A fascinante proposta do Emprego Garantido
Num tempo em que os direitos laborais estão sob ataque, mas há tanto a fazer para garantir vida digna, Estado precisa intervir. Como fazê-lo? De onde virão recursos? Exame de uma ideia que pode ser decisiva no debate público brasileiro, em 2026
Publicado 24/11/2025 às 19:26 - Atualizado 24/11/2025 às 19:35

Pavlina Tcherneva, entrevistada em Alternatives Economiques | Tradução: Antonio Martins
Garantir emprego para todos, e promover essa garantia com fundos públicos? Para alguns, esta proposta parece politicamente irrealista hoje, mas a economista estadonidense Pavlina Tcherneva assegura que é perfeitamente racional. É, aliás, o tema de sua obra A Garantia de Emprego: A Arma Social do Green New Deal (Editado em francês por La Découverte, 2021).
Para um indivíduo, sustenta ela, os benefícios sociais de um emprego são sempre superiores aos de um auxílio, que não permite escapar da precariedade. E o mesmo vale para a coletividade, se esses empregos forem direcionados para suas necessidades mais prementes e para a transição ecológica.
Como o que falta é a vontade política, a ex-conselheira de Bernie Sanders, especialista e crítica da teoria monetarista, convida os governantes a reorientar os fundos públicos para o “investimento preventivo”. Este foi um dos temas de sua conferência de abertura no Fórum Mundial de Economia Social e Solidária (ESS), em outubro, em Bordeaux, França. Dias antes do evento, ela concedeu, ao site Alternatives Economiques, a entrevista a seguir

Você acha que se pode garantir empregos para as pessoas assim como se garantem os cuidados de saúde universais. Em que isso é comparável?
Pavlina Tcherneva: Vale frisar: todos os países ricos do mundo – exceto os Estados Unidos — há muito garantem direito à seguridade social e acesso à saúde para todos. A noção de garantia de emprego, por sua vez, é antiga. O direito a um trabalho decente remonta à Constituição de 1793, na França. Depois, ela emergiu no pós-guerra no âmbito do diálogo internacional que teorizou os direitos universais. Está presente no artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tudo isso porque o emprego traz inúmeros benefícios sociais: ele proporciona não apenas um salário, mas também integração social e acesso à dignidade.
Oferecer um seguro-desemprego é apenas um substituto pobre para tudo o que um emprego pode oferecer. Quando as pessoas não têm o que comer, concede-se a elas uma ajuda alimentar. Se estão desabrigadas, dá-se a elas acesso a um acolhimento de emergência e a habitações populares. Garante-se às crianças o acesso à educação pública. Por que não fazer o mesmo com a garantia de emprego?
Nesse sentido, você questiona a teoria monetarista ortodoxa, segundo a qual o desemprego é necessário para o bom funcionamento da economia…
Durante o New Deal que seguiu a grande depressão dos anos 1930, nos Estados Unidos, o pleno emprego era um objetivo incontornável das políticas preconizadas pelos economistas, notadamente os keynesianos. Em seu debate com os monetaristas, eles defendiam a ideia de que o investimento público e a política fiscal eram mais importantes do que a política monetária. Mas em 1968, Milton Friedman promoveu a ideia, em seu discurso à Associação Econômica Americana, de que visar o pleno emprego era utópico, que sempre haveria pessoas que deixariam seu trabalho por outro e que tentar criar empregos para elas só pioraria as coisas e geraria inflação.
Essa ideia foi retomada por outros economistas, como Franco Modigliani, nos anos 1970, com o conceito de Taxa de Desemprego Não Aceleradora da Inflação (NAIRU). Segundo ela, a limitação do poder de compra por meio do desemprego reduz as pressões inflacionárias e serve de estabilizador automático para a economia. Assim, não se tolera apenas uma taxa de desemprego friccional, relacionada às saídas e entradas no emprego, mas um certo patamar de desemprego estrutural. Isso ofereceu uma desculpa perfeita a Ronald Reagan, que presidiu os EUA entre 1981 e 1989, e a Margaret Thatcher, primeira-ministra do Reino Unido entre 1979 e 1990. Eles aproveitaram-se da hiperinflação para atacar os sindicatos e promover o modelo econômico neoliberal. Foi assim que o conceito de garantia de emprego desapareceu do debate público.
Você avalia que a garantia de emprego serviria de alavanca para o Cuidado e uma transição energética justa. Como?
As associações, cooperativas, grupos comunitários – o chamado “terceiro setor”, de uma maneira ampla — ofereceriam um emprego básico a qualquer pessoa que esteja em busca de trabalho. Assim, quando as empresas privadas reduzissem seus quadros ou seus investimentos, os trabalhadores não mais mergulhariam na precariedade. Eles poderiam integrar essa rede de emprego público ou associativo e cooperativo. Hoje, existem as bolsas e o seguro-desemprego, que sustentam parte da renda sem oferecer uma estabilidade real. Com uma garantia de emprego, cada um teria a certeza de poder trabalhar por um salário decente, o que estabilizaria a economia sem os efeitos destrutivos do desemprego.
Os empregos públicos propostos responderiam às necessidades sociais e ambientais frequentemente negligenciadas pelo setor privado. Cuidados com idosos ou crianças, manutenção e reabilitação das cidades, pequenos trabalhos de infraestrutura, limpeza após desastres climáticos, etc. Em suma, essa política visaria a associar segurança econômica e utilidade social, conectando as pessoas disponíveis às necessidades reais das comunidades.
É melhor que sejam empregos públicos, ou no terceiro setor e na economia social e solidária?
Depende do país. A garantia de emprego tem encontrado aplicações diferentes ao redor do mundo. Em teoria, nos países desenvolvidos, o setor público pode desempenhar um papel importante no financiamento dos projetos, na garantia de boas condições de emprego, de programas de formação. Mas nos Estados Unidos, o setor público é muito menos sólido, e o papel do terceiro setor é essencial porque essas organizações já buscam responder a necessidades sociais que os governos nacionais ou locais não satisfazem. Na França, onde os serviços públicos são extensos e importantes, a economia social e solidária é muito dinâmica e também desempenha um papel importante.
É preciso combinar as duas contribuições. Na França, os Territórios Zero Desempregados de Longa Duração (TZCLD) foram implementados pelo terceiro setor com um apoio público. Na Índia, a garantia de emprego é implementada no âmbito de um programa federal. O governo fornece os fundos, mas o mecanismo é administrado eficazmente no nível das aldeias. Está na origem de muitos projetos rurais – por exemplo, na irrigação.
Onde encontrar o dinheiro?
Como para qualquer programa público ou rede de proteção social, o financiamento deve ser público. Certamente, os Estados não têm todos a mesma capacidade orçamentária, e muito depende do sistema monetário no qual operam. Por exemplo, na União Europeia, os constrangimentos da zona do euro e os critérios de Maastricht limitam a margem de manobra orçamentária dos governos. Em sentido oposto, países como os Estados Unidos ou a Índia, que dispõem de seu próprio Banco Central, podem financiar os projetos. O verdadeiro limite é político, não financeiro.
Do ponto de vista geral, não falta dinheiro, e tudo depende da maneira como os governos escolhem utilizar seus recursos. Aliás, já se gasta com o seguro-desemprego, o combate à pobreza ou as emergências climáticas. O dinheiro, portanto, já é mobilizado, mas frequentemente apenas em reação às crises. O desafio não é encontrar novos fundos, mas reorientar as finanças públicas para o investimento preventivo. Apoiar as comunidades, reforçar as infraestruturas e reduzir a pobreza antes que ela se agrave.
Em matéria de saúde, sabe-se bem que quanto mais uma população é pobre e frágil, mais as despesas necessárias para tratá-la aumentam. O mesmo vale para as crianças: investir desde a mais tenra idade na saúde e na educação é permitir a formação de indivíduos mais saudáveis, mais realizados e mais produtivos, o que reforça toda a sociedade. Quando subfinanciamos os programas sociais, condenamos as jovens gerações a começar a vida com enormes desvantagens. É preciso considerar a garantia de emprego como um investimento preventivo para a coletividade.
Que exemplos da garantia de emprego já existem ao redor do mundo?
A garantia de emprego desperta forte interesse internacional. Não é uma ideia nova, mas foi relançada nos últimos anos, notadamente no âmbito do Green New Deal nos Estados Unidos e, mais amplamente, diante dos desafios climáticos. Co-redigi, com o relator especial da ONU sobre a extrema pobreza, Olivier De Schutter, um relatório sobre o assunto.
Em 2024, minha proposta, elaborada com a deputada europeia Aurore Lalucq, também levou a esforços para criar uma linha orçamentária no Parlamento Europeu sobre os empregos “justos e equitativos”, que mencionava exemplos concretos como o TZCLD. A ideia atrai cada vez mais a atenção em várias regiões do mundo – América Latina (Colômbia, Argentina, Brasil) e África (África do Sul, Senegal…). Mas a ação política ainda é limitada. No entanto, invariavelmente, o programa recebe 70% a 80% de apoio na população, tanto na esquerda quanto na direita.
Na França, os Territórios Zero Desempregados de Longa Duração não se expandem mais por razões orçamentárias. Em outros países, também. O que se poderia fazer?
É realmente lamentável, pois trata-se antes de tudo de uma escolha política, e não de uma restrição orçamentária real. Como mencionei, o governo francês já financia o apoio aos desempregados, e os TZCLD permitem que os participantes trabalhem enquanto renunciam voluntariamente a outras ajudas. Da mesma forma, o Estado terá inevitavelmente de arcar com os custos ligados à crise climática e ao combate à pobreza. A questão, portanto, não é de meios, mas sim de prioridades políticas.
Para fazer avançar a ideia da garantia de emprego, é preciso tanto prosseguir com o trabalho de advocacy quanto imaginar mecanismos de financiamento inovadores. São necessários dispositivos nacionais, para os quais o governo avalie claramente os custos e benefícios da criação de empregos apoiados e de qualidade. Pode-se colocar em destaque a experiência francesa [o TZCLD] como um modelo capaz de inspirar uma garantia de emprego em escala europeia. Fundos europeus poderiam ser, assim, mobilizados. Na realidade, em países como o Reino Unido, a Bélgica ou a França, os valores já pagos pelo seguro-desemprego correspondem frequentemente ao que um salário decente representaria. Trata-se, portanto, simplesmente de redirecionar essas despesas para a criação efetiva de empregos úteis, em vez de manter as pessoas na inatividade.
Você defende que se lance um “Plano Marshall mundial”. Do que se trata?
Esse Plano Marshall mundial deve ser visto como um programa de reconstrução das comunidades nos diferentes países. Pois, apesar de uma grave crise social e ecológica nos países do Norte, não há esforços de mobilização e investimento massivo comparáveis àqueles do New Deal. No Sul Global, as necessidades mais elementares ainda não são asseguradas para muitos habitantes: acesso à água, à educação, à moradia ou às infraestruturas básicas.
Um verdadeiro plano de reconstrução é, portanto, necessário e não deve ser confiado apenas a grandes empresas por meio de contratos gigantescos, mas envolver as próprias populações. É aí que intervém a garantia de emprego: ela representa a peça que falta nos grandes planos de investimento público. Construir habitações públicas sem oferecer trabalho é cumprir apenas metade da tarefa. Da mesma forma, permitir que uma criança vá à escola sem que seus pais tenham um emprego estável é deixar a família sem segurança econômica verdadeira. Os esforços de reconstrução devem andar de mãos dadas com programas de emprego direto, integrando a garantia de um trabalho para todos.
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