Fórum Social Mundial: o que sugere a viagem ao Nepal

Realizado há poucos dias, encontro reuniu galáxia de movimentos sociais, mas perdeu força ao longo dos últimos anos. Ainda é espaço para articular lutas contra neoliberalismo e ultradireita, desde que se abra a novas articulações políticas

Foto: Ramesh Bhandari/CC BY 2.0/Flick
.

Eric Toussaint em entrevista a Sergio Ferrari | Tradução: Rose Lima

Quase no final de uma nova edição do Fórum Social Mundial (FSM), que aconteceu em Katmandu, no Nepal, entre os dias 15 e 19 de fevereiro, é hora de fazer um balanço. “Foi um apelo muito positivo para a região. Devemos, no entanto, olhar para frente, promovendo iniciativas concretas em uma situação internacional complexa marcada pela ofensiva de forças de extrema direita”, diz o historiador e economista belga Eric Toussaint. Fundador e porta-voz do Comitê para a Abolição das Dívidas Ilegítimas (CADTM), Toussaint participou do FSM, no qual sua organização promoveu sete atividades que foram amplamente participadas.

Positivo, porém…

Sergio Ferrari: Qual a sua avaliação sobre essa nova edição do Fórum Social Mundial que acaba de ser concluída?

Eric Toussaint: Foi muito positivo, principalmente pela participação de setores extremamente oprimidos. Refiro-me, entre eles, aos Dalit, a casta dos intocáveis; povos nativos e originários historicamente marginalizados, mas altamente organizados; forças sindicais; muitas ativistas feministas de zonas populares. A maioria era do Nepal e da Índia. Os organizadores contabilizaram 18 mil inscrições [de mais de 90 países] e na manifestação de abertura, na quinta-feira, 15, foram mobilizados entre 12 e 15 mil participantes. Em conferências, oficinas e atividades culturais, todos os dias, houve nada menos que 10 mil pessoas. Foi uma excelente decisão vir para o Nepal. No entanto, o FSM, como tal, não alcançou a mesma representação que teve em sua primeira década de existência, a partir de sua fundação, em Porto Alegre, Brasil, em 2001. Quase não vi europeus, latino-americanos e africanos no Nepal. Em suma, um bom nível de convocação regional, mas fraca presença de outros continentes. Isso mostra as dificuldades que o FSM tem em tomar iniciativas globais com impacto real.

Falta uma dinâmica internacional mobilizadora

O senhor avalia que a última grande convocação presencial do FSM, em 2019, em Salvador, não foi superada? Tomo o evento de 2019 como referência para comparação, já que a edição de 2022, no México, foi realizada em uma situação pós-pandemia muito particular que condicionou significativamente sua capacidade de convocação.

Não só isso. Se pensarmos naquela edição de 2019 de Salvador da Bahia, embora com bastante participação, ela foi essencialmente reduzida à região nordeste com representações de algumas outras áreas do Brasil. Infelizmente, a presença de outros continentes era fraca.

Agora percebemos uma realidade contraditória. Por um lado, o Fórum Social Mundial não é mais uma força verdadeiramente ampla de atração e propulsão. Por outro lado, é o único espaço mundial que ainda existe. E é por isso que continua a ser importante que o CADTM continue participando.

Estou convencido de que, se o FSM tivesse força real – como conseguimos em 2003, quando convocamos as grandes mobilizações pela paz e contra a guerra no Iraque – hoje seu poder seria significativo: tanto para enfrentar o genocídio na Palestina quanto para ajudar a construir um amplo freio ao crescimento da extrema direita, um fenômeno preocupante que pode ser visto em muitas regiões do mundo.

Quando digo isto, refiro-me, entre outros, a Narendra Modi, na Índia, nacionalista, anti-islã e antimuçulmano, violento; Ferdinand Marcos Junior, nas Filipinas, herdeiro não só da ditadura familiar, mas também do repressivo Rodrigo Duterte; o regresso reacionário na Tunísia, cada vez mais semelhante à antiga ditadura de Ben Ali, antes da Primavera do Magrebe. Na Europa, há projetos extremistas e belicistas como os de Vladimir Putin, na Rússia; Giorgia Meloni, em Itália; Viktor Orban, na Hungria e na Ucrânia, onde governa um governo neoliberal de direita pró-Otan. Também penso nas ameaças reais do Chega, uma nova extrema direita em Portugal (que não teve essa força entre 1975 e há apenas três anos) que ambiciona convocar 20% do eleitorado; a possibilidade da vitória de Marine Le Pen, na França; VOX, na Espanha; a vitória eleitoral do partido de extrema direita na Holanda, da AfD (Alternativa para a Alemanha) etc. E sem pretender mencionar todas essas expressões reacionárias, na América Latina, aponto personagens como Nayib Bukele, em El Salvador ou Javier Milei, na Argentina. Este último com um programa socioeconômico mais radical do que o próprio Pinochet, no Chile ditatorial. Tudo isso no quadro global de uma possível vitória eleitoral de Donald Trump nas próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos. E vou deixar para último, pela brutalidade que representa: Benjamin Netanyahu, em Israel, promovendo um projeto racista, genocida e colonialista.

Nova proposta

Se o Fórum Social Mundial não tem força para se reunir amplamente em uma realidade mundial que você descreve como dramática, a pergunta é óbvia: de acordo com sua percepção, o que os setores progressistas devem fazer em nível internacional?

Acho que a fórmula de um FSM apenas com movimentos sociais e ONGs, mas sem partidos políticos progressistas (conforme definido na Carta de Princípios de 2001) não permite um combate adequado à extrema direita. Diante da ascensão desses setores e de projetos fascistas, devemos buscar outro tipo de confluência internacional. Nesse sentido, o CADTM, juntamente com outros atores sociais, entrou em contato com o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e com o PT (Partido dos Trabalhadores) de Porto Alegre, berço do Fórum Social Mundial desde 2001, para propor a criação de um Comitê Organizador que convocaria uma reunião internacional em maio para discutir como continuar, na perspectiva de um grande encontro daqui a um ano. Com uma visão ampla para integrar movimentos sociais de todos os tipos, feministas, lutadoras/es pela justiça climática, crentes progressistas, setores sindicais, etc., para citar apenas alguns exemplos, na perspectiva de pensar como melhor resistir à extrema direita. Atores importantes como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) poderiam participar ativamente. Se eles, no Brasil, conseguiram reverter o governo de Jair Bolsonaro com uma ampla proposta de alianças políticas e sociais, é fundamental tirar lições concretas. O Fórum Social Mundial poderia continuar, mas estamos convencidos de que é necessário um novo quadro de forças capaz de se remobilizar.

Já existem iniciativas como a Assembleia Internacional dos Povos que têm objetivos semelhantes…

Claro que eles deveriam estar envolvidos e desempenhariam um papel importante. Mas, precisamos de uma nova iniciativa de frente única mais ampla. Pensamos que esse primeiro encontro poderia ser convocado em maio de 2024, em Porto Alegre, Brasil, e seria imaginável, por exemplo, ter uma forte presença da Argentina, de forças de esquerda radical junto com a esquerda do peronismo, organizações sindicais como a Central de Trabalhadores da Argentina e até mesmo a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e os mais diversos movimentos sociais e feministas. Seria uma primeira etapa para uma grande conferência em 2025, por exemplo, em São Paulo, se a aliança de esquerda (PT, PSOL etc.) vencesse as eleições para prefeito em 2024.

A construção dessa nova iniciativa internacional seria ampla e diversificada, incorporando várias correntes revolucionárias, a 4ª Internacional, a socialdemocracia, passando pela internacional progressista, em toda a gama de setores. Organizações e personalidades progressistas nos Estados Unidos também devem ser convocadas (por exemplo, Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez, o sindicato automotivo UAW, que obteve uma grande vitória em 2023). E partidos e movimentos de esquerda na Europa, na África, na Ásia, na região árabe, com suas diferentes expressões. Estender a participação a personalidades comprometidas do mundo cultural, que contribuam com as suas, a partir de seu próprio setor. É preciso convencer o maior número possível de forças, que devem mesmo superar diferenças e divisões históricas, a compreender e aceitar o grande desafio prioritário do tempo presente, ou seja, o combate à extrema direita. Sabemos que esse apelo não será simples nem fácil: exige grande generosidade e forte vontade política. O complexo momento histórico e os perigos que a humanidade e o planeta enfrentam nos dizem que é importante tentar.

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *