Breque dos apps: “Hoje não tem entrega”
Entregadores vão à luta a partir de hoje, ocupando ruas de todo o país. Quais suas reivindicações? Como se mobilizam significativamente, apesar da queda de greves e paralisações trabalhistas? Por que a regulação do trabalho por plataformas está travada em Brasília?
Publicado 31/03/2025 às 18:21

Articulada por diversas organizações coletivas, a paralisação nacional dos entregadores por aplicativos, convocada para hoje, 31 de março, e amanhã, 1º de abril, dá continuidade ao processo de lutas dessa categoria contra a precarização social do trabalho. Os trabalhadores reivindicam reajustes nos repasses orçamentários e melhorias nas condições de trabalho. Dentre as pautas do movimento, está o aumento da taxa mínima por entrega, de R$ 6,50 para R$ 10,00, e do valor por quilômetro rodado, de R$ 1,50 para R$ 2,50. Além disso, os trabalhadores reivindicam a imposição de limites para as rotas dos ciclistas, respeitando seus limites físicos, com o máximo de três quilômetros por pedido, e o pagamento integral por entrega, evitando reduções arbitrárias nos casos de múltiplas entregas por trajeto.
A Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos (ANEA) agita em seus perfis em redes sociais que a paralisação dos entregadores será “o maior breque da história”, e o mapa de municípios envolvidos na paralisação tem sido atualizado a cada dia, em diferentes estados do país. Em materiais que circulam pela internet, como é o caso do abaixo-assinado sob autoria do “Breque Nacional dos Apps 2025”, os trabalhadores apontam que mesmo com o aumento do custo de vida, os repasses aos trabalhadores não são reajustados há três anos pelas principais empresas do setor de entregas por aplicativos, como é o caso da Ifood, Uber, 99 e Lalamove.
A paralisação consiste no desligamento temporário dos trabalhadores nos aplicativos de entrega, combinada com o engajamento em manifestações de rua, realizando motociatas, bloqueios e concentrações em vias públicas, praças, bolsões e pontos de entrega, como é o caso de shoppings centers, grandes mercados e restaurantes.
O trabalho por plataformas e a precarização do trabalho
Alegando que os entregadores que garantem os seus lucros são apenas prestadores de serviços parceiros, e que o caráter de sua operação é a mera mediação entre esses entregadores, os clientes e os restaurantes, as empresas detentoras das plataformas digitais mascaram a subordinação do trabalho e fogem das responsabilidades e fiscalizações que são comuns a qualquer outra empresa.
Sem nenhuma regulação que proteja e garanta condições mínimas de trabalho, os trabalhadores por plataformas digitais, em geral, e os entregadores por aplicativos, em particular, convivem com uma série de imprevisibilidades e riscos durante suas jornadas de trabalho.
O modelo empreendido pelas plataformas digitais, e até hoje permitido pela lei, representa um risco ao conjunto da sociedade, num contexto em que há mudanças tão significativas na legislação social e trabalhista, bem como no mercado de trabalho. E, por conta disso, as lutas realizadas por esses trabalhadores devem ser do interesse geral, contando com a solidariedade de clientes-usuários das plataformas, das forças progressistas e do próprio sindicalismo, que ainda atua de forma muito tímida com relação ao tema.
Continuidade de um processo de lutas
A primeira paralisação nacional dos trabalhadores de entrega por aplicativo aconteceu em julho de 2020 e, desde então, as mobilizações dessa categoria passaram a ser conhecidas como Breque dos Apps. Naquele momento, o contexto de isolamento social, necessário para o enfrentamento da pandemia de covid-19, expôs de forma extrema a precarização do trabalho de entrega mediado por plataformas.
Consideradas como serviço essencial, as entregas foram fundamentais para garantir o isolamento social de grande parte da população. Mas, enquanto alguns podiam se proteger do contágio, os entregadores estavam não apenas expostos ao vírus — com pouco ou nenhum amparo das empresas detentoras de plataformas digitais — como também viam seus rendimentos diminuírem gradativamente.
O protesto de 1º de julho de 2020 desencadeou uma série de lutas dos entregadores, em diversas plataformas e por todo o país. Em um momento de descenso das lutas de massa, com queda significativa nas greves e paralisações da classe trabalhadora como um todo, os Breques dos Apps surpreenderam pela sua capacidade de mobilização — especialmente diante da pouca proteção social que envolve esse setor.
Além de conquistas importantes em relação à pauta de reivindicações, o Breque também trouxe à tona elementos fundamentais para o enfrentamento de uma narrativa ideológica que apresentava os entregadores como “empreendedores”. Ao contrário dessa retórica dominante, o movimento revelou a realidade de uma classe trabalhadora precarizada, organizada e disposta a lutar por direitos, ainda que também avessa às formas tradicionais de organização do trabalho.
Desde o ciclo de lutas iniciado com o Breque dos Apps, o protesto dos trabalhadores de entrega por aplicativo avançou. O movimento começa a se consolidar, instituindo processos coletivos e contínuos de organização social. Nesse novo momento, os entregadores seguem, por um lado, na luta por demandas imediatas junto às empresas — a luta econômica —, ao mesmo tempo em que pressionam e disputam os sentidos da regulamentação do regime de trabalho nas plataformas digitais.
O governo Lula e a regulação do trabalho por plataformas
Por meio da criação de um espaço tripartite no interior do Ministério do Trabalho (MTE), o governo Lula da Silva (PT) buscou consensuar propostas de regulação do trabalho para os motoristas e entregadores por aplicativos, que são as categorias que mais se destacam no trabalho realizado por plataformas digitais. Apresentado em março do ano passado, o projeto de lei complementar (PLP) 12/2024, chamado por “Autonomia com Direitos”, ainda está em tramitação no Congresso Nacional, e propõe a criação de um terceiro estatuto — situado entre o trabalho informal e formal —, garantindo a autonomia dos trabalhadores e o acesso a direitos sociais, como a contribuição previdenciária.
A despeito da celebração do governo, do sindicalismo e das empresas, o projeto apresenta uma série de limitações, como é o caso da manutenção da falsa ideia de autonomia e da compreensão de que o tempo de trabalho é o tempo em que os trabalhadores estão realizando os serviços em deslocamento — o chamado “tempo efetivamente trabalhado” —, ignorando o período em que os trabalhadores estão parados, mas à disposição das empresas para prestação dos serviços.
Pouco antes de ser finalizado o prazo do espaço tripartite, em setembro de 2023, os representantes dos entregadores, membros da ANEA, se retiraram dos espaços de negociação por não concordarem com os rumos da regulamentação, notavelmente favorável aos interesses das empresas. Desde então, não há nenhuma sinalização do governo em propor medidas que efetivamente garantam direitos aos entregadores por aplicativos, ou a outras categorias que convivem com a plataformização do trabalho.
Em um comunicado assinado pelo Comando Nacional do Breque dos Entregadores de 2025, é solicitado ao MTE que acompanhe a mobilização dos trabalhadores, garantindo o respeito ao direito constitucional de greve e manifestação Além disso, o movimento reivindica que haja fiscalização de eventuais práticas antissindicais, como a oferta de incentivos financeiros que visam enfraquecer a paralisação. O documento ainda aponta a importância do ministério se manter atento “à uma possível necessidade de mediação”, e pontua a “disposição para dialogar sobre as demandas apresentadas”, reafirmando o compromisso “com a luta por condições dignas de trabalho para os entregadores por aplicativo no Brasil”.
Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, contribua com um PIX para [email protected] e fortaleça o jornalismo crítico.