Cuba, a ilha das grandes interrogações
Discurso de Raul Castro marca fim de um período histórico. E presidente avisa: mudanças mais importantes ainda estão por vir
Publicado 27/02/2013 às 18:24
Por Leonardo Padura* | Tradução: Gabriela Leite
A Assembleia Nacional de Cuba (parlamento) acaba de viver um momento histórico: o instante visível em que começou a se fechar uma etapa transcendente e complexa para a vida do país e abriu-se a porta a um futuro que, não é tão difícil prever, será diferente de muitas maneiras.
O general Raul Castro, reeleito no domingo (24/3) pela Assembleia, como presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros para a legislatura que vai até 2018, ratificou publicamente que, independentemente das modificações que se realizarem na Constituição a respeito do tempo de exercício dos altos cargos, este mandato, que ele inicia com 82 anos, será seu último à frente de seu país.
Quando Raul fazia essa afirmação, estava na primeira fila do plenário, sentado em sua cadeira de deputado, o ex-presidente Fidel Castro (a caminho de seus 87 anos). Teve em suas mãos o destino do país, durante mais de 46 anos. Testemunhou o anúncio que marcou o princípio do fim de um período histórico marcado por sua personalidade e estilo de governo.
A ilha, que agora ingressa numa etapa de encerramentos e aberturas talvez transcendentes, já é por si diferente da que Fidel governava, quando adoeceu gravemente e viu-se obrigado a se afastar do poder — primeiro, de forma provisória; em seguida, de maneira definitiva, em 2008.
A essência do sistema não mudou: mantêm-se intactas a estrutura de partido único, o sistema eleitoral e a economia de caráter socialista. Mas não se pode negar que os movimentos introduzidos por Raul, como parte do “processo de atualização do modelo econômico cubano” — convertido em programa político com os “Alinhamentos da política econômica e social” aprovados pelo VI Congresso do Partido Comunista (2011) — estão mudando a realidade do país. São uma série de medidas econômicas e sociais, com maior ou menor alcance, que, em muitos casos, revertem um modelo político centralizado e estatizado, e começam a dar fisionomia diferente ao cenário social e econômico desta ilha do Caribe.
Entre as mudanças, estão o fim de proibições que limitavam a capacidade de realização pessoal (o acesso à telefonia celular, a possibilidade de comprar e vender casas e carros etc.); as diversas modificações econômicas (ampliação e facilitação de trabalho autônomo, concessão de terras a particulares em regime de usufruto, criação de cooperativas, maior espaço para a comercialização dos produtos agrícolas, concessão de créditos bancários, nova lei tributária, entre outras), e até uma reforma migratória que, pela primeira vez em meio século, permite o livre movimento da grande maioria dos cidadãos.
De forma paralela, o governo de Raul Castro empreendeu outras campanhas. Entre elas, a que visa fortalecer a institucionalidade do país, a de combate à corrupção nos diversos níveis do aparato econômico, a troca de dirigentes à frente de ministérios e instâncias de decisão, e até uma mudança ostensiva no estilo governante. O presidente moveu-se das tribunas, dos discursos e das constantes e custosas convocatórias de mobilizações populares para as reuniões de portas fechadas, onde se fixam objetivos concretos que, em maior ou menor medida, têm influído na vida nacional.
O propósito expresso do atual presidente, ratificado ao tomar posse para novo mandato, é preservar o sistema socialista instaurado na ilha em 1961. Para tanto, tenta superar a ineficiência econômica do país, e promover dirigentes capazes de sustentar as mudanças a médio prazo, quando o próprio Raul e os outros membros de sua geração já não puderem cumprir suas responsabilidades: por idade e, aparentemente, por futura lei constitucional.
Em suas últimas aparições públicas, Raul tem advertido que os movimentos de “atualização” mais importantes ainda estão por vir. Sobre o caráter dessas mudanças, pouco se sabe, ainda que muito se especule.
Sem dúvida, os grandes desafios de qualquer governo em Cuba estariam concentrados na economia: a imprescindível eliminação de uma moeda dupla que deforma a macro, a mini e a economia doméstica; a necessidade urgente de aumentar os salários para aproximá-los às necessidades vitais da população; a facilitação de investimentos estrangeiros capazes de renovar a envelhecida infraestrutura do país; o polêmico e agora indispensável acesso à Internet, sem o qual não é possível pensar em desenvolvimentos individuais, sociais e econômicos na era digital…
Que país, dentro de cinco anos, entregará Raul Castro a seus sucessores? Cuba continua sendo a ilha do melhor tabaco do mundo e das mais amargas interrogações.
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* Leonardo Padura [verbete na Wikipedia] é escritor e jornalista cubano, vencedor do Prêmio Nacional de Literatura 2012. Seus romances foram traduzidos para mais de quinze idiomas e sua obra mais recente, El hombre que amaba a los perros, tem como personagens centrais Leon Trotsky e seu assassino, Ramón Mercader. Para ler todos os seus textos publicados em Outras Palavras, clique aqui.
Mas que desgraça, qualquer página que eu visito tu comenta, Lucas.
Gosto muito de Cuba, espero que essas mudanças políticas e econômicas não signifiquem a perda do monopólio de comércio exterior pelo Estado ou a propriedade privada dos meios de produção… :/