STF fez a requisição. A Advogaria Geral da União, que defende o presidente, pediu que a decisão fosse reconsiderada, porque “assuntos sensíveis” foram tratados na reunião. Ofereceu, como alternativa, entregar apenas trechos da gravação. É como alguém acreditasse que a seleção, feita por cúmplices do possível criminoso, não cuidará de apagar justamente as cenas que o comprometem.

Nas últimas horas, as jornalistas Jussara Soares e Thays Oyama divulgaram relatos (1 2) do que se passou no encontro fatídico – segundo relato de participantes que se mantêm anônimos. Emergiu então, muito além das denúncias de Moro, um cenário que mistura a grosseria de Salò com a patetice da Escolinha do Professor Raimundo. Bolsonaro teria se dirigido a diversos assessores aos gritos e palavrões. Alguém (adivinhe quem…) teria lançado impropérios à China, principal parceiro comercial do Brasil. O ministro da Educação (?), Abraham Weintraub, teria se referido aos ministros do STF como “onze filhos da puta”. Seus colegas Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Paulo Guedes (Economia) teriam protagonizado um instrutivo arranca-rabo. Marinho taxou Guedes de “apegado a dogmas”. Este respondeu garantindo ter “estudado o que ninguém estudou”…

Mas há algo que pode constranger a base bolsonarista muito mais do que esta vasta troca de gentilezas. O presidente teria comunicado, novamente aos berros e insultos, que os ministros terão de abrir espaço, em suas pastas… ao Centrão! Contestado por alguns de seus assessores, sua resposta foram, segundo os relatos, mais ameaças. E é em torno deste movimento – sensibilíssimo, porque fere o centro da narrativa em que se ampara o capitão – que gira o segundo conjunto de fatos a esconder.

Preocupadíssimo com seu desgaste em múltiplos terrenos, temeroso de um processo de impeachment, Bolsonaro avançou em muitas casas, nos últimos dias, na negociação com a banda mais podre do Congresso. Não que haja grande novidade. Deputado por 28 anos, tendo trocado de partidos sete vezes, integrando sempre o chamado “ baixo clero”, o “capitão” viveu de dentro a troca de favores e verbas que marca o Legislativo brasileiro. Mas foi capaz, na trajetória que o levou à Presidência, de construir uma imagem que apagou este passado. Num país justificadamente farto de um jogo político vazio e corrupto – a antítese da democracia – quase metade dos brasileiros engoliu o discurso “antissistema” do ex-militar.

Mas como amparar tal embuste quando o presidente prepara-se para entregar, ao Centrão, em múltiplos ministérios, uma primeira leva de cargos – que controlarão, no total, R$ 78 bilhões ao ano? Como fazer isso, em especial, quando o presidente perdeu a cobertura de boa parte da velha mídia – e, em especial, da Rede Globo? Imagine as folhas corridas dos nomeados, muitos deles enterrados em investigações da própria Lava Jato, desfilando em apresentações dramáticas, de longos minutos, no Jornal Nacional…

É neste cenário, claramente desfavorável ao presidente, que transcorrerão os próximos dias. Por isso, não se surpreenda se ele levar mais adiante ainda suas ameaças, grosserias e até escatologias. Faz parte de seu jogo atirar-se ao chão e sapatear, para desviar a atenção dos desastres em que está envolvido.

Na política, exagerar a força dos adversários é um erro tão grave quanto menosprezá-la. Conduz à acomodação autoindulgente, à impotência autoinfligida. Como vimos no último comentário, a conjuntura ainda é muito difícil – mas não paralisante. Há vasto espaço para a esquerda agir – desde que seja capaz de propor, a um país humilhado, não uma estratégia eleitoral – mas um horizonte de resgate real e transformações profundas. O oposto do que Jair Bolsonaro pode oferecer público

Terminaria capturado, linchado e exposto, dependurado de cabeça para baixo, num posto de gasolina em Milão.

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