Combate à desertificação: O Brasil avança a passos lentos

País busca projetar-se como liderança global na restauração de biomas. Suas políticas são arrojadas, inclusive com participação de povos originários. Mas a degradação do solo ainda é muito maior do que a de outros países. Ações na África Subsaariana e China podem ser inspiradoras

Foto: Cuellar/Getty Images
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Por Olympio Barbanti Jr., no Observatório da Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB), parceiro editorial do Outras Palavras

A imagem de paraíso que percorre as estrofes de “País Tropical”, um dos maiores sucessos da MPB, não combina com as cenas de desertificação do nosso “Patropi, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Bem, a natureza realmente foi generosa com o Brasil, mas o uso do solo que deste o período colonial tem sido feito no Brasil deixa suas marcas em áreas extensas que agora já beiram o que se pode chamar de deserto.

Tecnicamente desertos são biomas quentes ou frios formados por terras secas nas quais a precipitação chuvosa é menor do que 25 centímetros de chuva por ano. O Saara é um deserto arenoso, mas a Antártida e do Ártico são desertos polares. A desertificação avança rapidamente.

Segundo Ibrahim Thiaw, secretário executivo da UNCCD, “[a] cada segundo, o mundo perde o equivalente a quatro campos de futebol de terra saudável devido à destruição da vegetação nativa e ao mau gerenciamento da terra. Anualmente, isso totaliza 100 milhões de hectares”. Thiaw, que é da Mauritânia, afirmou ainda que, para atingir a neutralidade na degradação de terras, seria necessário restaurar 1,5 bilhão de hectares de terra até 2030.

No Brasil, o bioma Semiárido é um forte candidato à desertificação. Para além de suas regiões centrais – no interior da região Nordeste e no norte de Minas Gerais – esse bioma pode abranger regiões que incluem o norte da Bahia, sul de Pernambuco e outras regiões semiáridas que avançaram para condições de clima árido.

Figura 1 – Índice de Aridez, Brasil 2023

Fonte: INPE/EBC

Essas são as regiões mais críticas, mas o processo de desertificação no Brasil pode atingir também algumas áreas do Pantanal e do norte do estado do Rio de Janeiro. “A retirada da vegetação deixa o solo exposto ao vento, ao sol, à própria chuva, isso tudo vai degradando o solo ao longo do tempo”, afirma Alexandre Pires, biólogo e educador popular, diretor do Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em entrevista à Rede de Estudos Rurais.

Na COP16 da UNCCD, o Brasil se apresentou como líder global na recuperação de áreas degradadas. Afirmação essa, talvez superlativa, está baseada em políticas públicas de restauração ambiental de larga escala que estão em curso. E também no enfoque “humanizador” do modelo de restauração que o Brasil desenvolve. Vamos por partes.

A política brasileira de restauração ambiental

Desde 2017, o Brasil vem implementando o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que tem como meta a recuperação de 12 milhões de hectares de vegetação até 2030, alinhado o país ao Acordo de Paris e à meta de neutralidade na degradação do solo. 

Até 2024 o programa alcançou um marco que o governo apresenta como “significativo”: a identificação de 23,8 milhões de hectares aptos à restauração. Para o período 2025-2028 o governo tem como prioridades reforçar a coordenação intersetorial e ampliar ações para atender a metas de restauração, alinhadas às políticas de preservação e uso sustentável da biodiversidade. A ideia é chegar em 2030 tendo cumprido as metas definidas para aquele ano de atingir ao desmatamento (líquido) zero e restaurar 30% dos ecossistemas degradados. Esses objetivos fazem parte do Acordo de Paris e do Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, e, pelo andar da carruagem, a velocidade atual não permitirá ao país atingir essas metas.

O governo afirma que o novo Planaveg 2025-2028 poderá “destravar a demanda pela recuperação em escala” por meio de um novo modelo de operação que concilia quatro “Estratégias Transversais” com três “Arranjos de Implementação”. As estratégias buscam tornar efetiva a agenda de recuperação da vegetação nativa que possui os objetivos específicos de monitoramento, fomento à cadeia produtiva e financiamento e pesquisa.

Por sua vez, os arranjos são o elemento central para fazer a agenda andar. Eles incluem o “efetivo avanço na implementação de leis como a LPVN (Lei de Proteção da Vegetação Nativa/Código Florestal), o SNUC (Sistema Nacional de Unidade de Conservação), a PNGATI (Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas), entre outras.” 

Os arranjos são a peça central do programa do governo de consecução do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, e incluem: (i) Recuperação da vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente (APP), de Reserva Legal (RL) e de Uso Restrito (AUR); (ii) Recuperação da vegetação em áreas rurais de baixa produtividade, a partir do fomento a sistemas integrados de produção (Sistemas Agroflorestais, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, Silvicultura de Nativas) e (iii) Recuperação da vegetação nativa em áreas públicas (Unidades de Conservação, Territórios Indígenas e outros territórios coletivos). 

Embora louvável, o esforço previsto no Planaveg não consegue dialogar com as dinâmicas de terras de grande tamanho, em poder particular, degradadas e em risco desertificação. O arranjo de Recuperação da vegetação em áreas rurais de baixa produtividade esbarra na realidade do pequeno produtor rural e no camponês, que estão nessa condição devido a pressões de estresse crônico. Tal situação deriva da necessidade de repartição da terra entre descendentes, da competição com médios e grandes produtores tecnificados e de novos padrões de alimentação baseados em alimentos industrializados (em geral) e nos ultraprocessados.

Brasil aprova introdução da participação pública na gestão da UNCCD

Serão essas medidas suficientes para que o Brasil se apresente como líder mundial da restauração ambiental? Ainda que sejam, deve-se notar que o problema de perda da qualidade ambiental conducente à desertificação é bem maior em diversos outros países.

No entanto, o que a delegação brasileira presente na Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD) apresentou cono grande avanço do país no tema deve-se mais a um processo de gestão da política do que a resultados tangíveis de combate à desertificação, ou redução da desertificação existente.

O Brasil apresentou uma moção que foi aprovada na UNCCD referente à criação de espaços para que representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais possam compartilhar seus conhecimentos sobre as áreas em desertificação. O argumento é que essas populações devem ter suas experiências reconhecidas e valorizadas, especialmente naquilo que elas podem contribuir para a implementação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da desertificação e à mitigação dos impactos das secas.

Tais experiências podem, também, conferir maior visibilidade às adversidades que tais populações enfrentam para realizar seus meios de vida em condições de clima árido e processo de desertificação.

A delegação brasileira lembrou que no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica foram aprovadas a criação de assembleias, ou caucus, compostos por povos indígenas e comunidades tradicionais.

Segundo Edel Moraes, Chefe da Delegação do Brasil e Secretária Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, “a manifestação da sociedade civil e de suas organizações durante o People’s Day serve como uma convocação para a criação do caucus de povos indígenas e comunidades locais no âmbito da UNCCD”.

Agora, cabe aos membros da UNCCD discutir os critérios de elegibilidade e seleção de membros, bem como a composição e a estrutura do caucus, que deve ser instalado na próxima COP17 da Desertificação, que será realizada na Mongólia, em 2026.

Liderança?

Enfim, o governo do Brasil logrou estabelecer um marco de gestão de políticas de restauração ambiental que devem contribuir efetivamente para a melhoria dos ambientes degradados e reduzir as possibilidades de os mesmos caminharem para a desertificação. A adoção na UNCCD de um modelo de gestão que inclua a participação de populações locais é mais do que louvável, é um imperativo para a condução e regimes internacionais com maior conteúdo democrático.

No entanto, para que o Brasil se estabeleça como um líder no combate aos processos de desertificação diversas entregas necessitam ser feitas. Veja-se, por exemplo, os amplos e impressionantes resultados que países subsaarianos têm obtido com a criação de um transcontinental cinturão verde, ou as iniciativas de vegetação que a China está implementando em suas áreas desérticas.

Assim, o Brasil pode ter colocado os pilares para uma certa liderança global no tema – certa porque as áreas em desertificação ou o problema da existência de desertos são muito maiores em outros países. É louvável a iniciativa brasileira, mas ela precisa de fato lograr obter restauração ambiental em larga escala, e não apenas dentro de áreas públicas que, diga-se, não deveriam estar degradadas.


Referências

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Desertificação aumenta no Brasil em meio a alerta da ONU sobre seca em escala planetária. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1072212-desertificacao-aumenta-no-brasil-em-meio-a-alerta-da-onu-sobre-seca-em-escala-planetaria. Acessado em 29/12/24.

GOVERNO DO BRASIL. COP16 aprova proposta brasileira de criação de caucus para Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/noticias/cop16-aprova-proposta-brasileira-de-criacao-de-caucus-para-povos-indigenas-e-comunidades-tradicionais. Acessado em 29/12/24.

GOVERNO DO BRASIL. Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa – 2025-2028.  Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/biodiversidade-e-biomas/sumario-executivo-planaveg/. Acessado em 29/12/24.

GOVERNO DO BRASIL. COP16 aprova proposta brasileira de criação de caucus para Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/noticias/cop16-aprova-proposta-brasileira-de-criacao-de-caucus-para-povos-indigenas-e-comunidades-tradicionais. Acessado em 29/12/24.

NATIONAL GEOGRAPHIC. Deserts Explained. Disponível em: https://education.nationalgeographic.org/resource/deserts-explained/. Acessado em: 27/12/24

OPEB. COP-16 da Biodiversidade demanda US$ 200 bilhões por ano e faz avanços na regulamentação de informação de sequência genética digital. Disponível em: https://opeb.org/2024/11/23/cop-16-da-biodiversidade-demanda-us-200-bilhoes-por-ano-e-faz-avancos-na-regulamentacao-de-informacao-de-sequencia-genetica-digital/. Acessado em 29/12/24.

REDE DE ESTUDOS RURAIS. Avanço da desertificação no Brasil e o enfrentamento a partir dos saberes tradicionais. Disponível em: https://redesrurais.org.br/avanco-da-desertificacao-no-brasil-o-enfrentamento-a-partir-dos-saberes-tradicionais/. Acessado em 22/12/24

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