Evo Morales, a história da operação resgate

Em livro, os bastidores da operação que retirou da Bolívia o presidente do país, deposto por um golpe e ameaçado de morte. Intrigas e suspense conduzem a trama – com a força da geopolítica da generosidade de Alberto Fernández e López Obrador

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Por Pedro Brieger, no Nodal, com tradução na Revista Opera

É bastante provável que o livro de Alfredo Serrano Mancilla, “Evo, Operación Rescate. Una trama geopolítica en 365 días”, já esteja nas mãos de algum roteirista para fazer um filme de intriga, suspense e final feliz. Caso ainda não esteja, deveria. Serrano Mancilla, protagonista dessa história, conta em primeira pessoa como algumas poucas pessoas articularam-se para salvar a vida de Evo Morales horas após o golpe de Estado que o depôs em 10 de novembro de 2019 (1).

O autor, que foi uma peça fundamental no processo, apresenta no livro detalhes desconhecidos até o momento de como Evo Morales, junto a seu vice-presidente Álvaro García Linera e a ministra da saúde Gabriela Montaño, foram resgatados na Bolívia profunda e levados ao México.

O livro articula-se em três aspectos. O primeiro é o suspense clássico de um verdadeiro thriller. Ainda que já saibamos que há um final feliz, cria-se um suspense que eriça a pele, página a página, porque a operação de resgate teve múltiplos contratempos que foram se resolvendo minuto a minuto e contra o relógio. O segundo é o político, já que se trata da narração de um golpe de Estado desde a ótica dos atores que ativaram o resgate internacional do presidente deposto, um feito inédito na história latino-americana.

A trama política teve o governo do presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador como principal peça que, ao inteirar-se da situação e sem perder tempo, enviou um avião para resgatar Evo. Quanto paradoxo, pois no México dizia-se que AMLO não se interessava pela política exterior.

O outro ator de relevância foi Alberto Fernández, eleito presidente dias antes do golpe, e que não havia assumido nem geria os meandros do Estado argentino governado por Mauricio Macri. As vozes dos atores políticos foram-se se coordenando enquanto transcorrem as poucas horas entre o momento em que Morales foi deposto e a sua chegada ao México. Também aparecem os que negaram qualquer tipo de ajuda, como Mauricio Macri e o presidente do Equador, Lenín Moreno.

O terceiro aspecto, e talvez o mais novo, é o que Serrano define como “a geopolítica da generosidade”. Serrano introduz um novo conceito sociológico, até o momento ignorado, e que representa uma contribuição aos estudos das ciências sociais. Muito se falou da solidariedade e o México deu mostras cabais de abrir seu território para pessoas perseguidas, algumas emblemáticas e famosas, como León Trotsky, e outras anônimas, que encontraram refúgio escapando da imposição de ditaduras assassinas. Serrano encontra na generosidade e na bondade um fio condutor entre os funcionários da chancelaria mexicana – que se puseram a trabalhar rapidamente para a salvar a vida de Evo – e a mulher que deixa desinteressadamente sua casa em Buenos Aires para que se instale assim que chegar à Argentina. 

O filósofo inglês Thomas Hobbes costumava dizer que os seres humanos se relacionam entre si como os lobos, se comendo entre eles. Apesar de que isso pode ser parte de um debate filosófico, não cabe qualquer dúvida de que é inerente ao capitalismo, onde prevalece o mais forte, disposto a esmagar o mais frágil. Neste sentido, e contradizendo a Hobbes, a “geopolítica da generosidade” que impregna o livro de Serrano Mancilla vai mais além do resgate de Evo. É um canto à vida.

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