Chéri à Paris: Brasiliá à Paris
“No dia em que inventarem o teletransporte, o viajante que porventura desembarcar ali vai olhar muito desconfiado em volta e pedir reembolso”
Publicado 06/05/2011 às 19:09
(Chéri à Paris, por Daniel Cariello)
Projetada por Oscar Niemeyer, a sede do Partido Comunista Francês é um pedaço de Brasília no meio de Paris. No dia em que inventarem o teletransporte, o viajante que porventura desembarcar ali vai olhar muito desconfiado em volta e pedir reembolso do bilhete, alegando que chegou ao país errado.
– Ué, desci em Brasiliá?
– Non, monsieur, Paris.
– Tá tirando onda comigo, rapaz?
Embora já tivesse passado diversas vezes em frente à incrível construção modernista, ontem finalmente tive a chance de conhecê-lo por dentro, aproveitando que por ali havia um vernissage de uma exposição de quadros justamente sobre a capital brasileira. Assim matei a curiosidade e a fome de uma vez só. E pude apreciar o belo projeto niemeyriano bicando salgadinhos frios e refrigerantes quentes financiados pela bolsa artista dos camaradas franceses, que estão precisando liberar uma nova verba para um microondas e um frigobar. De preferência made in China.
Em frente à recepção havia um sujeito descabelado e com cara de artista incompreendido. Cheguei pra falar com ele e me identificar como provavelmente o único brasiliense presente.
– É você o pintor?
– Pas du tout. Ele está ali. – E me mostrou um engomadinho com cara de recepcionista.
Deixei o engomadinho no seu canto e engatei um papo com o descabelado, que me contou ser o responsável pelas visitas guiadas no prédio e me perguntou se eu era mesmo de Brasília.
– Sou sim.
– Nascido lá?
– Oui.
– Nascido e criado?
– E batizado também.
– Batizado? Valha-me São Marx.
Curioso de ver um specimen exoticus, o cidadão me cobria de perguntas.
– Como é Brasília?
– Parece com isso aqui.
– E as pessoas?
– Parecem com as que estão aqui também, duas pernas, dois braços e uma só cabeça.
– E o Lúcio Costa?
– Esse também tem duas pernas, dois braços e uma só cabeça.
– É verdade que ele é meio francês?
– É, nasceu em Toulon, sul da França.
– Por quê?
– Talvez porque seus pais estivessem por lá na época. Ou ao menos a sua mãe.
– Isso faz um certo sentido.
Com a conversa engatada, o simpático descabelado me levou para conhecer uma sala de reuniões, na qual figurava uma enorme planta de Niemeyer, e ainda liberou o acesso à famosa cúpula, tão bonita quanto a do Congresso Nacional brasileiro. Logo me interpelou novamente.
– E o Niemeyer, você conhece?
– Conheci criança, meu pai trabalhou com ele.
– Seu pai trabalhou com o maior arquiteto do mundo?
– Ele não é tão grande assim, metro e sessenta, no máximo.
– Hã?
– Nada, eu falei isso quando era criança. Na época causou mais impacto.
E fui embora dali consciente da sorte de ser de Brasília, uma obra de arte a céu aberto. A cidade mais dessemelhante que conheço. Lugar amado por uns e odiado por outros, mas ao qual ninguém fica indiferente.
–
Daniel Cariello, editor da revista Brazuca, é colaborador regular daBiblioteca Diplô/Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro. Os textos publicados entre março de 2008 e março de 2009 podem ser acessados aqui.