A juventude brasileira não cabe em uma jornada 6×1
Trabalhar cedo, no Brasil, é uma necessidade para muitos, não uma escolha. Trabalho ocupa o espaço do estudo e do lazer, e leva à exaustão e ao abandono escolar. Reduzir a jornada é enfrentar o modelo que transforma o futuro do país em uma força de trabalho barata e quase invisível
Publicado 16/10/2025 às 18:46

Terceiro texto da série Escala 6×1 e a redução da jornadade trabalho, publicado pelo Outras Palavras em parceria com o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp. Leia também As corporações querem professores-robôs, primeiro artigo da série, e Escala 6×1 e o ciclo interminável da exaustão, o segundo.
Título original:
Fim da escala 6×1 e redução da jornada de trabalho
Em 25 de fevereiro de 2025, após intensa mobilização social pela redução da jornada de trabalho, foi protocolada na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional 8/25, que propõe a jornada de trabalho de quatro dias por semana, com o máximo de até 8 horas diárias e 36 horas semanais. Se aprovada, a PEC acaba com a jornada 6×1, realidade de milhares de brasileiros e brasileiras, que sofrem os impactos econômicos, sociais e pessoais de uma vida tomada pelo trabalho. Em especial, queremos abordar os impactos da jornada de trabalho na vida da juventude brasileira.
O jovem no Brasil é um jovem que trabalha, e muito. É a partir dessa afirmação que desenvolvemos o artigo a seguir com o objetivo de demonstrar que a juventude está inserida no mercado de trabalho, muitas vezes de forma precária e que o trabalho, da forma como se apresenta para as e os jovens, rouba seu tempo de estudo, ou melhor, rouba seu tempo de juventude. Não à toa, o Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), movimento que impulsionou a bandeira do fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho, foi impulsionado por jovens, numa clara indicação de uma crise do que se convencionou como jornada de trabalho e como escala 6×1, isto é, 44 horas semanais de trabalho em uma escala de somente um dia de descanso. Jovens que, ainda que trabalhando de maneira formal, são precarizados e estavam, até então, invisibilizados (Abramo e Sobrinho, 2024).
Segundo o Estatuto da Juventude (Brasil, 2013), que define como jovem aquele entre 15 e 29 anos, a oferta de condições especiais de jornada de trabalho é um direito, na qual seja possível compatibilizar trabalho e estudo. E, ainda, prevê que o Estado atue de forma preventiva e repressiva em relação à exploração e à precarização do trabalho realizados pelos jovens. Contudo, como exploraremos nesse texto, a realidade do trabalho juvenil tanto não propicia compatibilizar trabalho e estudo, com o trabalho se sobrepondo ao estudo, quanto ocorre de forma precária e informal, haja visto que 38,5% dos jovens estão na informalidade (IBGE, 2023) e mais da metade da juventude (53,7%) está inserida em algum posto de trabalho. Além disso, 40,2% jovens entre 14 e 29 anos que abandonaram os estudos apontaram o trabalho como causa principal (PNADC, 2023). Falta tempo para os jovens se dedicarem mais aos estudos, assim como falta tempo para os jovens viverem as outras dimensões de suas vidas, como mostraremos ao longo do artigo.
Mas, lembremos, não é toda juventude que trabalha e trabalha de forma exacerbada e sem proteção. Ao considerarmos isso, partimos da perspectiva que só é possível analisar a juventude trabalhadora considerando critérios de classe, gênero e raça de forma integrada. Assim como só é possível analisar a juventude brasileira a partir de nossa formação social e econômica, a qual é marcada pela alta taxa de participação da juventude no mercado de trabalho, inserida de forma precária e precoce, como é característica de países com economia dependente.
Nosso intuito é demonstrar que a redução da jornada de trabalho é uma necessidade se quisermos, de fato, garantir o acesso e a permanência da juventude nas escolas e nas universidades, haja visto que na difícil e desigual conciliação entre trabalho e estudo, é o primeiro que sai ganhando, e que muitos acabam somente por trabalhar abandonando os estudos. Para tanto, num primeiro momento nos debruçamos em definir o que é a juventude, compreendendo qual sua especificidade na disputa capital-trabalho. Considerando que a juventude é uma categoria social e histórica, longe de uma definição meramente biológica e exclusivamente etária, apontamos que a juventude é um momento da vida com características e necessidades próprias e com uma heterogeneidade de jovens na sua composição que demandam atenção e políticas públicas distintas.
Por conseguinte, apresentamos as características da inserção da juventude no mercado de trabalho, buscando enfatizar não só que os jovens brasileiros trabalham, demonstrando que é um mito que a juventude brasileira em sua maioria está dedicada exclusivamente aos estudos ou que está majoritariamente desocupada, como também apresentamos que a necessidade de trabalhar figura como a causa primeira de abandono escolar. Ainda que saibamos que o tema do trabalho juvenil possui uma série de recortes, nossa preocupação está em relacionar trabalho e educação, afirmando que há uma disputa pelo tempo da juventude, isto é, o quanto os jovens se dedicam a cada uma dessas dimensões e o quanto a educação acaba sendo submetida ao tempo do trabalho, especialmente para os jovens entre 18 e 29 anos e num claro recorte de classe.
Por fim, diante da situação de uma juventude que tem seu tempo de estudo roubado para o trabalho, ora numa difícil conciliação entre trabalho e estudo, com um acento principal no primeiro por necessidade, ora somente trabalhando, afirmamos que a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1 figura como uma das medidas de proteção ao jovem trabalhador. A medida, que precisa estar relacionada a condições especiais de trabalho, bem como a uma diminuição na taxa de participação da juventude no mercado de trabalho, se torna uma necessidade quando consideramos que 72,8% dos jovens ocupados entre 14 e 29 anos1 trabalharam 40 horas ou mais por semana em 2021 (PNADC)2.
A juventude enquanto categoria social e histórica
A análise da juventude enquanto categoria social necessita de uma escolha metodológica a respeito do que entendemos enquanto juventude. Afinal, ninguém é apenas jovem. No Brasil, a juventude representava, pelo critério etário, aproximadamente 22,8% da população em 2022 (IBGE, 2023) e, ao mesmo tempo, está atravessada por questões de classe, raça e gênero. Uma jovem negra da periferia com certeza experimenta sua juventude de uma maneira muito distinta de um jovem branco de classe média. Existem pontos de conflito e convergência entre os critérios objetivos e subjetivos do que significa ser jovem que torna a tarefa de definir a juventude desafiadora do ponto de vista científico e político, haja visto que ela não é homogênea. Porém, acreditamos que a juventude não é um conceito abstrato, ou uma ideia sem lastro na realidade, e é sim possível identificar um fio condutor comum do que significa ser jovem para além da idade biológica.
Segundo Marx, “o sistema de produção da vida material condiciona todo o processo da vida social, política e intelectual” (2008, p. 47), de modo que é nas relações de produção e de reprodução onde devemos buscar as respostas ao nosso modo de vida. Portanto, adotamos a definição segundo a qual a juventude é um produto da sociedade capitalista, em especial do processo de industrialização do Século XIX, ou seja, um produto histórico social que emerge com a sociedade moderna (Foracchi, 1972). A necessidade de uma classe de trabalhadores que detivesse o mínimo de conhecimento da técnica e organização capitalista – desde noções de aritmética à disciplina do trabalho e respeito à autoridade – impõe como condição para a entrada no mercado de trabalho um período de preparo e qualificação, que passou a ser realizado pela escola. Segundo Foracchi (1972), trata-se de uma etapa transitória marcada pela preparação técnica e intelectual da força de trabalho.
Portanto, a juventude é um período entre infância e vida adulta marcado pela preparação para a inserção produtiva na sociedade que acontece pelo trabalho. Mas não só. É possível afirmar também que a juventude se caracteriza por ser um período de experimentação, no qual o jovem pode definir a forma de adulto que ele quer ser, isso dentro de certas determinações sociais. Cabe à juventude receber e apreender conhecimentos, em seu sentido amplo, necessários para a produção e para a vida em sociedade. Contudo, uma análise que elimine as contradições de classe corre o risco de reduzir o jovem a um padrão de comportamento e consumo, ou a uma experiência subjetiva no qual o que importa é “sentir-se jovem”. Aqui, o critério objetivo – etário – mostra-se pertinente pois, ainda que insuficiente, permite explicar o porquê os jovens são também os mais propensos a assumir postos de trabalho que exigem maior esforço físico ou exposição a situações periculosas. Sendo assim, uma categorização da juventude exige um olhar sobre a totalidade do processo social.
Esse período de preparação técnica e intelectual é extremamente importante pois trata-se de um período de valorização da força de trabalho. A noção de preparação, inerente ao período da juventude, fez com que essa fosse confundida como um único modo de ser, o de estudante. Dessa forma, a concepção de juventude está vinculada à escolarização, e mesmo o jovem que não está estudando deveria estar. Contudo, essa realidade do jovem estritamente estudante, é uma característica dos jovens de países centrais, nos quais o Estado de Bem-Estar Social garantiu com que esse período fosse, de fato, voltado para os estudos. Quando analisamos países de economia dependente, como o Brasil, a situação da juventude é marcada também pela vivência no mundo do trabalho.
A trajetória da juventude é atravessada por questões de classe na medida em que quanto mais precoce for a entrada no mercado de trabalho e menor o tempo dedicado aos estudos e qualificação, maiores as chances de uma vida laboral marcada pela precariedade e pela informalidade. Os jovens são pressionados de forma constante a se dedicar exclusivamente ao trabalho. Não à toa, muitas políticas de cunho precarizante da vida da juventude são voltadas para o aumento do tempo dedicado ao trabalho e uma diminuição do tempo dedicado aos estudos, como a Carteira de Trabalho Verde e Amarela3, somadas às políticas de controle e extermínio da juventude, em especial, da juventude negra no Brasil. É nesse sentido que emerge a noção de que o jovem é tanto um sujeito de direitos quanto a noção de que o jovem precisa ser protegido, a exemplo da criação do Estatuto da Juventude. Garantir o direito à juventude é garantir que o jovem tenha a possibilidade de desfrutar deste tempo de vida não apenas para dedicação ao estudo, mas também de todo significado social, cultural e político que a vida oferece para além do trabalho. O Direito a Ser Jovem, portanto, passa a ser uma luta e uma conquista da juventude (Scapini, 2023).
A juventude brasileira trabalha
Segundo o IBGE (2023), os jovens entre 15 e 29 anos que só estudavam eram de, apenas, 24% em 2022. Já os jovens inseridos no mercado de trabalho, ocupados ou não, corresponderam a 76% da juventude. Mesmo considerando a soma dos jovens que estavam ocupados e estudando (12,4%) com os só ocupados (41,3%), excluindo os não ocupados, temos mais da metade da juventude (53,7%) inserida em algum posto de trabalho. A contribuição dos jovens, especialmente em momentos de crise, é fundamental para a composição da renda das famílias. A característica de uma juventude que só estuda com um largo tempo disponível para isso, como é característica dos países centrais, não se sustenta quando analisamos a realidade brasileira. E, mesmo que os chamados “nem-nem”4, jovens que nem estudam e nem trabalham, tenham repercutido recentemente quando consideramos a juventude, correspondendo a 22,3% dos jovens, a juventude no Brasil é uma juventude que trabalha.
Para Sousa (2022), o Brasil caracteriza-se por uma elevada taxa de participação dos jovens na força de trabalho, especialmente dos jovens entre 18 e 29 anos. A exceção cabe aos jovens-adolescentes entre 15 e 17 anos que, desde a década de 1990, começa a declinar sua participação no mercado de trabalho, fruto, especialmente, da expansão da Educação Básica, da necessidade de postos de trabalho com maior escolarização e da maior participação das mulheres no mercado de trabalho. Assim, o declínio da participação no mercado de trabalho dos jovens-adolescentes é uma conquista para a juventude. Mas vale ressaltar que ainda se mantém uma elevada participação de jovens-adolescentes oriundos de famílias mais pobres no mercado de trabalho, ou seja, não é toda a juventude que trabalha e trabalha de forma precária.
Além disso, as difíceis condições de trabalho também atingem a juventude. Em relação à média salarial, 67,1% dos jovens ocupados recebem até R$1.854,01 (MTE, 2025). Segundo pesquisa da EPSJ/FIOCRUZ (2023), 33% dos acidentes de trabalho notificados entre 2016 e 2022 acometeram jovens entre 15 e 29 anos, fazendo com que esse seja o grupo etário mais propenso a sofrer acidentes de trabalho. Considerando jornadas acima de 40 horas5 em uma possível escala 6×1, em 2023, 24,3% dos trabalhadores registrados no comércio eram jovens entre 18 e 24 anos, seguido de 18,47% de jovens entre 25 e 29 anos (RAIS, 2024)6. No setor de serviços, 13,99% dos trabalhadores registrados eram jovens entre 18 e 24 anos, seguido de 13,31% de jovens entre 25 e 29 anos. Como afirmamos anteriormente, a juventude no Brasil trabalha, e muito. Contudo, diante de uma perspectiva que vê o jovem somente como adulto do futuro, isto é, se despreocupa com os problemas e anseios do jovem no presente e, a situação da juventude trabalhadora, por vezes, acaba sendo invisibilizada. Para Abramo e Sobrinho (2024), mesmo com os jovens sendo acometidos por jornadas de trabalho extensivas e baixos salários, a preocupação em relação ao trabalho juvenil centra-se, sumariamente, em relação à inatividade e ao desemprego.
Ademais, a juventude abandona os estudos devido, especialmente, ao trabalho. Conforme IBGE (2023), cerca de 9,8 milhões de jovens entre 15 e 29 anos abandonaram a escola sem a conclusão da Educação Básica em 2022. Desse número, é significativo o abandono nas faixas entre 18 e 24 anos e entre 25 a 29 anos. Na primeira faixa, foram 4,7 milhões de abandono escolar e, na segunda faixa, 4,6 milhões com a Educação Básica incompleta. A faixa entre 15 e 17 anos apresenta o menor número, com 462 mil abandonos escolares. Vale ressaltar que o número de abandono é maior entre os jovens homens, com 58,5%, do que em relação às jovens mulheres, que somam 41,2%. Em relação à raça, a diferença é gritante, enquanto 27,9% dos que abandonam os estudos são brancos, 70,9% são negros. Quando buscamos os motivos, a necessidade de trabalhar aparece como justificativa prioritária, mesmo para ambos os sexos e para as raças branca e negra. Considerando o total de jovens entre 14 e 29 anos com nível de instrução inferior ao Ensino Médio completo que abandonaram os estudos, 40,2% apontaram o trabalho como motivo em 2022, sendo que para os homens esse número chega a 51,6%. Chama a atenção que, quando consideramos as jovens mulheres, ainda que em primeiro lugar esteja o trabalho como motivo para o abandono com 24%, em segundo lugar está o abandono por gravidez com 22,4%.

A partir do exposto, é possível concluir que a ideia de uma linearidade de trajetória da vida juvenil, com o jovem estudando integralmente e, depois, inserido no mercado de trabalho de maneira satisfatória não é a trajetória majoritariamente preponderante na juventude brasileira. Há um entrecruzamento de situações que revelam a heterogeneidade da juventude e a desigual condição a que estão submetidos os jovens no Brasil.
A necessária redução da jornada de trabalho
Ainda que a redução da jornada por si só não resolva a elevada taxa de participação dos jovens na força de trabalho e a precariedade do trabalho juvenil, ela se apresenta como necessidade importante para a melhora da qualidade de vida e, especialmente, para que o tempo dedicado ao trabalho não se sobreponha ao tempo dedicado aos estudos. Contudo, é válido ressaltar que a renda familiar figura como fator determinante para que a juventude entre precocemente no mercado de trabalho e/ou abandone a educação escolar e superior. O principal motivo do abandono, isto é, a necessidade de trabalhar, é, em outras palavras, a necessidade de sobreviver.
A entrada precoce do jovem no mercado de trabalho se dá principalmente pela necessidade de complementar a renda familiar, de modo que famílias bem abastadas possibilitam que seus filhos apenas estudem, enquanto as de baixa renda muitas vezes necessitam do salário do jovem para garantia da reprodução mínima de vida. Por esse motivo, políticas públicas de educação tendem a ser ineficientes quando não articuladas com políticas públicas de renda que atinjam todo o núcleo familiar, pois não adianta ter o ensino à disposição se ele precisa ser conciliado com a preocupação da sobrevivência e em jornadas exaustivas de trabalho. Ademais, vale ressaltar que o aumento da qualificação sem o aumento da atividade econômica que possibilite a geração de novos postos de trabalho, faz com que essa mão de obra qualificada não seja absorvida em sua totalidade no mercado de trabalho.
É diante desse cenário alarmante e considerando que a condição de vida dos jovens brasileiros é uma tentativa de conciliação entre trabalho e estudos, numa corda bamba que, por vezes, o trabalho sai ganhando, que se faz necessário garantir medidas que protejam a juventude da sanha capitalista e das agruras do trabalho precário que perpassa, entre outras medidas, pela redução da jornada de trabalho. Conforme Borsari et Al (2024), há um falacioso argumento econômico em relação à diminuição da jornada de trabalho e ao fim da escala 6×1 que não se sustenta. O argumento recorrentemente do empresariado e do mainstream econômico de quebra da economia é largamente utilizado, a exemplo, da implementação do 13° salário e da valorização do salário-mínimo, em que a quebra econômica, não foi constatada diante de tais conquistas para os trabalhadores.
Acrescentamos que, em relação à juventude, há um falacioso argumento que ora acredita que a maioria da juventude se dedica exclusivamente aos estudos e que ora não se preocupa em trabalhar e/ou estudar. Como mostramos, a juventude no Brasil é composta de jovens trabalhadores que enfrentam uma dura jornada de trabalho. Quando consideramos o segmento de jovens que estudam e trabalham, a sobreposição de atividades com uma clara preponderância do trabalho, torna a rotina ainda mais penosa. Diante desse contexto, nos perguntamos: em que momento a juventude descansa? Em que momento a juventude vive, de fato, as outras dimensões da vida?
Considerações finais
Para a juventude, também trabalhadores da escala 6×1, a redução da jornada de trabalho significa a possibilidade de conciliar o trabalho e os estudos, o que pode transformar a vida laboral de toda uma geração, promovendo acesso a empregos de maior qualidade. O acesso a empregos formais e direitos sociais representa também a possibilidade de romper com o ciclo de pobreza, na qual o jovem começa a trabalhar precocemente para complementar a renda familiar e, não concluindo os estudos, se lança em um futuro incerto, marcado pela informalidade.
Portanto, o cenário é de uma juventude diretamente afetada pela escala 6×1, que pressionada pelas necessidades materiais, escolhe o trabalho em detrimento dos estudos – e do lazer, da sociabilidade etc. –, quando incapaz de conciliar os dois. Se essa conciliação se mostra difícil com uma jornada de segunda a sexta, ela se torna praticamente inviável na jornada 6×1, na qual o único dia de descanso precisa ser disputado entre estudos, tarefas domésticas, tempo de lazer, tempo com a família e descanso. A jornada 6×1 torna-se para o jovem um beco sem saída, na medida que para alcançar melhores condições de trabalho ele precisa passar por um processo de qualificação e profissionalização de mão de obra, porém, não dispõe do tempo necessário para isso.
Vale ressaltar que, além do Estatuto da Juventude, que resguarda os direitos dos jovens brasileiros, o Brasil é signatário da Convenção Ibero-Americana dos Direitos da Juventude, incorporando-o no nosso direito interno. Através desta convenção, o Brasil reconhece que a juventude possui o direito de “usufruir e apreciar todos os direitos humanos, comprometendo–se a respeitar e garantir aos jovens, o total benefício e exercício dos seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais, e culturais” como também “ao desenvolvimento social, econômico, político e cultural e a serem considerados como metas prioritárias das iniciativas que se implementam para o efeito” (ORGANIZAÇÃO IBERO-AMERICANA DE JUVENTUDE, 2005). Essas diretrizes são coerentes com um Estado Democrático de Direito que preza pela valorização da vida, do usufruto de uma vida social e cultural saudáveis, além dos valores sociais do trabalho. Atingir essas metas em relação à juventude passa necessariamente por construir uma sociedade na qual se possa viver além do trabalho, liberando o tempo e preservando a energia física, mental e emocional de uma juventude que está hoje esgotada pelas demandas do mundo do trabalho.
A juventude brasileira é uma juventude que trabalha. Há um claro recorte de classe, gênero e raça que contribuiu para que parte da juventude esteja submetida a jornadas exaustivas de trabalho, como são os jovens que trabalham na escala 6×1 e, como é característico de países de economia dependente, uma elevada taxa de participação dos jovens na força de trabalho. Assim, considerando que 72,8% dos jovens ocupados entre 14 e 29 anos trabalham 40 horas ou mais, a redução da jornada se torna imperativo necessário se quisermos que a juventude não tenha seu tempo de estudo e de vida roubado para o trabalho e se acreditarmos que o jovem não deve ser resumido ao seu trabalho e a sua exploração.
Referências
ABRAMO, H.; SOBRINHO, A. A reaparição dos invisíveis. São Paulo: Outras Palavras, 2024.
ARRAIS, T. P. A.; Et AL. O que esconde a escala 6×1: roubo de tempo e cotidiano dos trabalhadores precarizados. Goiânia: Editora dos Autores, 2025.
BRASIL. Estatuto da Juventude (Lei nº12.852/2013). Brasília, 2013.
BORSARI, P.; Et AL. Jornada de trabalho na escala 6×1: a insustentabilidade dos argumentos econômicos e uma agenda a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras. 2024. Disponível em: https://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2024/11/NotaCesit.pdf
FIOCRUZ. Panorama da situação de saúde de jovens brasileiros: Intersecções entre Juventude, Saúde e Trabalho: 2016 a 2022. [Organizado por Bianca Leandro, André Sobrinho e Helena Abramo]. Rio de Janeiro : EPS-JV / Cooperação Social da Presidência / Fiocruz / SUS / MS / Governo Federal Brasil União e Reconstrução, 2024.
EPSJ/FIOCRUZ. Agenda Jovem Fiocruz e Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Panorama da Situação de Saúde de Jovens Brasileiros de 2016 a 2022: Intersecções entre Juventude, Saúde e Trabalho. 2023. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/files/DOSSIE_juventude.pdf
ORGANIZAÇÃO IBERO-AMERICANA DE JUVENTUDE. Convenção Ibero-Americana dos Direitos da Juventude. Badajoz, 2005.
DIEESE. Nem-nem ou sem-sem? Jovens querem trabalhar, mas não têm oportunidades no mercado. Boletim Emprego em Pauta, n. 27 – Setembro de 2024. Disponível: https://www.dieese.org.br/boletimempregoem-pauta/2024/boletimEmpregoemPauta27.pdf
FORACCHI, M. A juventude na sociedade moderna. São Paulo: Edusp, 1972.
IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2023. Rio de Janeiro: IBGE, 2023.
MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
MTE. Os jovens e um futuro do trabalho com inteligência artificial. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noti-cias-e-conteudo/2025/abril/Apresentao.pdf
PNADC. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua educação: 2022. 2023. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2102002
RAIS (2024). Dados da RAIS extraído e elaborado por: ARRAIS, T. P. A.; Et Al., em: “O que esconde a escala 6×1: roubo de tempo e cotidiano dos trabalhadores precarizados”. Goiânia: Editora dos Autores, 2025.
SCAPINI, E. Z. Um olhar sobre a juventude. São Paulo, 2023 [Mimeo].
SOUZA, E. J. S. Juventude, trabalho e o subdesenvolvimento. Curitiba: Appris, 2022.
Notas
1 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) considera a idade de 14 anos, pois é a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho brasileiro, conforme nossa legislação. Contudo, por vezes, o IBGE considera a idade firmada no Estatuto da Juventude que considera como jovens aqueles entre 15 e 29 anos.
2 Elaborado por Fiocruz, 2023.
3 A Carteira de Trabalho Verde e Amarela foi uma proposta do governo de Jair Bolsonaro, implementada pela medida provisória 905/2019 que buscava “facilitar” a contratação de jovens entre 18 e 29 anos que nunca tiveram emprego formal, através da precarização dos contratos de trabalho, estabelecendo redução de encargos, flexibilização de direitos estabelecidos na CLT etc. Ou seja, a entrada de jovens no mercado de trabalho se dava pela via da precarização. A medida foi duramente criticada e revogada em abril de 2020.
4 Segundo o Dieese (2024), a situação de jovem “nem-nem” não exprime a realidade da situação: “Chamá-los de nem-nem traz a falsa sensação de que são eles os responsáveis por uma situação de inatividade que nem mesmo é real, já que a maioria não está parada: está procurando trabalho, dedicando-se a algum tipo de curso não regular ou cuidando dos afazeres domésticos (p. 4). Para a entidade, é preferível identificar tais jovens como “sem-sem”: “Eles nem trabalham nem estudam por falta de vagas de trabalho ou oportunidades para a continuação dos estudos. Muitos não dispõem de recursos financeiros para estudar e até mesmo para procurar trabalho” (p. 4).
5 É válido ressaltar que a Relação Anual de Relações Sociais (RAIS) não capta estatísticas em relação aos tipos de escala, por isso, a pressuposição em relação a escala.
6 Elaboração de Arrais (2025).
Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, contribua com um PIX para [email protected] e fortaleça o jornalismo crítico.