Avanços e limites da MP dos data centers
Medida Provisória que visa atrair investimentos em servidores é um passo inicial. Mas não basta instalá-los: soberania digital passa pelo controle das tecnologias. Sem isso, país corre o risco de somente transferir dados e energia limpa para as Big Techs…
Publicado 23/09/2025 às 17:28

O Governo Federal lançou, em 18 de setembro de 2025, uma medida provisória com o objetivo de atrair mais data centers para o território nacional. Mas será que essa iniciativa vai funcionar? Ela realmente pode suprir as necessidades do país no segmento de infraestruturas digitais?
Basicamente, a Medida Provisória nº 1.318/2025 institui benefícios fiscais válidos até 31 de dezembro de 2026. Durante esse período, os incentivos financeiros podem chegar a R$ 5,2 bilhões, antecipando resultados que antes se esperavam apenas após a efetivação da reforma tributária. Para isso, foi criado o Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center (REDATA).
Os principais objetivos declarados pelo Governo Federal são: reduzir os custos dos serviços digitais para os consumidores brasileiros; gerar emprego e renda no país; atrair investimentos; e garantir que o armazenamento e o processamento de dados ocorram dentro do Brasil. Vamos analisar cada um desses pontos.
Atualmente, utilizar serviços de data center fora do Brasil é significativamente mais barato do que fazê-lo internamente. Isso se deve a diversos fatores, como sistemas de energia e refrigeração, espaço físico (o prédio onde o data center está instalado), softwares, hardwares e outros equipamentos, infraestrutura de telecomunicações, mão de obra especializada e carga tributária.
Segundo pesquisa publicada pela consultoria Frost & Sullivan em 2021, que comparou os custos operacionais de um data center médio (Tier 3) em quatro países sul-americanos, o Brasil foi o menos competitivo em todos os itens avaliados: energia, conectividade, recursos humanos e manutenção. O país no subcontinente mais barato para instalação de data centers foi a Argentina, seguida pela Colômbia e, depois, pelo Chile.
Aqui temos o primeiro problema: a medida provisória atua sobre apenas um dos componentes do custo dos data centers, sem contemplar toda a cadeia envolvida. Ainda assim, é inegável que representa um avanço — e que é preciso começar de algum ponto. O que não se sabe é se será suficiente para reduzir os preços ao nível praticado por provedores sediados nos Estados Unidos. Mesmo com a redução da carga tributária, não há garantia de que as empresas conseguirão aumentar sua competitividade a ponto de derrubar os preços no mercado interno.
O Brasil, embora seja uma potência global na geração de energia limpa, enfrenta um grande desafio relacionado ao aumento da produtividade. Segundo projeção da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo de energia no país deverá crescer, em média, 2,1% ao ano até 2034. Atrair data centers significa elevar a demanda por investimentos na produção energética. Um estudo do Lincoln Laboratory, vinculado ao MIT, aponta que os data centers serão responsáveis por 21% do consumo global de energia até 2030. Para efeito de comparação, todo o consumo residencial de energia no Brasil representa 10,7% do total produzido, segundo o Balanço Energético Nacional de 2024.
No que diz respeito à geração de empregos, é preciso ter clareza: data centers não são empresas que demandam grandes contingentes de profissionais. Um data center de grande porte costuma empregar entre 150 e 250 pessoas. Já os data centers de hiperescala podem contar com pouco mais de 400 funcionários. Evidentemente, cada emprego criado é relevante, mas não serão os data centers os responsáveis por uma redução significativa nos índices de desemprego no país.
Os perfis mais comuns de profissionais que atuam nesses ambientes incluem técnicos de infraestrutura e manutenção, técnicos em redes e conectividade, equipes de segurança física e digital, profissionais de suporte, além de pessoal administrativo e operacional. A maioria das vagas não exige alta especialização.
Os serviços de alto valor agregado — como softwares e aplicativos que geram conteúdo e produtos de qualidade — não são desenvolvidos dentro dos data centers, mas em empresas que criam os sistemas que neles operam. Como exemplo, pensemos em uma plataforma de entrega de comida. A riqueza está na qualidade do aplicativo que conecta clientes e restaurantes, localiza e distribui entregadores, e no arranjo produtivo socialmente construído para que essa operação funcione. Onde e sobre quais máquinas esse aplicativo roda é secundário.
No que se refere à atração de investimentos, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, declarou, durante a cerimônia de lançamento da medida provisória, que a expectativa é de R$ 2 trilhões em investimentos em data centers no Brasil ao longo dos próximos dez anos, com recursos oriundos do setor privado.
É verdade que o Brasil tem se consolidado como um dos destinos preferenciais para investimentos em data centers, recebendo cerca de 40% dos recursos totais destinados à América Latina, segundo relatório da ReportLinker, publicado em 2021. Mais recentemente, a consultoria JLL estimou que os investimentos na construção de data centers no país devem girar em torno de US$ 400 milhões em 2025 e US$ 1,5 bilhão em 2026. Ou seja, considerando apenas este e o próximo ano, e convertendo os valores para reais, teremos cerca de R$ 10 bilhões em investimentos no biênio. Para alcançar o montante anunciado pelo ministro, será necessário um salto bastante ousado.
O último ponto — fazer com que o processamento e o armazenamento de dados ocorram no Brasil — merece atenção especial. Trata-se do debate sobre a localização de dados, que normalmente envolve a exigência legal de que determinados dados (como os pessoais) não sejam transferidos para fora do país onde foram coletados.
Se um data center está localizado em determinado território, ele está, consequentemente, submetido à autoridade que governa esse território, a qual pode exercer seu poder de coerção legal para obrigar empresas a cumprir regras e determinações. A localização de dados é, portanto, um elemento central na discussão sobre soberania digital.
No entanto, a localização por si só é insuficiente. Em uma sociedade hiperconectada, data centers compartilham dados entre si por diversas razões técnicas — é o que conhecemos como computação em nuvem. Pouco importa onde uma informação está sendo processada: grandes empresas de tecnologia operam múltiplos data centers espalhados pelo mundo, muitos dos quais funcionam como espelhos ou cópias de segurança uns dos outros.
Se há preocupação com dados sigilosos — especialmente aqueles coletados pelo setor público — não basta que sejam processados e armazenados em território nacional. A infraestrutura tecnológica que os abriga precisa estar protegida contra a possibilidade de acessos indevidos por parte de empresas ou governos estrangeiros, que poderiam copiar total ou parcialmente essas informações sem o consentimento do titular.
A verdadeira soberania digital exige atenção a diversos aspectos: controle e propriedade da energia, das telecomunicações, dos centros de dados, dos hardwares e equipamentos utilizados, dos softwares, aplicativos e sistemas, e das bases de dados. A localização é apenas um dos componentes — importante, mas não exclusivo.
Conclusão
A iniciativa do Governo Federal do Brasil é elogiável. A Medida Provisória nº 1.318/2025 acerta ao buscar reduzir os custos de instalação e operação de data centers, ao tentar mitigar déficits na balança comercial causados por serviços digitais e ao buscar diminuir o volume de dados nacionais processados no exterior.
No entanto, a MP não aborda o ponto essencial: a capacidade do país de proteger os dados que aqui são gerados, processados e armazenados. O Brasil precisa, sim, de mais data centers. Essas infraestruturas são as “fábricas modernas”, desempenhando para a sociedade em rede um papel semelhante ao que as indústrias tradicionais tiveram na Revolução Industrial.
Conceder incentivos fiscais para que Big Techs estrangeiras se instalem no país, utilizem nossa capacidade de geração de energia, nossos recursos hídricos para refrigeração de ambientes tecnológicos e operem nossos dados não é suficiente. Corremos o risco de, mais uma vez, ocuparmos o papel de exportadores de matérias-primas — energia limpa e dados — e importadores de produtos de alto valor agregado, como sistemas, aplicativos e seus conteúdos.
Uma política nacional de data centers precisa considerar quem detém a propriedade dessas infraestruturas, a qualidade dos empregos gerados, as tecnologias utilizadas nas operações críticas e os mecanismos de proteção dos dados. Quem controla os data centers deve ter, de fato, compromisso com a democracia e com a soberania nacional do Brasil.
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