Escala 6×1 e o ciclo interminável da exaustão

Maioria nesta rotina são mulheres negras do setor de comércio. Escala é fator central de exaustão mental e física, distanciamento familiar e isolamento social. Sem tempo de cuidar da saúde, aumenta risco de hipermedicalização. Leia 2º texto de série sobre redução da jornada

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Segundo texto da série Escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho, publicado pelo Outras Palavras em parceria com o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp. Leia também As corporações querem professores-robôs, primeiro artigo da série.

Título original:
Vivo apenas para trabalhar: os impactos da escala 6×1 na saúde e na vida social de trabalhadoras e trabalhadores

Introdução

O controle do tempo é elemento fundamental na contradição capital-trabalho. Na disputa política pelo tempo, a redução da jornada de trabalho tornou-se uma pauta histórica dos movimentos de trabalhadoras e trabalhadores (Dal Rosso, 2021). No Brasil, um fenômeno recente surge como imprescindível para a discussão dessa pauta. Em setembro de 2023, o movimento “Vida Além do Trabalho – Pelo fim da escala 6×1” (VAT) trouxe ao debate público a reivindicação pelo fim da escala 6×1, na qual trabalha-se seis dias e tem-se somente um dia de folga.

Ao longo de 2024, esse movimento tomou forma através de ações semanais de panfletagem; passeatas e do abaixo-assinado para o fim da escala, que contava com quase três milhões de assinaturas em maio de 2025. A pauta do movimento tornou-se também a espinha dorsal do texto de uma proposta de Emenda à Constituição (PEC)i – ainda em debate – que estabelece a duração do trabalho em até oito horas diárias e 36 horas semanais, com jornada de quatro dias por semana e três de descanso, sem redução salarial.

Em 2024, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do estado de São Paulo afirmou não poder comentar sobre o movimento e sua pauta “por falta de estudos sobre o tema” (Declercq, 2024). No último 1º de Maio, o pronunciamento do atual Presidente da República indicou a necessidade de aprofundar o debate sobre a redução da jornada de trabalho, com a menção de Lula diretamente à escala 6×1. Nota-se nesses pronunciamentos o argumento de que existem poucos estudos sobre essa jornada e seus impactos para a vida das trabalhadoras e trabalhadores, bem como para a economia do país.

Diante disso, a motivação deste artigo é fornecer dados, argumentos e referências que auxiliem e fortaleçam as mobilizações para a redução da jornada de trabalho e para o fim da escala 6×1. Para tanto, as seguintes perguntas foram formuladas: quem está submetida(o) à escala 6×1 no mercado de trabalho brasileiro? Que lugares essas pessoas ocupam nesse mercado? Em quais setores econômicos elas estão? Qual a realidade do trabalho nessa escala? Quais são os seus impactos na saúde e na vida de trabalhadoras e trabalhadores?

O texto está estruturado em três seções, além dessa introdução e das considerações finais. A primeira seção apresenta a metodologia, detalhando a elaboração do questionário, sua aplicação e formas de análise, bem como os cuidados éticos tomados nesse percurso. Em seguida, são apresentados e discutidos os resultados encontrados, pontuando os impactos da escala 6×1 na saúde e na vida pessoal, familiar e social do trabalhador.

Metodologia

A elaboração aqui desenvolvida é fruto de um esforço de construção junto ao “Movimento Vida Além do Trabalho – Pelo fim da escala 6×1” (VAT), inspirado no que Lacaz (1994), ao citar Chaia, nomeia como um processo de articulação e intermediação que produz junto e com as(os) trabalhadoras(es) o conhecimento para orientar as mobilizações.

Surgido na cidade do Rio de Janeiro, o VAT tem conseguido mobilizar e estabelecer uma determinada compreensão sobre o trabalho na escala 6×1 entre as(os) trabalhadoras(es). A força de mobilização do movimento torna palpável “a totalidade contraditória” do capitalismo (Bhattacharya, 2022). Isto é, a partir da escala 6×1 – temática que envolve concretamente multidões de trabalhadoras(es), diversas(os) entre si e colocadas(os) em distintas atividades, com acessos desiguais à proteção e à seguridade social –, foi possível unir experiências diferentes sem homogeneizá-las para pensar a produção de mais-valor pela espoliação do tempo de vida.

Em março de 2024 – a partir de uma ação de extensão na Universidade Federal Fluminense, em cooperação com a Universidade de Pernambuco –, foi realizada uma roda de conversa aberta à comunidade acadêmica, com Ricardo Azevedo, líder do VAT. Essa ação deu início ao processo de escrita de projetos de Iniciação Científica (IC) e de Mestrado com o objetivo de compreender quem são as(os) trabalhadoras(es) submetidas(os) à escala 6×1 e quais os impactos sentidos por elas(es), em decorrência dessa prática, na sua saúde física e mental, e na sua vida familiar. Essas primeiras atividades de extensão e pesquisa foram as bases do atual projeto “Impactos da escala 6×1 na vida das(os) trabalhadoras(es)”.

Em 19 de maio de 2025, a equipe de pesquisa esteve na Câmara dos Vereadores da cidade do Rio de Janeiro – a convite do VAT e do agora vereador eleito Ricardo Azevedo – junto a outras(os) trabalhadoras(es) para apresentação e discussão dos resultados alcançados pelo projeto. Esse encontro teve como objetivo o fortalecimento da Frente Parlamentar de Saúde Mental do Trabalhador Carioca (Resolução Mesa Diretora nº 12903 de 2025), aberta pelo mandato de Azevedo. Este artigo apresenta parte das discussões realizadas nessa oportunidade junto ao movimento e às(aos) trabalhadoras(es).

No projeto “Impactos da escala 6×1 na vida das(os) trabalhadoras(es)”, a estratégia metodológica é de natureza exploratória, com abordagem mista, combinando métodos quantitativos e qualitativos. A aplicação de questionárioii no formato virtual foi o instrumento escolhido. O questionário possui três blocos de perguntas: o primeiro voltado à relação de trabalho, com o levantamento de informações como o tempo de trabalho na escala 6×1, tipo de contrato de trabalho, horas trabalhadas por dia, cargo (de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO) e setor econômico (de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE) em que as(os) trabalhadoras(es) atuam; o segundo bloco refere-se às informações socioeconômicas; e por fim, o terceiro bloco, composto por quatro questões.

Essas quatro questões utilizam o formato de resposta em escalas Likertiii. A primeira questão pede que a (o) participante indique de que forma a escala 6×1 impacta negativamente sua vida pessoal e familiar como, por exemplo, se não impacta ou impacta extremamente. Duas outras questões pedem o nível de concordância do entrevistado com as seguintes afirmações: “a escala 6×1 afetou minha saúde física” e “a escala 6×1 afetou a minha saúde mental”. A quarta e última questão é aberta para que as(os) trabalhadoras(es) descrevam como a escala afeta suas vidas.

A aplicação do questionário teve a colaboração do VAT, por meio dos grupos de mensagem criados pelo movimento e que reúnem trabalhadoras(es) de todo Brasil. O instrumento ainda está em circulação para que se componha um pequeno painel ilustrativo do fenômeno, com objetivo de explorar possíveis impactos da escala na saúde e na vida de trabalhadoras e trabalhadores, sem pretensão de se fazer inferências ou extrapolar padrões observáveis e conclusões para toda a população em análise. Esse painel conta com 496 respostas válidas, tendo como critérios de inclusão a maioridade e a confirmação de que a(o) participante trabalha em escala 6×1. Nesse sentido, as(os) participantes foram selecionadas(os) por conveniência, pelo acesso que tivemos aos grupos de mensagem do VAT. Argumentamos que essa estratégia é adequada como etapa inicial ou preliminar do estudo, todavia, introduz um viés significativo nas respostas, não sendo possível, a partir delas, derivar generalizações.

Para a análise dos dados, foram utilizadas estatísticas descritivas, consideradas suficientes para o objetivo de caracterizar as(os) trabalhadoras(es). Para a pergunta aberta, seguiu-se a análise temática (Braun e Clarke, 2008), uma técnica para a identificação de padrões ou temas em dados qualitativos, pela qual determinamos categorias de análise à luz dos referenciais teóricos da Teoria do Desgaste e do Desgaste Mental relacionado ao Trabalho (Seligmann-Silva, 2011; Laurell e Noriega, 2021). Cabe indicar que o projeto foi aprovado em Comitê de Ética (nº CAAE: 84904324.2.0000.8160) e que segue a recomendação do uso do Termo de Consentimento Livre e Esclare-cido (TCLE), nos quais estão explicados os possíveis riscos e benefícios aos participantes da pesquisa.

Apresentação e discussões dos resultados

Os resultados deste projeto estão disponíveis ao público em um painel virtualiv, pelo qual se pode acompanhar a atualização dos resultados. Nesta apresentação, estruturada em duas subseções, são analisadas as características demográficas e socioeconômicas das(os) participantes e dos lugares que ocupam no mercado de trabalho; e, os impactos dessa escala percebidos na saúde e na vida pessoal, familiar e social das(os) mesmas(os).

Quem são e onde estão as(os) trabalhadoras(es) em escala 6×1 nesta pesquisa?

Os resultados parciais mostram uma maioria de respondentes do sexo feminino, pretas e pardas, jovens e adultas, sudestinas – moradoras dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo – solteiras e sem filhos. Esse perfil demográfico predominante surge como viés estatístico, resultante provavelmente da maior representatividade de mulheres e de moradores do RJ e de SP, vinculados ao VAT. Com nível médio de escolaridade, elas possuem renda mensal de aproximadamente R$ 2.000,00 e estão ocupadas, principalmente, em cargos de atendimento ao público nos setores do comércio e serviços, há mais de cinco anos. Os contratos de trabalho a que estão submetidas são por tempo indeterminado e a carga horária é de 8 horas ou mais.

Descreve-se com mais detalhes, a seguir, a distribuição das informações demográficas e socioeconômicas das(os) participantes, com destaque para sexo, raça, idade, escolaridade e renda.

Dentre as 496 pessoas que responderam ao questionário, 60% são do sexo feminino e 40% do sexo masculino. Na autodeclaração de cor ou raça, 47% são brancas, 34% são pardas, 16% são pretas, 1% amarelas e 1% indígenas. A maioria tem entre 20 e 29 anos, 47% das participantes, 29% têm entre 30 e 39 anos, 17% têm mais de 40 anos e 3% têm até 19 anos. O nível de escolaridade das participantes mostra que 10% não chegaram a concluir o Ensino Médio, enquanto 51% possuem Ensino Médio Completo. Outros 33% estão cursando o Ensino Superior ou já concluíram. Os que estão cursando ou já concluíram cursos de Pós-Graduação correspondem a 6%. O rendimento mensal para 7% das trabalhadoras é de até R$ 1.000,00. Correspondem a 61% do total aquelas que possuem renda entre R$ 1.000,00 e 2.000,00, 29% ganham entre R$2.000,00 e 5.000,00 e 3% ganham acima de R$5.000,00.

Para compreender a relação de trabalho em que essas trabalhadoras estão inseridas, são analisados também o tempo de trabalho nessa escala, o tipo de contrato, a quantidade de horas trabalhadas, a ocupação que exercem e o setor em que estão colocadas. Como mostram os resultados, a escala 6×1 é a realidade de trabalho há mais de três anos para 57% das trabalhadoras. Outras 43% delas estão neste regime há menos de três anos. Aquelas que estão em contrato de trabalho por tempo indeterminado correspondem a 82%, sendo que outras 8% estão em contratos por tempo determinado, o que inclui aquelas em período de experiência. Correspondem a 2% as que estão colocadas em trabalho autônomo ou eventual, ao passo que, 5% declararam não possuir contrato de trabalho. A quantidade de horas de trabalho é 8 horas diárias ou mais para 70% das trabalhadoras, sendo que outras 30% têm menos que 8 horas diárias de trabalho.

As ocupações das participantes são diversas, com destaque para os cargos de operadora de caixa, vendedora de comércio varejista, atendente de lojas e mercados e atendente de lanchonete que correspondem a 30% das ocupações que as trabalhadoras exercem. Há também a presença de ocupações como recepcionista de hotel, assistente administrativo, repositora de mercadorias, fiscal de loja, farmacêutica, cozinheira geral, teleoperadora e operadora de telemarketing receptivo, cargos que correspondem a 19% das ocupações que as trabalhadoras exercem. A maioria das trabalhadoras está inserida no setor do comércio, que corresponde a 44% das respostas. Os setores de alimentação, hotéis e similares e telecomunicações também têm destaque por corresponderem a 27% das respostas.

Os impactos da escala 6×1 na saúde e na vida pessoal, familiar e social

A realidade de trabalho nessa escala 6×1 é descrita pelas(os) trabalhadoras(es) como determinante para a degradação de sua saúde, tanto física quanto mental, e de sua vida pessoal, com o isolamento familiar e social. Aquelas(es) que concordam e concordam completamente com a afirmação de que a escala 6×1 prejudica a saúde física correspondem a 97%; aquelas(es) que concordam e concordam completamente com a afirmação de que a escala 6×1 prejudica sua saúde mental correspondem a 94%. As(os) que consideram que a escala impacta muito ou extremamente a sua vida pessoal chega aos 94%.

Observam-se algumas diferenças nas respostas, segundo o sexo e o nível de escolaridade das(os) participantes que, embora pequenas, mostram como as mulheres e aqueles com menor nível de escolaridade percebem os impactos dessa escala com maior intensidade. Com relação ao sexo, o grau de concordância revela que as mulheres são mais incisivas sobre o impacto dessa escala em sua saúde física e mental: 70% delas concordam totalmente com a afirmação de que a escala 6×1 tem prejudicado a sua saúde física, enquanto 62% dos homens concordam totalmente com essa afirmação. A percepção dos prejuízos na saúde mental aparece mais próxima entre mulheres e homens, com 79% delas e 76% deles com total concordância com a afirmação de que a escala 6×1 tem prejudicado a sua saúde mental. A vida familiar e social também mostra uma pequena diferença entre os sexos, com 65% das mulheres e 58% dos homens indicando que a escala tem impactado extremamente sua vida pessoal e familiar.

Como hipóteses para essas diferenças entre os sexos, temos o peso da dupla jornada das mulheres. No Brasil, elas trabalham o dobro de horas que os homens nas atividades domésticas e de cuidados de pessoas (IBGE, 2023). A dupla jornada destaca como a organização própria do sistema capitalista desvaloriza, em termos materiais e simbólicos, as atividades de reprodução da vida, a maioria das quais são tarefas atribuídas às mulheres (Ferguson, 2020).

Os resultados dos impactos dessa escala quando recortados por escolaridade apontam para uma concordância geral, com trabalhadoras e trabalhadores de diferentes níveis de escolaridade afirmando os prejuízos em sua saúde e vida pessoal, familiar e social. Pequenas diferenças são apontadas no nível de concordância de que a escala tem prejudicado a saúde física. Quanto maior a escolaridade, observa-se um pequeno recuo na concordância com o prejuízo da escala 6×1 na saúde física: se considerados as(os) participantes que possuem até o Ensino Médio e que estão cursando o Ensino Superior, tem-se que mais de 70% concordam completamente com o prejuízo da escala em sua saúde física.

Se analisadas(os) apenas participantes com Ensino Superior ou Pós-Graduação, essa concordância completa se mantém em 59%. Hipóteses para essas diferenças devem ser elaboradas com cautela pela variedade de atividades exercidas pelas participantes. Isso demanda uma análise mais aprofundada sobre as ocupações das participantes e os seus impactos na saúde, algo que não pode ser feito no espaço deste artigo, mas que serão tratadas em publicações futuras.

Para a análise das respostas à pergunta aberta, os dados foram sistematizados em três categorias que caracterizam a rotina na escala: a exaustão física e mental, relatada no extremo cansaço e na irritabilidade; a sobrecarga física e mental, exposta nos relatos como a constante administração do pouco tempo fora do trabalho e da sobrecarga do corpo pelas horas de trabalho; e o isolamento, com o estreitamento afetivo e de horizonte, em relatos que indicam desânimo e impossibilidade de planejar o futuro. Essas categorias se entrelaçam no relato de uma trabalhadora do comércio, mulher preta, que afirma: “vivo apenas para trabalhar”. O Quadro 1 busca classificar os relatos das(os) trabalhadoras(es) nessas categorias:

Quadro 1 – Caracterização da rotina na escala 6×1.

Dentre os prejuízos descritos, a impossibilidade de participar da vida familiar é um aspecto recorrente, assim como a inexistência de uma vida social em que seja possível o lazer e o desenvolvimento de relações de amizade e amorosas. Ressalta-se que as participantes mães apontam para a falta de redes de apoio e para a impossibilidade de acompanharem o desenvolvimento de seus filhos. A vida pessoal parece ser impactada pela falta de tempo para os estudos, para qualificação e para que alcancem algum nível de especialização, o que é visto pelas(os) participantes como a impossibilidade de crescimento profissional e de renda.

A falta de tempo para cuidar da saúde é apontada como parte dos impactos dessa escala. Por não conseguirem agendar consultas médicas nem contar com a liberação de algumas horas no trabalho, as(os) participantes apontam para a falta de prevenção e, por vezes, de tratamentos médicos. Os transtornos mentais também são recorrentes nas descrições dos impactos da escala 6×1. As(os) participantes relacionam transtornos de ansiedade e depressão com a rotina exaustiva e a falta de tempo para o descanso e para outras atividades.

A falta de tempo para o cuidado da saúde e os transtornos mentais relacionados ao trabalho parecem estar atrelados à medicamentalização. As(os) trabalhadoras(es) indicam o uso recorrente de medicamentos para suportar a rotina nessa escala. É comum o uso de analgésicos para dores no corpo, especialmente nos membros inferiores e nas costas; e de medicamentos ansiolíticos e antidepressivos como forma de suportar o dia a dia de exaustão mental e isolamento social.

Ressalta-se, ainda, que o deslocamento para o trabalho é compreendido como parte da rotina exaustiva nessa escala, que alonga as horas diárias dedicadas ao trabalho. O deslocamento pelas grandes cidades, com longos percursos de ida e vinda ao local de trabalho, com congestionamentos e superlotações dos transportes públicos são parte da descrição da rotina da maioria das(os) participantes. O dia de folga é visto como a possibilidade de recomposição das forças físicas e psíquicas, ao mesmo tempo em que é o único tempo disponível para a realização de trabalho doméstico e de organização da vida pessoal. Por isso, o lazer é preterido para que o repouso e a reorganização sejam possíveis nesse único dia.

Nesse cenário, a realidade de trabalho na escala 6×1 favorece o desgaste das trabalhadoras e trabalhadores, no sentido da perda das suas capacidades (potenciais e efetivas) de seu corpo e de seu psiquismo (Laurell e Noriega, 2021). Conforme Seligmann-Silva (2011, p. 135), essa perda implica uma “deformação”, isto é, uma “uma transformação negativa” pela qual as(os) trabalhadoras(es) perdem “um estado anterior mais satisfatório e valorizado” de suas capacidades físicas e psíquicas. A escala 6×1, como parte da organização do trabalho no capitalismo dependente e periférico (Marques, 2013), superexplora as trabalhadoras e os trabalhadores, sem a possibilidade de recomposição de suas forças.

Considerações finais

Este artigo apresenta os resultados parciais do projeto de pesquisa em desenvolvimento voltado a compreender quem são as trabalhadoras e trabalhadores em escala 6×1 e quais os impactos que percebem em sua saúde e vida pessoal, familiar e social. Até o momento, os resultados apontam para uma realidade de trabalho adoecedora, que desgasta física e mentalmente as(os) trabalhadoras(es), exaurindo suas forças e isolando-as(os) da convivência familiar e social.

A reivindicação da redução da jornada de trabalho volta à raiz da questão: abordar a totalidade da contradição capital-trabalho, identificada e informada na diversidade dos corpos das(os) trabalhadoras(es). O reconhecimento dessa relação contraditória indica as prioridades e urgências das pautas para as lutas. O fim da escala 6×1, a luta pela saúde como direito de todas(os), o acesso a transporte público de qualidade, de instituições de cuidados das crianças são exemplos de pautas táticas, urgentes no dia a dia das(os) trabalhadoras(es), mirando não apenas a reorganização das atividades de trabalho, mas a estratégia de reorganização das relações sociais como um todo. O VAT e a luta pela redução da jornada de trabalho nos lembram de que toda luta por justiça social no capitalismo será também uma luta pelo tempo.

Nesse sentido, o projeto busca fortalecer os argumentos a favor do fim da escala 6×1, ressaltando sua luta por Justiça Social. A limitação do instrumento utilizado e dos dados levantados para que se caracterize a diversidade de realidades de trabalho nessa escala são reconhecidos. Por isso, como próximos passos, deve-se refinar o instrumento, ampliar a base de dados e realizar análises mais detalhadas que considerem categorias e setores, bem como uma atualização da análise qualitativa.

Referências


ALLEN, I. E.; SEAMAN, C. A. Likert Scales and Data Analyses. Quality Progress, 2007. Disponível em: https://www.bayviewanalytics.com/reports/asq/likert-scales-and-data-analyses.pdf.

DECLERCQ, M. “Vida Além do Trabalho”: movimento nascido no TikTok luta contra escala 6×1. 2024. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2024/01/06/vida-alem-do-trabalho-tiktoker-cria-movimento-contra-escala-6×1.htm

BHATTACHARYA, T. (Ed.). Teoria da reprodução social: remapear a classe, recentralizar a opressão. São Paulo: Elefante, 2022.

BRAUN, V.; CLARKE, V. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, v. 3, n. 2, pp. 77–101, 2008.

DAL ROSSO, S. Incontroláveis tempos de trabalho. In: ALVES, G. (Eds.). Trabalho e Valor: O novo (e precário) mundo do trabalho no século XXI. Marília: Projeto Editorial Praxis, 2021.

FERGUSON, S. J. Women and work: Feminism, labour, and social reproduction. London: Pluto Press, 2020.

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua: Outras formas de trabalho 2022. 2023. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv102020_informativo.pdf.

LACAZ, F. A. C. Reforma Sanitária e saúde do trabalhador. Saúde e Sociedade, v. 3, p. 41-59, 1994.

LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde. São Paulo: Hucitec, 2021.

MARQUES, P. Dependência e superexploração do trabalho no capitalismo contemporâneo. São Paulo: IPEA, 2013.

SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: O direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez Editora, 2011.

Notas


iTexto da PEC disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2485341 [Acesso em julho de 2025]

iiO questionário pode ser acessado em https://x.gd/azo8O

iiiAs escalas Likert são um formato de resposta comum de avaliação em pesquisas. Elas classificam a qualidade de alta a baixa ou de melhor a pior usando cinco ou sete níveis de respostas (Seaman, 2007).

ivPainel da pesquisa disponível em https://squid-app-zbh7z.ondigitalocean.app/

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