Uma carona nas andanças de Lô Borges

Em carreira errática, traduziu fragmentos do mundo. Na cabeça, viajava para o interior das esquinas que nunca houve. Acordes escondem a melancolia que o vento lhe contava. Olhando a vida pela janela, viu o delírio do trem encontrar a calma do azul

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Trem de Doido, Trem Azul

Duas canções de Lô Borges. Dois trens que correm em sentidos diferentes e se encontram no mesmo ponto do tempo.

Em Trem de Doido, a guitarra de Beto Guedes dialoga com Page — corre, erra, distorce, se desequilibra. Em Trem Azul, a de Toninho Horta respira — abre espaço, encontra repouso no ar.

Entre uma e outra está Lô, o menino que atravessou o tempo compondo numa carreira errática, feita de lampejos e hiatos.

As letras também se cruzaram em algum ponto invisível: o delírio e a calma, o chão e o céu, o corpo e o vento. Trem de Doido e Trem Azul sempre foram o mesmo percurso visto de fases diferentes.

Lô teve muitas. Do garoto do tênis rasgado ao músico maduro que parecia estar sempre voltando de uma viagem interior. Cada disco, um tempo; cada canção, um fragmento traduzido em som.

Entre harmonias que vinham dos Beatles e um jeito pop de fazer MPB, ele abriu espaço para a canção brasileira respirar. Tinha sempre uma melodia cantante e uma tristeza boa escondida em cada acorde maior.

Lô atravessou a história — a ditadura, o desencanto, o excesso — sem nunca deixar de parecer jovem. Compôs olhando o mundo pela janela de um trem e (re)vivendo uma esquina que nunca houve.

Agora, o som continua.

A guitarra segue livre, o trem parece sem rumo, mas sempre chega.

Lô Borges (1952 – 2025)

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