Brasil na mira do imperialismo de data centers

Em 2030, eles poderão consumir até 21% da eletricidade global. Hoje, a fonte principal é fóssil, mas cresce pressão por infraestruturas verdes. Brasil precisa construí-los. Mas há risco de subordinação: entregar água e energia, como commodities, sem se apropriar da tecnologia

Foto: Getty Images
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Por Ana Izadora Rodrigues Bezerra, Jéssica Carolyne de Almeida Souza, Beatriz de Almeida Sá Coutrin, Luísa Braga Bianchet, Nícolas de Paula Silva Ferreira e Levi Manoel dos Santos, no Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil

Os data centers se tornaram uma força vital da economia digital. Com o avanço acelerado dos serviços digitais, essas estruturas são cada vez mais demandadas, elevando drasticamente sua participação no consumo energético. Estima-se que os data centers e a transmissão dos dados já são responsáveis por cerca de 3% de toda a eletricidade consumida no mundo — um fato alarmante, especialmente diante das previsões de crescimento dessa participação nos próximos anos.

Eles são estruturas compostas por um conjunto integrado de elementos tecnológicos que oferecem alta capacidade de armazenamento e processamento de dados. Justamente por isso, são extremamente valiosos para empresas que dependem de alto desempenho tecnológico. Inicialmente desenvolvidos em ambientes locais e altamente controlados, os data centers foram projetados para garantir segurança, integridade de dados e proteção contra os ataques cibernéticos. No entanto, com o aumento exponencial da demanda, especialmente por serviços como streaming e computação em nuvem, essas estruturas se expandiram e se tornaram fundamentais para as grandes corporações.

Dito isso, é imperioso mencionar que data centers dependem de sistemas de resfriamento e ar-condicionado para manter a operação segura dos servidores. Grande parte do seu consumo de energia vem dessa necessidade. Além disso, muitos data centers ainda utilizam servidores legados e sistemas de armazenamento em disco, o que consome mais energia.

A Agência Internacional de Energia (AIE) divulgou que, somente em 2022, os data centers sozinhos consumiram quase 1,5% da eletricidade global. Se juntarmos a eletricidade gasta com a transmissão desses dados, o consumo ligado aos data centers chega a cerca de 3%. Segundo a Goldman Sachs Research, a expectativa é que essa demanda cresça 160% até 2030. O Lincoln Laboratory, vinculado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, calcula que até 2030 as centrais de dados serão responsáveis por 21% do consumo da energia elétrica global. Isso nos leva a uma pergunta crucial: como manter essa infraestrutura diante de seu impacto ambiental crescente?

Crescimento em ritmo exponencial

Com o crescimento rápido do tráfego IP global [volume de dados que transita pela internet em todo o mundo] e a crescente capacidade de armazenamento necessária para lidar com esse aumento de dados, a demanda de energia dos data centers aumenta em um ritmo exponencial. Se as tendências atuais persistirem, o uso de eletricidade pelos data centers poderá atingir, até 2026, uma dimensão entre 460 TWh a mais de 1.000 TWh. O mercado global de data centers projeta um crescimento de USD 269,79 bilhões em 2025 para USD 584,86 bilhões até 2032, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 11,7% durante o período de previsão, claramente impulsionado pelo aumento exponencial na geração de dados em diversos setores. Dessa maneira, à medida que os data centers continuam se expandindo, a preocupação com reduzir o consumo de energia aumenta. Nesse ponto, adquire centralidade uma pergunta crucial: como a intensidade de energia dos data centers pode influenciar o consumo mundial de energia? E, na parte que nos diz respeito especificamente, podemos agregar: e o Brasil nesse cenário?

Para analisar a demanda energética dos data centers é importante entender sua infraestrutura de operação. Eles são compostos por servidores, sistemas de armazenamento, sistemas de resfriamento (climatização), rede de cabos e fontes de alimentação, além de outros espaços voltados à segurança e ao suporte. Dentre esses, os servidores e o sistema de climatização são os que mais consomem energia, representando mais de 80% da demanda energética envolvida.

Os servidores são os computadores em si. Eles processam, analisam e fornecem as informações aos usuários. Assim, compõem o que se denomina de carga crítica de TI (tecnologia da informação), uma das principais fontes do consumo de energia em uma instalação. A climatização, por sua vez, tem um papel importante ao regular a temperatura do ambiente que abriga os servidores, garantindo seu funcionamento adequado.

A demanda energética em um data center varia conforme o seu tipo. Data centers locais ou individuais tendem a ser menores e, portanto, a consumir menos energia. Por outro lado, data centers em hiperescala (ou em nuvem), utilizados por grandes empresas fornecedoras de serviços em nuvem, como Google, Microsoft, Amazon e IBM, são maiores e demandam maiores volumes de energia.

A infraestrutura invisível da Era Digital

De acordo com os dados mais recentes da AIE, os maiores consumidores de energia voltada para data centers são os Estados Unidos, com 45% do consumo total, seguidos pela China, com 25%, e pela Europa, com 15%.

Nesse contexto, o advento da Inteligência Artificial (IA) tem um papel decisivo no aumento espetacular da demanda global por data centers. Ainda segundo a AIE, um data center típico com foco em IA consome tanta eletricidade quanto 100 mil residências, sendo que os maiores em construção atualmente consumirão vinte vezes mais.

Tendo em vista o impacto dos data centers na demanda por energia, a preocupação com o meio ambiente tem aumentado e o conceito de data center verde surgiu para designar instalações mais sustentáveis. Através da redução do consumo energético, da utilização de energias renováveis e até do uso de materiais ecológicos em sua construção, o impacto dessas instalações sobre o meio ambiente pode ser reduzido.

O aumento da eficiência energética de um data center é uma das formas de torná-los mais sustentáveis. Uma climatização adequada, a alocação eficiente dos servidores no espaço físico e a implementação de dispositivos como as Unidades de Distribuição de Energia (PDUs, em inglês) são maneiras de reduzir o consumo de energia. A virtualização e o uso de armazenamento de energia também são fatores que tornam os data centers mais eficientes.

Uma questão-chave para entender o impacto dos data centers sobre o meio ambiente é pensar na fonte de energia que eles utilizam, que podem variar de acordo com a região em que estão localizados. Segundo o relatório da AIE, ainda que cerca de metade do crescimento global na demanda por data centers seja atendida pelas energias renováveis, as energias fósseis ainda predominam no cenário atual, com o carvão sendo a principal fonte utilizada na China e o gás natural nos Estados Unidos.

Vale destacar que as energias renováveis são as que mais têm crescimento previsto para os próximos anos, alcançando uma média anual de 22% entre 2024 e 2030. As fontes mais utilizadas atualmente são a biomassa, a energia hidrelétrica e, principalmente, as energias eólica e solar.

Além disso, novas tecnologias também estão sendo desenvolvidas para a utilização da energia nuclear como fonte de energia limpa. Esta tem ganhado destaque recentemente entre as big techs, sobretudo a Google e a Amazon, que financiam projetos voltados ao desenvolvimento de Pequenos Reatores Nucleares (SMR, em inglês), que se apresentam como uma solução para a demanda energética dos data centers. Segundo as empresas que desenvolvem essa tecnologia, os SMRs seriam uma alternativa às grandes usinas nucleares, com uma capacidade média de 300MW, ideais para data centers únicos. Além de ocuparem menos espaço, outras vantagens seriam o fato de não utilizarem água para resfriamento e não precisarem da zona de planejamento de emergência no raio de 16 quilômetros de que as usinas nucleares tradicionais precisam.

Soberania digital

Com o crescimento acelerado da economia digital, os data centers tornaram-se ativos estratégicos na geopolítica global. Controlar a infraestrutura de armazenamento e processamento de dados significa exercer poder sobre fluxos digitais que sustentam setores econômicos, militares e políticos. Os Estados Unidos lideram com folga o número de data centers no mundo, com cerca de 4 mil instalações. Essa supremacia se deve, em grande parte, à presença das maiores operadoras globais de data centers, todas estadunidenses — como Amazon Web Services (AWS), Microsoft Azure, Google Cloud e Meta —, que impulsionam a expansão dessa infraestrutura em escala mundial. Em seguida vem a Alemanha (457 instalações), o Reino Unido (445) e a China (362). Também se observa crescimento expressivo em países do Sul Global, como Índia (265), Brasil (185) e Rússia (176), revelando-se uma possível tendência à descentralização dessa infraestrutura estratégica.

Esse avanço levanta debates sobre soberania e segurança de dados. Diversos países têm reformulado suas legislações para garantir maior controle sobre informações sensíveis. Os EUA, embora não possuam uma lei federal unificada sobre proteção de dados, adotam um mosaico de normas estaduais e setoriais. A CLOUD Act (2018) permite ao governo estadunidense acessar dados de empresas nacionais mesmo se hospedadas no exterior, gerando tensões diplomáticas. Já a União Europeia adota uma abordagem mais restritiva, com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), que se aplica a qualquer entidade que processe dados de cidadãos europeus. A China regula o setor por meio de um conjunto de leis — como a Lei de Proteção de Informações Pessoais e a Lei de Segurança Cibernética — que reforçam o controle estatal sobre os dados. O Brasil instituiu em 2020 a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), buscando garantir maior soberania digital e segurança jurídica no tratamento de dados pessoais dentro e fora do território nacional.

Powershoring e a estratégia brasileira

A crescente demanda energética dos data centers globais transformou a disponibilidade de energia limpa em ativo geopolítico estratégico. O Brasil, com matriz elétrica superior a 90% em fontes renováveis e excedente de 8 a 10 GW no sistema nacional de eletricidade, identificou nesta situação uma janela de oportunidade para reposicionar sua inserção na economia digital global.

O conceito de powershoring emerge como marco teórico desta estratégia: o deslocamento de atividades industriais intensivas em energia para regiões com abundante energia limpa de baixo custo. Para o governo brasileiro, esta abordagem oferece justificativa sólida para uma diplomacia econômica ativa, legitimando missões presidenciais e ministeriais voltadas à atração de investimentos em data centers.

A estratégia de powershoring fundamentou as recentes incursões diplomáticas brasileiras nos principais mercados de data centers. A visita presidencial à China resultou em acordos concretos, incluindo o data center da ByteDance, demonstrando como a vantagem energética brasileira pode ser convertida em fonte de atração de investimentos. Esta abordagem responde às pressões crescentes sobre empresas chinesas para descarbonização de suas operações, proporcionando ao Brasil uma plataforma de cooperação além da tradicional exportação de commodities.

Paralelamente, a missão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao Vale do Silício, nos EUA, exemplifica a operacionalização da estratégia de powershoring como instrumento de política externa. A apresentação da política nacional de data centers para executivos estadunidenses pretende posicionar o Brasil não como mero fornecedor de energia, mas como parceiro estratégico na transição energética do setor tecnológico global. A estimativa de R$ 2 trilhões em investimentos potenciais serve como argumento de peso nestas negociações.

Vantagens e riscos da inserção brasileira

A estratégia brasileira reconhece que a intensidade energética dos data centers modernos, comparável ao consumo de cidades inteiras, cria uma nova geografia econômica onde a disponibilidade de energia limpa determina localizações produtivas. O excedente energético brasileiro, tradicionalmente visto como subutilização de capacidade instalada, torna-se vantagem comparativa decisiva num mercado global crescentemente preocupado com a pegada de carbono.

O relatório Global Data Center Trends 2025, da consultoria estadunidense CBRE, já identifica São Paulo como líder no mercado latino-americano, com 493 MW de capacidade em operação no primeiro trimestre de 2025. Essa cifra representa um aumento de quase 13% em relação ao mesmo período de 2024. Em comparação, outros mercados de grande porte, como Londres, Frankfurt ou Tóquio, operam com mais de 1 GW, enquanto nos EUA esses centros têm capacidade de 3 GW. Novos projetos devem buscar regiões como o interior de São Paulo e o Nordeste, onde há abundância de potencial para geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis.

Esta reconfiguração altera a lógica tradicional de localização industrial, onde proximidade a mercados consumidores predomina. No setor de data centers, a conectividade digital permite operação remota, tornando o acesso à energia limpa fator locacional primordial. O Brasil pode capitalizar esta transformação estrutural, convertendo vantagem energética em instrumento de política industrial ativa.

Além dos benefícios econômicos diretos, o powershoring oferece ao governo brasileiro uma narrativa coerente para sua estratégia de desenvolvimento. A abordagem permite articular sustentabilidade ambiental, soberania digital e diversificação produtiva numa proposta integrada, superando dicotomias tradicionais entre crescimento econômico e proteção ambiental.

A estratégia também responde às críticas históricas sobre a inserção internacional brasileira baseada em commodities. Ao atrair data centers através de energia limpa, o país teoricamente agrega valor à sua dotação de recursos naturais, processando dados em vez de meramente exportar energia ou matérias-primas. Esta narrativa fortalece a legitimidade política das missões diplomático-comerciais.

Contudo, a estratégia enfrenta questionamentos sobre sua efetividade transformadora real. A automatização crescente dos data centers limita os impactos positivos diretos no emprego, enquanto críticos alertam para riscos do “imperialismo verde”, situação em que o país fornece energia e água a baixos preços sem capturar valor agregado significativo. Dependência de tecnologias e conhecimentos externos podem reproduzir padrões de dependência em novos setores. A simples instalação de data centers para atender aos mercados dos países de alta renda, desvinculada de uma política nacional de desenvolvimento de capacidades endógenas, arrisca se tornar um enclave, que não gera emprego, renda ou tecnologia em escala relevante para o país. Nesse caso, equivale à exportação de uma nova matéria-prima: a energia verde.

A competição por recursos energéticos e hídricos com outros setores produtivos representa desafio adicional, especialmente considerando que os data centers demandam não somente energia, mas também água para refrigeração. A sustentabilidade dessa estratégia depende de marcos regulatórios que garantam benefícios efetivos para o desenvolvimento nacional, evitando que incentivos fiscais se traduzam somente em subsídios a empresas transnacionais.

A estratégia de powershoring, portanto, configura-se como uma aposta arriscada, mas potencialmente transformadora, justificando o ativismo diplomático brasileiro na atração de data centers como componente central da política externa industrial contemporânea.

Conclusão

A instalação dos data centers para o ultraprocessamento e o armazenamento digital global representa um novo segmento de economia digital, em que a informação, o território e a energia se entrelaçam. A consolidação e expansão dos data centers como uma infraestrutura crítica para o setor da economia digital também aponta para uma nova etapa de busca por recursos e territórios estratégicos.

Na disputa para atrair esses novos grandes centros, o Brasil aposta em sua matriz energética renovável como uma vantagem competitiva, delineando uma política externa calcada na lógica do powershoring. Com isso, o país tem a possibilidade de usar a vantagem energética como uma plataforma de atração de investimentos para esse mercado em expansão. Ao mesmo tempo, essa inserção aponta para novos dilemas. Fornecer energia de baixo carbono sem se apropriar da tecnologia, inteligência e do valor agregado pode apenas repetir um padrão histórico de subordinação, mas agora com uma roupagem verde.

O Brasil pode assumir um papel protagonista neste processo, mas isso exige políticas públicas que transcendam o simples fornecimento energético e que, de fato, enfrentem as estruturas de dependência e assimetria que historicamente marcam a posição do país no sistema internacional.

Com agradecimentos aos professores Igor Fuser e Giorgio Romano Schutte

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